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A DISPENSABILIDADE DO INQUÉRITO POLICIAL NO DIREITO PROCESSUAL PENAL BRASILEIRO


Autoria:

Enilson Abreu De Matos


Escritório Profissional; Bacharelando em Direito; Pós-Graduado em Pocesso Civil ''Lato Sensu''.

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Resumo:

Analisa-se, no presente estudo, a possível dispensabilidade do inquérito policial à luz da legislação processual penal em vigor da doutrina e jurisprudência, detendo-se aos casos em que a legislação processual e especial prevê a dispensa do inquérito

Texto enviado ao JurisWay em 17/11/2009.



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INtRODUÇÃO

 

O inquérito policial, procedimento adotado pela polícia judiciária para realizar a apuração das infrações penais e suas respectivas autorias, vem sendo alvo de análises e críticas por parte dos profissionais e estudiosos da área jurídica. Existem correntes de opiniões que afirmam ser o inquérito policial procedimento causador de prejuízos à justiça criminal em razão da demora de sua conclusão e os mais severos cogitam a extinção do mesmo.

Diante dessas opiniões e tendo por pressuposto a importância e validade do inquérito policial, o presente estudo dedica-se a um estudo pormenorizado acerca da possível dispensabilidade do inquérito policial à luz da legislação processual penal em vigor. Busca-se identificar na pesquisa a validade do inquérito policial no que tange à realização da justiça na esfera criminal. 

Procura-se, por meio da presente pesquisa, analisar a validade do inquérito policial e sua possível dispensabilidade, bem como verificar a possibilidade da existência de métodos alternativos que possam vir a substituir o instrumento em análise. Primeiramente, avaliar-se-á a necessidade do inquérito policial para dar início à ação penal ou a possibilidade da não utilização desse procedimento. Logo após, analisar-se-á o inquérito policial em sua essência e os institutos similares que possibilitem a dispensabilidade do inquérito, detectando as razões pelas quais o citado instrumento é empregado e de que maneira e intensidade delineia-se sua importância no quadro geral da ação penal.

Tais objetivos são materializados no presente por meio da divisão dos assuntos no quais se caracteriza o inquérito polícial, apresentando conceito, características, finalidade e natureza jurídica do mesmo no âmbito do processo penal e tendo como referenciais o sistema processual penal em vigor e a atividade de persecução penal.

O valor do inquérito polícial é verificado em seu caráter administrativo, informativo e probatório para, de posse de todas essas informações, analisar com precisão a possível dispensabilidade de tal instrumento no que tange à ação penal e seus desdobramentos.

O presente estudo erigiu-se a partir de pesquisa bibliográfica, a linha teórica abordada foi bastante diversificada com consulta a vários doutrinadores da área processual penal. Acrescentou-se a essa pesquisa a análise de diplomas legais como a Constituição da República de 1988 e o Código de Processo Penal (Decreto-Lei nº 3.689/41), legislação complementar, além de pesquisas a julgados relacionados ao assunto abordado.

Os métodos de abordagem adotados foram o indutivo e o dedutivo e o método de procedimento foi o comparativo.

Entendendo que o inquérito policial não é a rigor indispensável para a propositura da ação penal, uma vez que o próprio Código de Processo Penal prevê em vários de seus dispositivos a dispensabilidade do mesmo e tal posicionamento é reiterado na legislação especial, o presente trabalho evidencia que o inquérito policial configura instrumento válido, mas não essencial. Inclusiva há procedimentos semelhantes ao mesmo e que igualmente servem como peças de informação aptos a fundamentar a propositura da ação penal e são legalmente previstos.

A pesquisa empreendida reveste-se de importância em virtude da atualidade e profundidade do tema, uma vez que há que se perquirir não apenas acerca da hipótese da dispensabilidade do inquérito policial, mas em quais casos é recomendável e, em que medida acarreta prejuízo irreversível ao processo. Tal matéria mostra-se de grande valia para a sociedade brasileira no que tange à persecução penal, interesse de todos no que permite à proteção dos bens juridicamente tutelados.

