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Texto enviado ao JurisWay em 21/01/2006.
Última edição/atualização em 24/01/2007.
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Todos os meses, as empresas efetuam um desconto na folha de pagamento dos empregados, sendo que tais valores são repassados à Previdência Social. Dessa forma são custeados vários benefícios que eventualmente podem ser gozados pelo trabalhador, como aposentadoria, seguro desemprego, salário maternidade, dentre outros.
Em virtude da importância dessa contribuição previdenciária para a vida do trabalhador, o legislador brasileiro definiu que comete crime aquele que desconta os valores da folha de pagamento e não os repassa à entidade previdenciária.
Esse crime, que recebe o nome de apropriação indébita previdenciária, está previsto no artigo 168-A do Código Penal:
"Art.168-A. Deixar de repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo e na forma legal ou convencional.
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa"
Na verdade, são várias as condutas tipificadas no artigo 168-A sob a rubrica marginal de apropriação indébita previdenciária. Contudo, focaremos nossa análise na conduta descrita no caput, pois é ela a mais recorrente na prática forense.
O tipo objetivo consiste em deixar de repassar à Previdência Social as contribuições que foram descontadas do salário dos empregados. Logo, caso não haja o desconto, não estará configurado o tipo penal do artigo 168-A do CP.
Ressalte-se que, seguindo orientação do Superior Tribunal de Justiça, não se exige do agente o dolo específico, que seria o ânimo de apropriar-se de coisa alheia móvel. Basta o dolo genérico, ou seja, consciência e vontade de praticar a conduta típica, para que esteja configurado o delito. O tipo subjetivo, portanto, é o dolo, não se exigindo elemento subjetivo especial para a configuração da conduta típica.
Esse posicionamento é exemplificado pelo acórdão a seguir:
“CRIMINAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. DOLO ESPECÍFICO. COMPROVAÇÃO. DESNECESSIDADE. SÚMULA 83/STJ. AGRAVO DESPROVIDO.
I. O entendimento adotado no acórdão recorrido está em harmonia com o posicionamento desta Corte, no sentido de ser desnecessária a comprovação de dolo específico de fraudar a previdência social, para a configuração do crime de apropriação indébita de contribuição previdenciária. Incidência da Súmula nº 83/STJ. II. Agravo desprovido”.(AgRg no Ag 659236; Rel: Ministro Gilson Dipp; DJ 13.06.2005)
A doutrina classifica os delitos com relação ao resultado. Quando o tipo penal exige o resultado como requisito para seu perfazimento, diz-se que o crime é material. Caso o delito possa ter resultado, mas o tipo penal não exija tal resultado para a configuração do crime, diz-se que o crime é forma. Quando a simples conduta já é suficiente para a configuração do tipo penal, não havendo resultado, tem-se o crime de mera conduta.
Para parte da doutrina, o artigo 168-A é um crime formal, em que não importa se houve efetivo prejuízo ao erário para que a conduta se torne típica. Alguns julgados, entretanto, entendem que se trata de crime de mera conduta.
Não coadunamos com a hipótese pretoriana, visto que do crime de mera conduta não deriva nenhum resultado material, ao passo que no crime formal, esse resultado até pode existir, mas não interessa ao tipo penal.
No caso da apropriação indébita previdenciária, o agente pode até desfalcar o erário de forma a causar um prejuízo efetivo, ou pode a fraude ser irrisória, mas em ambas as hipóteses haverá um resultado, que é o desfalque nos cofres da Previdência.
Ainda, a apropriação indébita previdenciária prevista no caput do artigo 168-A também é classificada pela doutrina como um crime omissivo próprio. Isso porque a conduta típica consiste em um não fazer por parte do agente, que não repassa as contribuições recolhidas às mãos da Previdência Social.
TRF da 3ª Região: “O delito previsto no artigo 95,d, da Lei 8.212/91 é crime omissivo próprio e se consuma pela simples falta de recolhimento da contribuição previdenciária arrecadada dos segurados, não havendo que se falar em inexigibilidade de conduta diversa quando o contribuinte alega não dispor de meios para recolher o valor da dívida” ( RT 754/733)
Em se tratando de crime omissivo próprio, não é admitida a tentativa.
