A atuação do Supremo Tribunal Federal tem atraído a atenção de toda a sociedade. São vários os casos de grande importância e repercussão que colaboram para ratificar e fomentar a legitimação que lhe fôra outorgada pela Constituição Federal de 1988, mormente considerando que as decisões são visivelmente pautadas pela razoabilidade e proporcionalidade esperadas da mais alta Corte deste país.
Com tamanha exposição dos julgamentos do Supremo Tribunal Federal, que atualmente são até transmitidos ao vivo pela televisão (Canal 7 – TV Justiça), e tendo esse tribunal a missão primordial de guarda da Constituição Federal, ganha importância o estudo acerca dos métodos de interpretação das “
cláusulas plurissignificativas e axiologicamente abertas que integram a parte dogmática das Constituições”
[i], pois são essas normas que efetivamente demandam critérios próprios de interpretação
[ii].
Mas a importância do estudo da interpretação constitucional não se limita à análise dos casos julgados pelo Supremo, pois a partir do reconhecimento da força normativa
[iii] da Constituição Federal de 1988, essa passou a ser a “
lente através da qual se lêem e se interpretam todas as normas infraconstitucionais”
[iv], dando novo sentido e alcance ao direito civil, ao direito processual, ao direito penal e a todos os demais ramos jurídicos, conforme ensina Luís Roberto Barroso e Ana Paula de Barcellos
[v].
Importante lembrar que não existe um método ideal, ou “correto”, de interpretação, pois qualquer um que tenha “
seu eixo no valor justiça”
[vi] e que leve a um resultado pautado em critérios de racionalidade, é digno de ser utilizado, porque estará em consonância com a jurisprudência constitucional produzida após a Carta Magna de 1988 que deu densidade jurídica ao Princípio Maior da Dignidade da Pessoa Humana a ponto de o mesmo iluminar inclusive a interpretação da lei ordinária e servir como fundamento de decisões judiciais
[vii].
Ressalve-se que os métodos de interpretação constitucional não são mutuamente excludentes e não levam obrigatoriamente a resultados divergentes porque, ao analisarmos cada um deles, perceberemos que apesar de serem fundados em critérios filosóficos, metodológicos e epistemológicos diferentes, em geral, são complementares, mormente em vista do caráter unitário da atividade interpretativa
[viii].
Pondere-se também que, não sendo possível ao intérprete agir desapossado das características que o tornam singular, humano, ou seja, de suas intuições, de sua pré-compreensão, a variada gama de métodos de interpretação da Constituição lhe dá liberdade na medida em que lhe possibilita escolher o que mais se amolda ao objetivo que já fez realidade dentro de si, intuitivamente, quando se deparou com o problema ou questionamento proposto, pois, nas palavras do professor Celso Ribeiro Bastos, “
a interpretação é uma escolha entre múltiplas opções”
[ix].
Feitas essas anotações, passamos a discorrer brevemente acerca dos métodos utilizados para, citando as palavras de J.J. Gomes Canotilho, “
compreender, investigar e mediatizar o conteúdo semântico dos enunciados lingüísticos que formam o texto constitucional”
[x]. Para tanto, pedimos vênia para utilizar os nomes e a seqüência utilizada pelo professor Inocêncio Mártires Coelho
[xi].
a) Método jurídico ou hermenêutico-clássico:
Como o próprio nome sugere, trata-se da tradicional técnica que parte do pressuposto de que a Constituição Federal é, antes de tudo, uma lei e como tal deve ser interpretada, buscando-se descobrir sua verdadeira intenção (mens legis) a partir de elementos históricos, gramaticais, finalísticos e lógicos.
b) Método tópico-problemático:
Partindo do reconhecimento do caráter de multiplicidade axiológica que reveste as normas constitucionais, esse método reconhece que a melhor interpretação das Cartas Constitucionais é a que se faz quando se procura soluções para casos tópicos, partindo do problema para encontrar o significado da norma.
c) Método hermenêutico-concretizador:
Segundo Amandino Teixeira Nunes Júnior
[xii], a norma a ser concretizada, a compreensão prévia do intérprete e o problema concreto a ser solucionado são os elementos essenciais desse método. O significado total da norma somente será alcançado no procedimento de interpretação tendente a aplicá-la, pois, segundo Konrad Hesse, trata-se de um processo unitário
[xiii].