Abordar a questão da dispensabilidade do inquérito policial implica avaliar de maneira incisiva seu valor e validade no quadro geral de relações do processo penal e seus efeitos na sociedade na qual está inserido.

 

1. INQUÉRITO POLÍCIAL

 

1.1 Conceito

 

            Inicialmente, cabe definir o objeto em estudo, firmando entendimento acerca do conceito de inquérito policial. O termo conceito tem como significado a tarefa, efetuada pelo pensamento, de representação de um objeto, por via de suas principais características[1].

 

A doutrina jurídica pátria apresenta diversos conceitos de inquérito policial. Para efeito de exemplificação, citar-se-ão as definições emanadas pelos principais doutrinadores brasileiros na atualidade.

 

Fernando da Costa Tourinho Filho define inquérito policial como sendo “o conjunto de diligências realizadas pela Polícia Judiciária para a apuração de uma infração penal e sua autoria, a fim de que o titular da ação penal possa ingressar em juízo” [2]. No conceito de Júlio Fabbrini Mirabete, “inquérito policial é todo procedimento policial destinado a reunir os elementos necessários à apuração de uma infração penal e de sua autoria” [3].

 

Outrossim, vale constar a definição proposta por dicionaristas jurídicos pátrios. Maria Helena Diniz, em seu dicionário, assim conceitua o inquérito policial:

 

INQUÉRITO POLÍCIAL. Direito Processual Penal. 1.Peça inicial para o procedimento da ação penal. 2.Conjunto de diligências efetuadas pela autoridade policial, imprescindíveis para descobrir a verdade sobre o fato criminoso, suas circunstâncias e seu autor, e para apurar a responsabilidade do indiciado. É no inquérito policial que se pode colher dados que seriam difíceis de obter na instrução judiciária.[4]

 

 

            De Plácido e Silva, eminente dicionarista jurídico, não define diretamente o inquérito policial, referindo-se a este apenas ao conceituar o termo “inquérito”.                                                                                                                                                                                                                                                                              Comentando sobre o inquérito policial, expressa que “em matéria de crime, o inquérito, que se diz     policial, constitui a peça inicial para o procedimento da ação penal” [5].

 

            A partir dos conceitos expostos, evidente é o objetivo do inquérito policial no que tange ao esclarecimento dos fatos a serem verificados na ação penal, desde autoria, materialidade e como se deu o delito no que tange à conduta de agente e vítima. Sua função é de esclarecer, desvendar o delito e sua prática.

 

Visto, de modo panorâmico, o conceito de inquérito policial, abordar-se-á as características desse ente jurídico.

 

1.2  Características do Inquérito Policial

 

Os doutrinadores do Direito Processual Penal brasileiro atribuem, praticamente, as mesmas características ao inquérito policial.

 

Fernando Capez considera o inquérito policial um procedimento escrito, sigiloso e inquisitivo, revestido, ainda, das características de oficialidade, oficiosidade, autoritariedade e indisponibilidade [6]. Na lição de Fernando da Costa Tourinho Filho, o inquérito policial é escrito, sigiloso e inquisitivo [7]. Consoante o ensinamento de Julio Fabbrini Mirabete, é o inquérito policial escrito, sigiloso e indisponível [8].

 

O Código de Processo Penal, no art. 9º, determina que, in verbis, “todas as peças do inquérito policial serão, num só processado, reduzidas a escrito ou datilografadas e, neste caso, rubricadas pela autoridade” [9]. Portanto, o inquérito policial é procedimento que deve ser materializado, isto é, com seus atos reduzidos a termo. A doutrina, de forma unânime, ensina que o inquérito policial é procedimento escrito.

 

A exigência de ser o inquérito policial um procedimento escrito decorre de seu fim, qual seja o de colher informações, registrá-las e encaminhá-las ao destinatário legal, o titular da ação penal, para conferir fundamento fático à propositura da ação penal. Nesse sentido é a lição da doutrina, que afirma, ainda, ser inconcebível o inquérito policial oralmente desenvolvido[10].

 

O sigilo do inquérito policial é determinação contida no Código de Processo Penal que, no art. 20, dispõe, in verbis, “a autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade [11].