Alguns autores afirmam que o sujeito passivo imediato é a União, representada no caso por uma autarquia federal, o INSS.
Entretanto, não coadunamos com esse entendimento, visto que, apesar de correto, se encontra incompleto. Afinal, existem outras entidades de natureza previdenciária que não são autarquias da União, como, por exemplo, o IPSEMG, no estado de Minas Gerais. Aos nossos olhos, o sujeito passivo imediato é o Estado, representado por qualquer uma de suas entidades ou órgãos de Previdência Social. Entretanto, pelo número de contribuintes espalhados pelo território nacional, o INSS é o sujeito passivo mais comum dessa espécie de crime.
Pode-se falar também em um sujeito passivo mediato, que seriam todos os beneficiados e possíveis beneficiados pela Previdência Social, vez que qualquer desfalque no patrimônio da entidade previdenciária indiretamente afetará seus interesses.
O sujeito ativo, nas palavras do ilustre autor Luiz Régis Prado, é “o agente que tem um vínculo legal ou convencional com o órgão previdenciário (INSS), pelo qual se obriga a repassar ou a recolher a contribuição social, bem como a pagar o benefício ao segurado”. Assim, administradores, gerentes, sócios, empresários individuais, contadores, diretores, enfim, todos aqueles que efetivamente têm a responsabilidade de repassar as verbas descontadas ao poder público e não o fazem podem ser sujeitos ativos do delito. Logo, trata-se de um crime próprio, que exige uma característica especial do sujeito ativo.
As grandes divergências envolvendo o delito do artigo 168-A envolvem exatamente o sujeito ativo do delito.
Afinal, desde que o delito em questão foi introduzido na legislação brasileira, os Tribunais vinham decidindo que os sócios, pelo simples fato de serem sócios, poderiam ser denunciados e até condenados pelo delito de apropriação indébita previdenciária.
Vejamos como exemplo disso o acórdão abaixo:
“Decorre do tipo penal, que se trata de crime omissivo próprio ou puro, cuja caracterização verifica-se pela inércia do agente, qual seja, os dirigentes da empresa, sendo irrelevante ser sócio minoritário; que omite uma ação, oriunda de uma norma de comando/determinação, emanando um dever jurídico, cuja consumação efetiva-se com o não repasse das contribuições ao INSS pelo empregador, lesionando o bem jurídico que é a seguridade social, e não a função estatal de recolher verbas ao Erário, como d.v., se supõe, o que afasta a idéia de prisão civil”. (TRF da 2ª Região. Processo: 200202010040126; Juiz Federal Poul Erik Dyrlund)
Felizmente, essa situação já não é mais a mesma.
Os Tribunais passaram a entender, desde meados da última década, que a condenação dos sócios sem a existência de provas robustas de que os mesmos efetivamente contribuíram para a prática da apropriação indébita previdenciária, caracterizaria a responsabilidade objetiva no âmbito criminal, o que é vedado pela legislação pátria.
Além do mais, consagrou-se o princípio do “in dubio pro reo”, que vinha sendo mitigado pelas decisões anteriores.
Os acórdãos transcritos a seguir ilustram essa mudança de posicionamento:
TRF da 1ª Região, RCCR 1997.01.00.045465-8/AC Rel: Desembargador Carlos Olavo. Quarta Turma:
“PENAL. RECURSO CRIMINAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. ART.168-A DO CÓDIGO PENAL (ANTIGO ART. 95, 'D', DA LEI Nº 8.212/91). DIRIGENTES DE SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. IMPOSSIBILIDADE. 1. O não recolhimento de contribuições previdenciárias descontadas dos salários dos empregados pelos diretores da empresa de economia mista, por si só, não faz presumir a prática do ilícito. Precedentes. 2. O dolo não pode ser presumido. 3. Recurso do Ministério Público Federal improvido.”