d) Método integrativo ou científico-espiritual:
Foi Rudolf Smend, jurista alemão, quem liderou o desenvolvimento desse método, dizendo que a Constituição deve ser mais que um mero instrumento de organização do Estado
[xiv], nela deve conter valores econômicos, sociais, políticos e culturais a serem integrados e aplicados à vida dos cidadãos
[xv] como ferramenta de absorção e superação de conflitos
[xvi], e de desenvolvimento da sociedade.
e) Método normativo-estruturante:
Seguindo as idéias de Canotilho
[xvii], o texto normativo revela apenas um feixe inicial do que realmente significa aquele comando jurídico, ou seja, a norma não se restringe ao texto, e para sua satisfatória descoberta é necessária uma busca ampla sobre as facetas administrativas, legislativas e jurisdicionais do Direito Constitucional
[xviii], a partir do que se poderá utilizá-la, aplicando-a ao caso concreto.
f) Método da comparação constitucional:
Propõe a comparação entre os diversos textos constitucionais visando a descoberta de pontos de divergências e convergências. Pode ter sua utilidade na formação de um complexo de informações capazes de atuar no que o Prof. Inocêncio Mártires chama de “pré-compreensão” ou “intuições pessoais”
[xix] inerentes a cada intérprete. Sua classificação como método autônomo de interpretação constitucional é criticada por não se fundar em premissas ou critérios filosóficos, epistemológicos e metodológicos
[xx] próprios.
Enfim, percebe-se que apesar de variados os métodos, sejam eles clássicos ou modernos, de interpretação constitucional, continua irretocável a observação do Professor Inocêncio Mártires de que servem como instrumento de liberdade ao Julgador, que continua com a difícil missão de concretizar normas plurissignificativas e axiologicamente abertas. Assim, apesar de alguns métodos serem engenhosamente desenhados, não conseguem afastar a incidência do feixe de valores pessoais do intérprete ao caso a ser decidido, o qual, ao contrário, passa a dispor de uma variada gama de métodos com os quais poderá fundamentar e legitimar sua decisão.
* Henrique Lima.
Advogado, sócio do escritório Lima, Pegolo & Brito Advocacia, Especialista em Direito Civil e Processual Civil pela Uniderp e Pós-Graduando em Direito Constitucional pela Unisul/IDP – Instituto Brasiliense de Direito Público.
[i] COELHO, Inocêncio Mártires. Métodos e princípios da interpretação constitucional. Os limites da interpretação constitucional e as chamadas mutações da Constituição. Material da 3ª aula da Disciplina Teoria da Constituição e Hermenêutica Constitucional, ministrada no Curso de Especialização Telepresencial e Virtual em Direito Constitucional – UNISUL – IDP – REDE LFG.
[ii] COELHO, Inocêncio Mártires. Interpretação Constitucional. Porto Alegre, Sérgio A. Fabris Editor, 1997, pag. 27.
[iii] Sobre a força normativa da constituição v. HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Porto Alegre: Sérgio A. Fabris Editor, 1991, e SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998.
[iv] A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas / Luís Roberto Barroso (organizador) – 2ª ed. revista e atualizada – Rio de Janeiro: Renovar, 2006, página 329.
[v] BARROSO, Luís Roberto, op. cit., pag. 329.
[vi] COELHO, Inocêncio Mártires. op. cit., pag. 2.
[vii] BARROSO, Luís Roberto, op. cit., pag. 377.
[viii] COELHO, Inocêncio Mártires. op. cit. pag. 2.
[x] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. Coimbra, Almedina, 1993, pag. 208.
[xi] COELHO, Inocêncio Mártires, op. cit. pag. 3.
[xiii] HESSE, Konrad. A força normativa da constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre, Ségio Antônio Fabris Editor, 1991, pag. 22.
[xiv] SMEND, Rudolf, apud. ENTERRÍA. Eduardo Garcia de. Hermenêutica e supremacia constitucional. RDP, v. 77, N. 19, jan/mar/1986, pag. 36-37, apud. NUNES JÚNIOR, Amandino Teixeira. A moderna interpretação constitucional. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 60, nov. 2002. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3497. Acesso em: 10 set. 2007.
[xv] NUNES JÚNIOR, Amandino Teixeira. Op.cit.
[xvi] COELHO, Inocêncio Mártires. op. cit. pag. 5.
[xvii] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. Coimbra, Almedina, 1993;
[xix] COELHO, Inocêncio Mártires. op. cit. pag. 2.
[xx] COELHO, Inocêncio Mártires. “Constitucionalidade/inconstitucionalidade: uma questão política?”, Revista Jurídica Virtual nº 13, junho/2000, Presidência da República, Subchefia para Assuntos Jurídicos.