 

A imposição do sigilo no inquérito policial decorre da necessidade de se preservar tanto a realização de diligências, como os resultados obtidos pela atividade de investigação, de forma que o sigilo é importante para evitar obstáculos que, por representar interferências no âmbito das provas e das testemunhas, impeçam ou dificultem a obtenção de informações. Assim, a publicidade das atividades de investigação pode comprometer, de maneira específica, a elucidação da infração penal e da respectiva autoria e, de modo geral, a investigação desenvolvida pela polícia.

 

Embora o sigilo seja um imperativo ao bom desempenho das atividades investigativas desempenhadas pela polícia judiciária, há dispositivos legais que comprometem o caráter reservado do inquérito policial. A Constituição de 1988 determina, in verbis:

 

XXXIII – todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestados no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo sejam imprescindível à segurança e do Estado. [12]

 

Além da garantia constitucional do acesso à informação com ressalva unicamente para os casos de preservação da segurança da sociedade e do Estado, há o Estatuto da Advocacia, Lei nº 8.906/94, que, no art. 7º XIV, assegura ser direito do advogado “examinar em qualquer repartição policial, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de inquérito, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos” [13].

 

Em face dessas disposições, há doutrinadores descrentes da continuidade do sigilo como característica do inquérito policial. Como exemplo, Fernando da Costa Tourinho Filho entende que, na prática, não há mais sigilo para o inquérito policial e que, do ponto de vista técnico, não se deve mais tratar o inquérito policial como procedimento sigiloso[14].

 

A oficialidade diz respeito ao fato de ser o inquérito policial um procedimento efetuado, exclusivamente, por órgãos do poder público, isto é, pelas polícias judiciárias, ficando defeso ao particular, mesmo nos crimes de ação penal privada [15]. 

 

A oficiosidade é referente ao fato do inquérito policial ser um procedimento instaurado, regra geral, de oficio, isto é, independentemente de provocação, assim como é de instauração compulsória, a partir da noticia da infração penal, por força do art. 5º, I do Código de Processo Penal, exceto nos casos de infrações penais de ação penal pública condicionada e de ação penal privada, consoante o art. 5º, §§ 4º e 5º do Código de Processo Penal [16].

 

A autoridade indica que o inquérito policial é procedimento dirigido, presidido, por uma autoridade do Poder Público, qual seja, o Delegado de Polícia. Tal característica decorre, inclusive, do mandamento constitucional contido no art. 144, § 4º, da Constituição Federal de 1988 [17].

 

A indisponibilidade representa a impossibilidade de a autoridade policial dispor do inquérito, isto é, de arquivá-lo, após sua instauração. A indisponibilidade está expressa no Código de Processo Penal que, no art. 17, dispõe, in verbis, “a autoridade policial não poderá mandar arquivar autos de inquérito” [18].

 

O inquérito policial reveste-se, ainda, de um caráter de discricionariedade. Não que essa característica lhe seja própria, mas, pelo contrário, é extrínseca e decorre do modo como é desenvolvida a atividade de investigação pela polícia judiciária.

 

As atividades de polícia judiciária, no âmbito da apuração penal e da respectiva autoria, são discricionárias porque é conferida a mesma a liberdade de agir ou de não agir, ou ainda, de agir deste ou de outro modo, sempre no interior de limites determinados pelo ordenamento jurídico. Pois, caso a discricionariedade não siga os limites legais, passa-se a haver arbitrariedade.

 

Assim, a discricionariedade da atividade de polícia judiciária acaba por caracterizar o próprio inquérito policial. Esse entendimento fica mais claro na lição de Fernando da Costa Tourinho Filho, segundo o qual, a partir da instauração do inquérito policial, a autoridade competente, Delegado de Polícia, conduz o procedimento ao seu objetivo, sem que deva prestar obediência a qualquer rito legalmente estabelecido [19].

 

Por fim, o inquérito policial é inquisitivo. Esse caráter de inquisitoriedade decorre de outras características do procedimento policial investigativo, quais sejam da oficiosidade, da discricionariedade e do sigilo, bem como do fato de não ser aplicável o princípio do contraditório no âmbito do Inquérito Polícial.