Tribunal Regional Federal da 2° Região, Processo: 199902010533956, Rel: Juiz Ney Fonseca. Data da Decisão: 21/11/2000:
“APELAÇÃO CRIMINAL. NÃO RECOLHIMENTO DAS CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. AUTORIA E MATERIALIDADE NÃO COMPROVADAS. INEXISTÊNCIA DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA NO ÂMBITO PENAL. ABSOLVIÇÃO.- A descrição do fato típico, com todas as suas circunstâncias, conforme reza o artigo 41 do Código de Processo Penal, não pode ser ignorado sob pena de inépcia da denúncia. Não tendo sido comprovada, durante a instrução, a autoria delituosa, nem existindo provas robustas, não há como prevalecer um decreto condenatório. - O fato dos apelantes serem diretores da empresa, como no caso em tela, não torna por si só a conduta delituosa, não existindo em sede penal a responsabilidade objetiva. - Absolvição que se impõe. - Recurso provido”.
Apelação Criminal. Número do Processo: 2004.05.00.033041-0 Órgão Julgador: Segunda Turma Relator Desembargador Federal PETRUCIO FERREIRA:
“Penal e Processo Penal. Apelação Criminal. Crime de Não Recolhimento de Contribuições - Atual Artigo 168-A do CPB - Apropriação Indébita Previdenciária - Inexistência de prova quanto à participação efetiva e direta da acusada na administração da empresa. Prova testemunhal. Validade. Responsabilidade Penal Objetiva. Impossibilidade. Aplicação do Princípio do in dúbio pro reo . Parecer ministerial opinando pela absolvição. Acolhimento. Confirmação do decreto absolutório singular”.
A partir de então, tornou-se pacífico na jurisprudência que somente deveria haver a condenação quando fosse possível identificar a conduta individual de cada sócio.
O fato de constar no contrato social que determinado sócio seria o responsável pela arrecadação e repasse das contribuições não é suficiente para condenar. Afinal, muitas vezes há uma delegação dessas funções a um contador ou a um administrador, sem que o sócio tenha conhecimentos técnicos suficientes para fiscalizar a atividade de seu contratado.
Logo, não pode ser responsabilizado pelas ações dos mesmos, impondo-se sua absolvição, conforme exemplificado pela decisão a seguir:
TRF da 1ª Região. HC 2002.01.00.032209-0/MG; Relator Desembargador Federal Carlos Olavo
“O fato de a paciente ser a sócia majoritária da empresa no período da apropriação indébita não acarreta a responsabilidade penal se comprovado que outorgou procuração a terceiro para exercer a gerência do estabelecimento comercial”.
Outro problema surgido em relação ao sujeito ativo se deu em relação aos diretores de entidades da Administração Pública Indireta, como de empresas públicas e sociedades de economia mista.
Afinal, aconteceram situações em que essas próprias empresas estatais vieram a fraudar a previdência, sendo que os diretores, que efetuaram os descontos nas folhas salariais, não tinham a disponibilidade dos recursos em questão, não sendo eles os responsáveis pelo repasse das verbas.
Nesses casos, ausente, portanto, o dolo, a conclusão foi pela absolvição dos mesmos:
“PENAL. RECURSO DE HABEAS CORPUS. INQUÉRITO POLICIAL. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. RECOLHIMENTO. OMISSÃO. APROPRIAÇÃO INDÉBITA. DIRIGENTES. EMPRESA ESTATAL. TRANCAMENTO.
