A morte do garoto João Hélio Fernandes, de 6 anos, no Rio de Janeiro, arrastado preso ao cinto de segurança do carro de sua família após um roubo, reacendeu no Brasil a discussão sobre a maioridade penal.
Nos próximos meses, o Congresso Nacional deverá analisar uma proposta de redução da imputabilidade penal, que hoje é de 18 anos, para 16 anos. A mídia vem mostrando frequentemente que a população brasileira, amedrontada pela violência, está se manifestando, de maneira geral, de forma favorável à diminuição. Por conseguinte, muitos políticos, ávidos por conquistar a simpatia popular, que se traduz em votos, acabam por levantar a bandeira da mudança da maioridade penal como suposto meio de combate à criminalidade.
Em outras palavras, vários setores da sociedade, chocados com crimes violentos, amplamente divulgados pela imprensa, apóiam a redução da imputabilidade penal, como se tal medida fosse suficiente para diminuir a criminalidade e, em especial, a criminalidade violenta.
Seguindo essa tendência, recentemente, na data de 14/02/07, o respeitado e confiável jornal Estado de Minas veiculou matéria intitulada “Adolescência Violenta”, na qual são trazidos dados fornecidos pela Diretoria de Estatística Criminal da Coordenação Geral de Segurança Pública da Polícia Civil, referentes à criminalidade na cidade de Belo Horizonte e no estado de Minas Gerais. Tais dados constatavam, por exemplo, que o número de homicídios praticados por menores infratores na cidade de Belo Horizonte chegou a 146 no ano de 2004. Já no ano de 2006, houve uma pequena redução, totalizando 126 ocorrências.
Ocorre, data venia, que não se pode analisar os dados fornecidos pela Polícia Civil de forma descontextualizada, separada da realidade da cidade como um todo. Ou seja, constitui um equívoco considerar os adolescentes como violentos analisando apenas números absolutos, e de forma isolada, e não em relação percentual com a quantidade de crimes totais ocorridos na área pesquisada. Para que um juízo de valor seja proferido a partir de um banco de dados, deve-se fazer uma pesquisa profunda, envolvendo as inúmeras variáveis que podem interferir no processo.
Em suma, todo cuidado é pouco quando estão sendo analisados dados indicativos de criminalidade. Análises isoladas podem levar a conclusões equivocadas.
Para exemplificar, citaremos uma passagem do livro "Prisões da Miséria", de Loic Wacquant. Nessa obra, o autor lembra que na França, no ano de 1998, a imprensa do país divulgou certos números, de acordo com os quais a criminalidade no país havia crescido mais que 3% em relação ao ano anterior. A divulgação referente ao aumento da criminalidade foi feita em tom de alarde, como se a violência houvesse saído completamente da esfera de controle do Estado.
Entretanto, lembra o referido autor que no ano de 1998 foi disputada na França a Copa do Mundo de Futebol. O país recebeu uma verdadeira invasão de turistas, vindos de todas as partes do mundo. As festas, as comemorações, o excesso de bebida e os choques culturais acabaram sendo responsáveis pelo aumento no número de pequenos delitos, como brigas, embriaguez ao volante e danos ao patrimônio. Ou seja, realmente houve um aumento da criminalidade, mas não porque a violência estava fora de controle. Tratou-se de uma variação decorrente de um evento peculiar, e que de forma alguma poderia colocar o país no estado de “alerta vermelho” pregado pela imprensa.
Assim, vê-se que os dados devem ser analisados com cuidado, para que não se chegue a conclusões equivocadas. No caso dos homicídios ocorridos em Belo Horizonte, importante que seja perquirido o número total de homicídios praticados na capital mineira nos períodos estudados. Dessa forma, pode-se chegar a uma conclusão acerca do volume real de participação de adolescentes em crimes violentos como um todo. Somente a partir de então será possível definir se os mesmos constituem ou não ameaças à sociedade.
E, na hipótese, percebe-se que a realidade não é aquela retratada na manchete do jornal. Segundo dados do site Conjuntura Criminal, o número de homicídios ocorridos em Belo Horizonte, no ano de 2004, chegou a 3.000, em valores absolutos. No ano de 2006, as mortes foram reduzidas para 2.800. Ora, se forem consideradas as cifras divulgadas pelo jornal Estado de Minas, ter-se-á que a participação de jovens em homicídios em 2004 representa apenas 4,86% do total. Em 2006, tal índice é de 4,5%.
Conclui-se, portanto, que, considerando os percentuais acima, não existe uma adolescência violenta em Belo Horizonte, como fora publicado. Inclusive, não se trata de uma realidade que se restringe à capital mineira. Gevan de Almeida, ex-promotor de justiça no Rio de Janeiro, e ex-professor da Universidade Federal Fluminense, em sua obra "O Crime Nosso de Cada Dia", salienta que os menores de 18 anos, embora representem quase metade da população brasileira, praticam apenas 10 % dos crimes, sendo a maioria sem o emprego de violência.
Por certo, um crime bárbaro como o ocorrido no Rio de Janeiro tem o condão de fazer renascer o debate sobre a maioridade penal. Contudo, com se demonstrou através dos argumentos tecidos acima, o fato em questão não constitui uma regra, mas um fato atípico, incomum. Existem adolescentes violentos, mas falar de uma adolescência violenta é dar a um problema grave uma dimensão demasiadamente indevida.
Mais que isso, a sociedade deve se perguntar qual a efetividade que a redução da menoridade penal pode ter em termos de controle da criminalidade. Em outras palavras, a maioridade penal de 18 anos constitui um estímulo à criminalidade?
Esta Coordenadoria entende que não. As Ciências Sociais, que estudam as causas do crime, já há muito definiram que a maioridade penal não está ligada ao controle de criminalidade. Ainda que a imputabilidade fosse reduzida para 16 anos, não haveria qualquer modificação nos índices de controle da violência. De acordo com cientistas da UFMG, são fatores considerados criminógenos:
* forte associação com desvantagens concentradas;
* residências com baixo status sócio-econômico;
* heterogeneidade étnica;
* densidade populacional;
* lares extremamente densos;
* grande número de mulheres divorciadas e chefes de família.
Como se vê, o problema da criminalidade está ligado à desorganização social, à má distribuição de renda, à falta de políticas públicas efetivas, capazes de produzir crescimento e emprego para o país. Diminuir a maioridade penal constitui uma medida que em nada alterará o panorama da violência no Brasil, e que, ainda, poderá causar um efeito colateral perverso: fazer com que os menores adentrem o mundo do crime cada vez mais cedo.
Portanto, respondendo à pergunta que motiva o artigo, esta Coordenadoria entende que a maioridade penal não deve ser diminuída.