 

1.2.1. Ausência do Contraditório no Inquérito Polícial

 

É válido tratar, com maior profundidade, o fato do principio do contraditório não ser aplicado no inquérito policial, pois decorrem relevantes conseqüências a serem analisadas em tópicos próximos deste trabalho.

 

O contraditório é garantia expressa na Constituição Federal de 1988, no art. 5º, LV, dispõe que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”[20].

 

A doutrina processualista penal é unânime em afirmar a inaplicabilidade do principio do contraditório no inquérito policial. Como exemplo, Julio Fabbrini Mirabete explica que a investigação presidida pela autoridade policial e a instrução criminal dirigida pelo magistrado são distintas, sendo que o próprio Código de Processo Penal expressa essa diferenciação ao dispor sobre a investigação e a instrução em momentos diversos, e, por assim ser, ao inquérito policial não são aplicados os princípios típicos do processo judicial [21].

 

Outrossim, há julgados que indicam no sentido de não ser aplicável o contraditório no procedimento policial investigativo. Veja-se a respeito o seguinte julgado, in verbis:

 

STF: A inaplicabilidade da garantia do contraditório ao procedimento de investigação policial tem sido reconhecida tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência dos Tribunais (RT 522/3969), cujo magistrado tem acentuado que a garantia da ampla defesa traduz elementos essencial e exclusivo da persecução penal em juízo (RT 689/439) [22].

 

 

1.3. Finalidades do Inquérito Policial

 

O inquérito policial apresenta duas finalidades básicas, isto é, destina-se a dois fins: a apuração da infração penal e da respectiva autoria e o embasamento da denúncia ou da queixa e, até mesmo, da sentença penal.

 

A primeira finalidade decorre do disposto no art. 4º, caput, do Código de Processo Penal, segundo o qual “a polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria” [23].

 

O art. 12 do Código de Processo Penal demonstra a segunda finalidade do inquérito policial, ao dispor que “o inquérito policial acompanhará a denúncia ou queixa, sempre que servir de base a uma ou outra” [24].

Então, o inquérito policial tem por fim o fato ilícito e sua autoria, com o objetivo de embasar a ação penal – entenda-se denúncia ou queixa-crime – bem como outras providências de natureza cautelar. Em outras palavras, o inquérito policial almeja a apuração da infração penal e sua autoria, para que o titular da ação penal – o Promotor de Justiça ou o ofendido – detenha elementos fáticos que lhe permitam ingressar com a denúncia ou a queixa-crime. Além de proporcionar o embasamento fático à propositura da ação penal, o inquérito policial, pode, outrossim, suprir o magistrado com elementos de prova.

 

Já visto o conceito, as características e a finalidade, abordar-se-á, a seguir, a questão da natureza jurídica do inquérito policial.

 

1.4. Natureza Jurídica do Inquérito Polícial

 

A natureza jurídica do inquérito policial será objeto de análise neste item. Inicialmente, é importante entender o que vem a ser a natureza jurídica de alguma coisa. A natureza jurídica pode ser definida como a “afinidade que um instituto jurídico tem, em diversos pontos, com uma grande categoria jurídica, podendo nela ser incluído a título de classificação” [25].

 

Com o objetivo de proporcionar uma abordagem objetiva e concisa, direcionar-se-á a problemática para a resposta da seguinte indagação: o inquérito policial é processo ou procedimento? Em outras palavras: o inquérito policial pertence à categoria jurídica dos processos ou à categoria jurídica dos procedimentos? Logo, é necessário confrontar a idéia de inquérito policial com as idéias de processo e de procedimento.