1. A omissão no oportuno recolhimento de contribuições previdenciárias descontadas dos salários de empregados, apesar de configurar, em tese, o crime de apropriação indébita, não ocorre, por isso que, não se admitindo a responsabilidade penal objetiva, por si só não induz a presunção da prática de ilícito penal pelos Diretores de empresa estatal que, sendo meros detentores de função pública de confiança, não têm qualquer poder de disponibilidade dos bens de tal entidade. 2. Recurso improvido.” (RCHC 1997.01.00.005065-8/BA, Rel. Des. Federal Mário César Ribeiro, 4ª Turma, DJ 28/08/1997, p. 68515)
Em suma, atualmente, o contrato social deixou se ser uma presunção absoluta de responsabilidade pelo ilícito do artigo 168-A, impondo-se, segundo entendimento pacífico, a absolvição dos sócios, na ausência de outras provas que evidenciem a conduta típica dos mesmos:
“NÃO RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. AUTORIA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DERIVADA DO CONTRATO SOCIAL. INADMISSIBILIDADE. Para a comprovação da autoria do delito de não recolhimento de contribuições previdenciárias há necessidade da efetiva gestão por parte do agente na hora de decidir a respeito do destino das contribuições arrecadadas dos segurados ou do público, sob pena de aceitarmos a responsabilidade objetiva no Direito Penal. No caso das sociedades firmadas entre cônjuges é comum que a mulher figure no contrato social com função meramente decorativa, embora, formalmente, seja quem administre a empresa. Dignas de nota, também são as sociedades em que existe a figura do supersócio, com cerca de 90% ou mais do capital da sociedade, sendo comuns, ainda, os casos em que determinado sócio cuide da parte administrativa, enquanto outro ou outros tratem apenas de atividade-fim, confiando ao supérstite a administração dos recursos econômicos. Nestas hipóteses, portanto, a autoria será o foco da instrução, impondo a pesquisa de quem realmente administrava a firma e tinha a disponibilidade dos recursos, a fim de evitar a responsabilidade objetiva derivada do contrato social”. (TRF da 4ª Região. APELAÇÃO CRIMINAL - 2553. Processo: 9704223811 UF: PR Órgão Julgador: SEGUNDA TURMA.Data da decisão: 06/04/2000)
Resolvida a celeuma referente à possibilidade de condenação dos sócios, surgiu outra controvérsia: a possibilidade de trancamento da ação penal.
Todos conhecem os inconvenientes que o denunciado tem de suportar durante o curso de uma instrução criminal: a necessidade de comparecimento a audiências, o recebimento de intimações pessoais, a possibilidade de privação provisória da liberdade. Diante disso, muitos advogados passaram a se valer do habeas corpus como meio para trancar a ação penal, impedindo seu curso regular, a fim de evitar as agruras do procedimento criminal. Analisemos melhor essa questão.
O argumento utilizado para trancar a ação penal nos crimes de apropriação indébita previdenciária era a infração ao artigo 41 do Código de Processo Penal. Esse artigo dispõe que a denúncia deverá expor o fato criminoso, ou seja, descrever a conduta perpetrada pelo acusado.
Ocorre que, nos crimes praticados em sociedades, o Ministério Público vinha encontrado dificuldades para discorrer sobre a conduta de cada um dos sócios, individualmente, pelo que se valia de uma denúncia genérica, deixando a responsabilidade individual para ser apurada no curso da ação penal.
Os Tribunais vinham majoritariamente aceitando essa denúncia genérica, amenizando os rigores do artigo 41:
STJ: “O crime de autoria coletiva não obriga a denúncia a pormenorizar o envolvimento do réu, bastando a narrativa genérica do delito, sem que tolha o exercício da defesa”. (JCAT 73/679)
TRF da 3ª Região: “Em se tratando de crimes de autoria coletiva, em que não se pode aferir, de plano, a participação de cada acusado, não há como exigir que o Ministério Público especifique, na denúncia, o modus operandi de cada agente”. (RT 752/721)
Entretanto, ao contrário do que pretendia o Ministério Público, o entendimento dos Tribunais, inclusive do Pretório Excelso, no sentido de amenizar os rigores do artigo 41 nos delitos societários, não permitiu que a denúncia se tornasse uma peça completamente genérica. Apesar de não se exigir a pormenorização da conduta, uma descrição mínima da participação individual de cada sócio passou a ser necessária para evitar a inépcia da denúncia, senão vejamos:
STF: “Em tema de crimes societários, é indispensável que a peça acusatória individualize a conduta de cada denunciado, sob pena de ser considerada inepta”. (RT 738/641)
STJ: “Nos crime societários é imprescindível que a denúncia descreva, ao menos sucintamente, a participação de cada pessoa no evento criminoso. A invocação da condição de sócio ou diretor, sem a individualização de condutas, não é suficiente para viabilizar a ação penal, por impedir o exercício do contraditório e da ampla defesa”. (RT 758/517)
Assim, ainda que de forma amenizada, é de suma importância que a denúncia contenha uma descrição da conduta individual do sócio, para que o mesmo possa exercer seus direitos constitucionais ao contraditório e à ampla defesa. A análise da inépcia da denúncia deve ser feita caso a caso. Se comprovado que não existem na denúncia elementos, além do contrato social, que permitam ao sócio se defender das acusações que lhes são imputadas, cabível o habeas corpus para trancar a ação penal.
