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Dou- te meus Olhos e a Violência de Gênero


Autoria:

Heloisa Helena Quaresma


Heloisa Helena Quaresma - Advogada, colaboradora na Defensoria Pública do Estado de São Paulo,pós-graduada em Direito Processual Penal e Direito Penal

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Texto enviado ao JurisWay em 10/03/2013.

Última edição/atualização em 12/03/2013.



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Direção de Icíar Bollain

 

Maria Carolina Traete Salviano de Paula[1]

Heloisa Helena Quaresma[2]

 

Icíar Bollain com muita sensibilidade inseriu o seu filosófico bisturi numa relação matrimonial e desnudou a violência familiar. Em “Dou-te meus olhos”, lançado em 2003 a hábil cineasta espanhola trouxe as telas o amor e a desgastada convivência, que se transforma num inferno que assesta com duras pancadas a vida de Pilar (Laia Marull), uma mulher submissa e mãe de um rapaz que observa com olhos lastimosos as brigas dos seus pais.

 

Nos remete as lutas pessoais históricas e limites culturais que resumem as tentativas da mulher lidar com a violência que a cerca, sendo muitas vezes alvo de sanções e pesadas críticas sociais.

Sobretudo, nas relações de gênero, as desigualdades beneficiam o sexo masculino, com destaque especial, às relações conjugais, onde a mulher é tratada pelo homem como sua propriedade.

 

Na grande maioria dos casos de violência conjugal, a mulher sofre consequências físicas e psicológicas graves, em decorrência das diferenças simbólicas e biológicas.

 

A violência doméstica é perpetrada em um contexto cultural, econômico, político, social e, sobretudo afetivo. Nestes casos o afeto é tido como um sentimento rodeado de construções simbólicas onde a mulher figura como um ser subjugado aos caprichos do homem, tornando-se objeto masculino. Tal fato decorre do aniquilamento da autoestima suportado pela vítima.

 

Denota-se fenômenos como a humilhação, desqualificação, exposição a situações vexatórias, críticas destrutivas, desvalorização da mulher como mãe e amante, as formas de violência psicológicas que culminam com a violência física.

 

A vítima por sua vez, acredita ser um ser humano menor, que precisa do seu opressor para sobreviver, e assim vive envolta na teia que forma um círculo vicioso onde os homens humilham e agridem; as mulheres têm medo, vergonha e se sentem culpadas, os homens agem, as mulheres sentem.

 

Surge então uma relação de codependência entre vítima e opressor, onde a violência passa a ser um ingrediente emocional para a mulher, cuja função passa a ser a negociação de sua sobrevivência, e reclama um ato de violência de seu companheiro unicamente para reiterar seu sentimento de estar viva.

 

Apesar dos golpes e das humilhações que tem de suportar do seu marido, Pilar continua a acreditar na perenidade da paixão que a uniu a Antonio (Luis Tosar), esse homem ciumento e brutal a quem a realidade não consegue apaziguar a sua consciência alterada nem mudar o escondido fantasma permanentemente oculto e espreitador nos mais recônditos vincos da alma e da consciência do homem.

 

Num dos jogos românticos do casal, Pilar diz: “te dou meu corpo, meu sexo, minha boca, minhas orelhas, meu nariz, meus olhos". Parece uma brincadeira inocente, mas se transforma numa armadilha na qual os dois se veem enredados.

 

As pequenas luzes de esperança dela estão centradas num futuro distinto, na sua atração pelas obras de arte e no seu filho sempre disposto ao silêncio e à reunião. O início da história, quando Pilar decide, cansada e humilhada, deixar o seu lar para ir morar na casa da sua irmã, é também o início do seu dilacerante caminho para o abismo.

 

Este filme tem o mérito de nos mostrar o pior e mais difícil lado deste processo, o psicológico. A perda da autoestima, da individualidade e da liberdade (de pensar, de sentir), em que o amor (ou a única forma que se consegue identificar como tal) justifica todos os sacrifícios e tentativas, onde se perde a noção da profundidade do poço em que se caiu e só se ouve o eco que insiste em repetir que aquilo é o melhor que se pode ter.

 

Como diz a personagem de Rosa María Sardá: “Uma mulher nunca está melhor sozinha”.

 

“Dou-te os Meus Olhos”, afronta com valentia, situações lamentavelmente cotidianas não desde a abstração ou a generalização, mas desde a exposição de um caso concreto que, entre contradições e incoerências, vai discorrendo os negros cortinados da vítima e do agressor sem cair nunca na ambiguidade moral. O relato entronca-se fundamentalmente com o amor. Amor este que todo o homem ou mulher pressente como perfeito e perene, mas que esconde, às vezes, as angústias daqueles que o padecem entre o martírio e o perdão.

 

Para Alessandra Campos Morato, Promotora de Justiça do MPDFT e integrante do Núcleo de Gênero:

 

“A Lei nº 11.340/2006 (Maria da Penha), um marco na questão de gênero no país, ainda luta por reconhecimento. A violência doméstica ganhou visibilidade, mas o Judiciário está dividido. Uns defendem que a mulher deve autorizar o processo criminal e outros defendem que essa autorização não é necessária. Fala-se em inconstitucionalidade e o STF deve, em breve, dar o veredicto. A lei prevê uma atenção integral, mas os debates giram sobre seu aspecto criminal, desviando a atenção de todos do descaso na implementação dos serviços de apoio jurídico e psicossocial, geração de renda e inclusão curricular das questões de gênero. Dou-te os meus olhos, minha boca e meus ouvidos. Diz-me: se, ao ter meu corpo marcado, eu tenho condições de decidir se quem me agride será ou não processado criminalmente. Guia-me porque não posso ver, fala por mim porque não posso falar. Enreda-me nessa armadilha em espiral, da qual nenhum de nós sairá ileso”.

 

Icíar Bollain arrisca um porfiado inconformismo que a leva a aproximar-se a uma perspicácia quase documental através de uma visão integradora e aberta a uma história que vai ganhando em tensão e atenção.

 

“Dou-te os Meus Olhos”, que não por acaso ganhou o prêmio Goya é um filme imperdível que pode magoar, mas, fundamentalmente, que obriga a relembrar.

 

 

MARIA CAROLINA TRAETE SALVIANO DE PAULA. Advogada Criminalista. Professora. Pós-graduada em Direito Penal e Processo Penal pela ESMPSC. Pós-graduada em Direito Tributário pelo IBET.

 

HELOISA HELENA QUARESMA. Advogada na Defensoria Pública do Estado de São Paulo. Especialização em Direito Processual Penal pelo Instituto Brasiliense de Direito Público do Distrito Federal - IDP. Pós-graduada em Direito Penal pelo Instituto dos Magistrados do Distrito Federal - IMAG.

 

 

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