 

Júlio Fabbrini Mirabete conceitua processo da seguinte forma:

 

É o conjunto de atividades e formas, mediante as quais os órgãos competentes, preestabelecidos na lei, observando certos requisitos, promovem, julgando, a aplicação da lei penal em cada caso concreto, ou, a série de sucessão de atos que se realizam e desenvolvem no tempo, sujeitos a normas de procedimento, e através do qual se realiza a atividade jurisdicional, mediante o exercício pelo órgão jurisdicional penal de seus poderes, com o concurso das partes e terceiros na atividade cooperadora que ela requer. [26]

A partir desse conceito, verifica-se que o processo visa à aplicação da lei ao caso concreto, com a conseqüente realização da atividade jurisdicional. Por outro lado, o inquérito, presidido pela autoridade policial, tem por objetivo informar, indiretamente, a autoridade judiciária, para que esta aplique a lei. Logo, o inquérito policial serve como suporte fático de auxilio para a realização da atividade jurisdicional, mas não é meio de realização de tal atividade.

 

Ao definir processo, Leib Soibelman comenta que “o conceito de processo é finalístico: o processo tem sempre por finalidade obter uma decisão que ponha termo ao litígio, que resolva um conflito de interesses” [27]. Entretanto, o inquérito policial, ao contrário do processo, não tem por fim a obtenção de uma decisão que solucione um conflito de interesses. A autoridade policial, ao final, não exara uma sentença, que é uma decisão de mérito, mas apenas produz um relatório, que vem a ser simples exposição acerca daquilo que foi apurado no decorrer da atividade investigativa de polícia judiciária.

 

Na lição desse mesmo autor (Leib Soibelman), consta que processo é relação jurídica formada entre as partes interessadas no litígio e o Juiz de Direito, representante do Estado [28]. Entretanto, o inquérito policial não se constitui numa relação jurídica processual, entre partes e juiz, primeiro porque não há partes, mas somente indiciados, isto é, aqueles que respondem ao inquérito policial, e segundo porque não há presença da figura do magistrado, mas da autoridade policial, isto é, do Delegado de Polícia.

 

Carlos Ari Sundfeld, discorrendo acerca do conceito de processo, afirma:

 

Cada etapa do processo cumpre sua própria função, mas há ligação entre elas: servem logicamente como antecedentes e conseqüentes umas das outras. A seqüência de formalidade não é aleatória: há uma ordem a ser observada, um itinerário a seguir. Ademais, os vários passos são necessários: não se pode dar o segundo passo sem que o primeiro tenha sido cumprido. Assim, o processo é o encadeamento necessário e ordenado de eventos. (grifo) [29].

 

   O inquérito policial, no entanto, não se constitui nesse encadeamento necessário e ordenado de atos. Em virtude da discricionariedade, limitada pela lei, com que pode atuar a autoridade de polícia, determinando a realização das diligências conforme os rumos da investigação, não há uma seqüência de eventos ou um rito, previamente definidos, para o desenrolar do inquérito policial. Portanto, a partir da instauração do inquérito, a autoridade policial conduz o procedimento ao seu objetivo sem que deva prestar obediência a um rito legalmente estabelecido.

 

Conceituando procedimento, Leib Soibelman expressa:

 

PROCEDIMENTO. É a série dos atos que impulsionam o processo. Não se confunde com este, que é a relação jurídica que se estabelece entre as partes e o juiz: a relação jurídica processual. Para muitos autores não há processo senão na esfera jurisdicional, havendo apenas procedimentos na área da administração pública ou legislativa do Estado. O procedimento é o aspecto formal, o modus fciendi do processo, cujo elemento material seria a lide (mérito). (grifo)[30].

 

Exemplificando o que afirmou  na citação anterior, Leib Soibelman afirma:

 

Hoje distingue-se entre processo e procedimento: processo é o conjunto de atos que são dirigidos para a composição de um litígio, de um conflito de interesses; procedimento é o modo de praticar os atos do processo, a marcha dos atos processuais. O procedimento é a forma dos atos processuais e não é privativa do processo, pois na área da administração pública existem procedimentos os mais variados mas não há processo, porque a administração pública não tem por finalidade compor conflitos de interesses. O processo é o instrumento de que se vale o Estado para exercer a função jurisdicional, privativa do poder judiciário” (grifo).[31] 

 

 

Do exposto, verifica-se a idéia consoante a qual há processo senão no âmbito do Judiciário, porém admite-se a existência de procedimentos nas esferas do Executivo e do Legislativo. Logo, sendo o inquérito policial atividade típica da administração pública direta, pois desenvolvido pela polícia judiciária, é perfeitamente possível admiti-lo como procedimento, mas não é possível aceitá-lo como processo.