Em suma, o mínimo exigido pelos Tribunais é que a conduta descrita na denúncia seja tal que permita ao acusado exercer seus direitos constitucionais.
O entendimento exposto a pouco se revela uma verdadeira tendência dentro da jurisprudência nacional, evidenciada pelas reiteradas decisões do Superior Tribunal de Justiça nesse sentido.
Aliás, a jurisprudência do STJ é que acabará tendo a palavra final sobre o assunto, vez que da decisão que defere o habeas corpus para trancamento da ação penal não cabe recurso por parte da acusação, não sendo o Supremo Tribunal Federal provocado a se manifestar sobre a matéria.
O entendimento do STJ encontra-se expresso no acórdão que se segue:
“CRIMINAL. HC. APROPRIAÇÃO INDÉBITA DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA. CRIME SOCIETÁRIO. NECESSIDADE DE DESCRIÇÃO MÍNIMA DA RELAÇÃO DO PACIENTE COM OS FATOSDELITUOSOS. OFENSA AO PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA. ORDEM CONCEDIDA. I. Hipótese em que o paciente foi denunciado pela suposta prática do crime de apropriação indébita de contribuições previdenciárias, pois, na qualidade de um dos responsáveis pela administração de determinada empresa, teria deixado de recolher ao cofres do INSS as contribuições descontadas dos salários dos empregados em certos períodos. II. O entendimento desta Corte - no sentido de que, nos crimes societários, em que a autoria nem sempre se mostra claramente comprovada, a fumaça do bom direito deve ser abrandada, não se exigindo a descrição pormenorizada da conduta de cada agente - não significa que o órgão acusatório possa deixar de estabelecer qualquer vínculo entre os denunciados e a empreitada criminosa a eles imputada. III. O simples fato de ser sócio de empresa não autoriza a instauração de processo criminal por crimes praticados no âmbito da sociedade, se não restar comprovado, ainda que com elementos a serem aprofundados no decorrer da ação penal, a mínima relação de causa e efeito entre as imputações e a condição de dirigente da empresa, sob pena de se reconhecer a responsabilidade penal objetiva. IV. A inexistência absoluta de elementos hábeis a descrever a relação entre os fatos delituosos e a autoria ofende o princípio constitucional da ampla defesa, tornando inepta a denúncia. V. Precedentes do STF. VI. Deve ser cassado o acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região, para restabelecer a decisão monocrática que rejeitou a denúncia ofertada contra o paciente. VII. Ordem concedida, nos termos do voto do Relator”. (STJ. HC 35823 / SP. Processo:2004/0075844-4. Relator: Ministro Gilson Dipp).
Quanto aos Tribunais Regionais Federais, tem-se que a possibilidade de HC para trancamento de ação penal em casos de denúncia genérica pela prática do delito do artigo 168-A CP já é majoritária em todas as regiões, exceto na 3ª, que tem competência sobre os estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul.
Entendimento do Tribunal Regional Federal da 1ª Região:
“PENAL. HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DA AÇÃO. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. ART. 168-A. CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS DESCONTADAS E NÃO RECOLHIDAS. EMPRESA. SÓCIO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. IMPOSSIBILIDADE. I. O fato de a paciente ser a sócia majoritária da empresa no período da apropriação indébita não acarreta a responsabilidade penal se comprovado que outorgou procuração a terceiro para exercer a gerência do estabelecimento comercial. II. A responsabilidade penal é pessoal e intransferível, não podendo haver responsabilização objetiva na esfera criminal pela prática de ilícitos pelo mandatário da paciente, efetivo administrador no período dos fatos delituosos. III. Ordem concedida”. (TRF da 1ª Região. HC 2002.01.00.032209-0/MG, Rel. Juíza Vera Carla Nelson Cruz Silveira (conv), Quarta Turma, DJ de 06/12/2002, p.199)
Entendimento do Tribunal Regional Federal da 2ª Região:
“PROCESSUAL PENAL - REPASSE DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. ART. 168-A, § 1O., I, C/C ART.71, DO CP - AUSÊNCIA DE SUPORTE PROBATÓRIO MÍNIMO- CRIME OMISSIVO - DENÚNCIA INEPTA - OFENSA AO ART. 41, CPP - CONSTRANGIMENTO ILEGAL. - Falta de repasse das contribuições previdenciárias descontadas dos empregados da empresa. Art. 168-A, § 1o , I,c/c art. 71, do CP. Crime omissivo próprio.- Denunciado o responsável pela empresa.- Denúncia sem um suporte probatório mínimo para a individualização da responsabilidade penal do denunciado. - Em não havendo, na peça acusatória, descrição da conduta praticada por aquele que se pretende denunciar , esta se torna inepta. Violação do Art. 41, do CPP. - Denúncia inepta leva à instauração de processo criminal indevido, submetendo a constrangimento ilegal quem o responde. - Ordem de Habeas Corpus concedida”. (TRF da 2ª Região. HC2818. Rel: Juiz Francisco Pizzolante. DJ de 07/01/2003)
Entendimento do Tribunal Regional Federal da 3ª Região:
“HABEAS CORPUS. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. JUSTA CAUSA.- Considerando que ao tempo da prática dos fatos delituosos o paciente integrava o quadro societário da empresa e por ora nada infirmando sua responsabilidade pelo fato em tese criminoso, que manifestamente só poderá ser avaliada em contraste com todos os resultados de apuração proporcionados pela instrução criminal, afasta-se a alegada falta de justa causa para a ação penal. - Ordem denegada”. (TRF da 3ª Região. HC 16792. Processo: 200403000139765. Rel: Juiz Peixoto Junior).
Entendimento do Tribunal Regional Federal da 4ª Região:
“HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL. FALTA DE RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIARIAS DESCONTADAS DOS EMPREGADOS. ATIPICIDADE DA CONDUTA. RECONHECIMENTO UNICAMENTE EM RELAÇÃO A UMDO SOCIOS. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA”. (TRF da 4ª Região. Processo: 9404462020. Rel: Juiz Federal Volkmer de Castilho).
Entendimento do Tribunal Regional Federal da 5ª Região:
“PROCESSUAL PENAL. "HABEAS CORPUS". TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. AUSÊNCIA DE DOLO ESPECÍFICO. FALTA DE JUSTA CAUSA PARA O PROSSEGUIMENTO DA PERSECUÇÃO CRIMINAL. CONCESSÃO DA ORDEM. (TRF da 5ª Região. HC 2050/PB. Número do Processo: 2004.05.00.039238-4. Rel: Desembargador Federal Geraldo Apoliano)
Concluindo a análise sobre o sujeito ativo do delito, a tendência apontada pela jurisprudência é que um conjunto mínimo de indícios seja exigido para que a denúncia contra os sócios não seja julgada inepta. Dessa forma, estar-se-ia garantido ao denunciado o exercício do direito de ampla defesa.
Ressalte-se que a evolução mencionada acima não foi contínua. A marcha do Direito não é um movimento retilíneo, mas um caminho tortuoso, em que não existem certezas, mas tendências. E a tendência atualmente expressa pela jurisprudência é pela possibilidade da ação penal originada de uma denúncia inepta ser trancada pela via do HC.
Importante também observar que a inépcia da denúncia deve ser alegada até a sentença penal condenatória, nunca em sede de apelação. Afinal, proferida a sentença, é essa, e não a denúncia, que deverá ser atacada:
STF: “A alegação de inépcia, por não ter sido oportunamente suscitada, encontra-se superada pela superveniência da sentença penal condenatória”. (JSTF 195/385)
Com o estudo acerca do sujeito ativo do delito encerramos o nosso estudo sobre o tipo previsto no artigo 168-A do Código Penal. Todavia, entendemos ser ainda importante trazer uma breve discussão jurisprudencial que envolve a culpabilidade nesses delitos.
Parte da jurisprudência admite que, se o responsável pela arrecadação provar que a empresa não repassou as verbas à Previdência Social em virtude de dificuldades financeiras inarredáveis, a conduta perpetrada pelo agente não constituiria crime, visto que lhe seria inexigível conduta diversa. No entanto, tais dificuldades financeiras, além de serem muito graves, teriam de estar cabalmente comprovadas nos autos. São vários os acórdãos nesse sentido.