 

Ao diferenciar processo e procedimento, Cintra, Grinover e Dinamarco ensinam: “A noção de processo é essencialmente teleológica, porque ele se caracteriza por sua finalidade de exercício do poder (no caso, jurisdicional). A noção de procedimento é puramente formal, não passando da coordenação de atos que se sucedem (grifo)”. [32]

 

Assim, o inquérito policial não é processo, porque não visa ao exercício do poder jurisdicional, mas pode ser considerado como procedimento, pois constitui uma seqüência de atos ou ações que se sucedem.

 

Outrossim, a doutrina processualista penal pátria costuma classificar o inquérito policial de modo a enquadrá-lo na categoria jurídica dos procedimentos, excluindo a idéia de classificá-lo como processo[33].

 

Há julgados que classificam o inquérito polícial como procedimento e não como processo, in verbis: “O inquérito polícial é mera peça informativa destinada à formação da opinio delecti do Parquet, simples investigação criminal, de natureza inquisitiva, sem natureza de processo judicial [...], (STJ, 6º T., rel. Min. Pedro Acioli, in DJU, 18.04.1994, p. 8525)”.[34]

 

Veja-se, outrossim, como exemplo, o seguinte julgado, in verbis: “TACRSP: [...]. O inquérito polícial é mero procedimento informativo para o oferecimento da denúncia, não se incluindo entre os atos de jurisdição. [...] (RT 715/469)”. [35]

 

Do exposto, observa-se que o inquérito policial não guarda afinidade com a categoria jurídica dos processos, mas, sim, com a categoria jurídica dos procedimentos, tanto que é classificado como um procedimento administrativo. Portanto, o inquérito policial possui natureza jurídica de procedimento.


 2. INQUÉRITO POLÍCIAL E DIREITO PROCESSUAL PENAL BRASILEIRO

 

2.1. Sistema Processual Penal Brasileiro

 

A doutrina pátria ensina que existem três tipos de sistemas processuais penais, quais sejam o inquisitivo, o acusatório e o misto, consoante suas formas e seus princípios informativos [36].

 

O sistema inquisitivo apresenta como características: a ausência de regras de igualdade e de liberdade processuais, o processo escrito e secreto, o desenvolvimento do processo em etapas e por impulso oficial e a confissão como prova hábil para a condenação. Caracteriza, ainda, o sistema inquisitivo a ausência do contraditório; o desempenho, pelo juiz, das funções de acusação, defesa e julgamento; a possibilidade de submeter o acusado a torturas, com o objetivo de se obter sua confissão; a ausência de garantias para o acusado; a posição de plena subordinação do acusado, considerado como um objeto; bem como o sistema inquisitivo representa o oposto do sistema acusatório.

 

Na história do Direito, o sistema inquisitivo teve origem no Direito Romano, revigorando-se na Idade Média e apresentou declínio com o advento da Revolução Francesa.

 

São características do sistema acusatório a garantia do contraditório: o acusador e o acusado são colocados em posições de igualdade; o processo é público, com possibilidade de ser fiscalizado pelo povo, sendo a restrição da publicidade uma exceção; a acusação, a defesa e o julgamento são desempenhados por pessoas diferentes; há possibilidade de ser o processo oral ou escrito; há equivalência de direitos e deveres para as partes acusadora e acusada e o processo é iniciado pela parte acusadora. O sistema acusatório se caracteriza, outrossim, pela imparcialidade e ampla defesa. No contexto histórico do Direito, o sistema acusatório teve origem na Inglaterra e na França, depois da Revolução Francesa, sendo hodiernamente adotado em muitos países americanos e europeus.

 

Quanto ao sistema misto, há divergências doutrinárias no que tange a sua estrutura. Consoante Julio Fabbrini Mirabete, o sistema misto apresenta duas fases, sendo a primeira de instrução, com predomínio da natureza inquisitiva, composta de investigação preliminar e de instrução preparatória, e a segunda fase é a de julgamento, de natureza contraditória [37].