Veja alguns exemplos:
TRF da 1ª Região: “PENAL - NÃO RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA DESCONTADA DE EMPREGADOS - ART. 95, ALÍNEA 'D', DA LEI 8.212/91 - EMPRESA PÚBLICA ESTADUAL - INEXIGIBILIDADE DE OUTRA CONDUTA DE SEUS DIRETORES - EXCLUSÃO DE CULPA - ABSOLVIÇÃO. 1. Embora comprovada a materialidade da conduta delituosa imputada aos Réus, não podem eles ser responsabilizados, eis que a empresa da qual eram diretores pertencia ao Governo Estadual e dependia do repasse de recursos para pagamento de seus compromissos financeiros. 2. Como o Governo do Estado somente repassava o valor suficiente para o pagamento do valor líquido dos salários, evidente a ocorrência de causa supralegal de exclusão da culpa e, via de conseqüência, do próprio crime.3. Apelação a que se dá provimento”. (TRF da 1ª Região. ACR 1997.01.00.016299-5. Juiz Osmar Tognolo)
TRF da 3ª Região: “Admite-se a absolvição, pela aplicação do princípio da inexigibilidade de conduta diversa, o agente que deixa de repassar, à autarquia previdenciária as contribuições descontadas dos salários de seus empregados, quando verificada através dos dados coligados na instrução probatória a penúria do microempresário, face à grave crise financeira, causada por atos e fatos alheios à sua vontade, compelindo-o a abster-se do compromisso fiscal a fim de poder honrar os seus encargos para com os funcionários”. (RT 744/696-7)
Outra corrente jurisprudencial, entretanto, não admite essa excludente de culpabilidade. Defendem que o delito do artigo 168-A é omissivo próprio, se consumando pelo mero não repasse das verbas à Previdência. Logo, não haveria que se indagar a respeito da culpabilidade para a configuração do delito.
“O não recolhimento das contribuições previdenciárias descontadas dos salários dos empregados é crime omissivo próprio cuja consumação ocorre com o descumprimento do dever de agir determinado pela norma legal”. (TRF da 3ª Região. Processo: 200061140022315. Juíza Cecília Melo)
Coadunamos com o entendimento exposto pela primeira corrente, visto que o fato de um delito ser omissivo próprio, por si só, não implica na impossibilidade de reconhecimento da excludente de culpabilidade em questão. Exemplo disso ocorre com o delito de omissão de socorro. Nesse crime omissivo próprio, a jurisprudência já reconheceu a inexigibilidade de conduta diversa, não havendo qualquer óbice para que essa excludente seja reconhecida no caso do artigo 168-A do CP.
TACRSP: “O agente da infração prevista no artigo do Código Penal se livra de culpa, se comprova ter deixado de prestar socorro à vítima que atropelou para não correr risco pessoal”. (RT 497/337).
O crime de apropriação indébita previdenciária já há muito está previsto na legislação brasileira (desde o Decreto-Lei 65/1937).
Contudo, como foi estudado, várias são as controvérsias que sempre se formaram acerca do tema. Atualmente, diante da enorme importância que vem adquirindo a Previdência Social, vez que o Brasil vem se tornando um país com um número considerável de idosos, o crime de apropriação indébita previdenciária vem adquirindo uma gravidade cada vez maior. Por isso mesmo, aqueles que fraudam a Previdência devem restituir aos cofres públicos os valores devidos, sem prejuízo de eventuais sanções penais.
Porém, a necessidade de punição não deve se sobrepor aos direitos constitucionalmente assegurados aos cidadãos.
A denúncia dos sócios nas penas do artigo 168-A deve ser fundamentada de tal maneira que seja permitido aos mesmos exercer seus direitos fundamentais do contraditório e da ampla defesa.
Caso contrário, o processo não deverá sequer se desenvolver na direção de uma sentença de mérito, urgindo ser trancado pela via do habeas corpus.
Comentários e Opiniões
1) O. Mazi (28/12/2009 às 12:14:26) seu trabalho permite aos advogados que não atuam na esteira do direito tributario ter elementos para elaborar um recurso de apelação, muito bom, continue assim prestando esses serviços aos advogados, parabens | |
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