 

De modo semelhante, ensina Fernando Capez [38], porém Fernando da Costa Tourinho Filho, entende que no sistema misto há três etapas: investigação preliminar, instrução preparatória e julgamento, sendo que as duas primeiras etapas são secretas, sem o contraditório, e, na última etapa, o processo é oral, público e contraditório [39]. Verifica-se que o sistema misto é adotado, atualmente, em vários países europeus e latino-americanos.

 

Dos sistemas processuais penais analisados, o ordenamento jurídico brasileiro adota, nos dias de hoje, o sistema acusatório, em virtude dos direitos e garantias fundamentais assegurados pela Constituição Federal de 1988, tais como o contraditório e a ampla defesa, aplicados ao processo penal. Nesse sentido é a lição da doutrina pátria[40].

 

2.1.1. O Inquérito Polícial e o Sistema Processual Penal Brasileiro

 

O ordenamento jurídico brasileiro elege como sistema processual penal, o sistema acusatório. Esse sistema, como fora visto, fundamenta-se no contraditório, ampla defesa, igualdade entre as partes, publicidade e possibilidade da oralidade.

 

O inquérito policial, por sua vez, como analisado anteriormente, caracteriza-se por ser inquisitivo, sigiloso, indisponível e necessariamente escrito.

Comparando as características do sistema processual penal acusatório e do inquérito policial, verifica-se que este último não constitui, definitivamente, uma atividade jurídica processual, pois está alicerçado em fundamentos diversos daqueles garantidos ao devido processo legal.

 

Portanto, constata-se que, na seara do processo penal brasileiro, há duas fases: primeira, fase pré-processual, desempenhada pela polícia judiciária, de caráter informativo e preparatório, desenvolvido segundo um procedimento administrativo específico denominado de inquérito policial; segunda, fase processual, iniciada com o oferecimento da denúncia ou da queixa-crime, desempenhada pelo Poder Judiciário e com a participação dos demais sujeitos processuais, de caráter cognitivo, decisório e executório e desenvolvida consoante ritos definidos pelo ordenamento jurídico.

 

2.2. Persecução Penal

 

Inicialmente, cabe verificar o conceito de persecução penal. Leib Soibelman assim define:

 

PERSECUTIO CRIMINIS. (latim) Persecução penal. Perseguição de crime pelos órgãos estatais para submetê-lo a julgamento. Compreende a fase de investigação do crime (informatio delicti) e a fase de acusação em juízo (ação penal). Termina por decisão judicial que absolve, declara extinta a punibilidade, manda arquivar o inquérito ou julga cumprida a condenação. Pretensão punitiva do Estado desenvolvida ou posta em andamento contra alguém indiciado como autor de infração penal. [41] 

 

Maria Helena Diniz, em seu entendimento, conceitua que persecução penal é a “atividade repressiva do Estado, detentor de jus puniendi, providenciando a punição do criminoso” [42].

 

Outrossim, no magistério de Julio Fabbrini Mirabete:

Persecução penal significa, portanto, a ação de perseguir o crime. Assim, além da idéia da ação da justiça para punição ou condenação do responsável por infração penal, em processo regular, inclui ela os atos praticados para capturar ou prender o criminoso, a fim de que se veja processar e sofrer a pena que lhe for imposta. [43]

 

Em síntese, a persecução penal é uma atividade desenvolvida pelo Estado de perseguição à prática criminosa, tanto ao fato ilícito em si como ao respectivo autor. Tal atividade é desenvolvida contra a pessoa acusada de prática de infração penal. Visa a submeter o acusado a julgamento. É atividade repressiva, isto é, iniciada após a prática da infração penal.

 

É interessante entender a razão para o desenvolvimento da atividade de persecução penal. O Estado é detentor exclusivo do direito de punir. Portanto, o transgressor de norma penal, aquele que pratica a infração penal, somente será punido por via de processo judicial. Entretanto, a fim de que o processo se desenvolva, é necessário que a notícia da infração penal chegue ao Poder Judiciário e este, por sua vez, declarará se procedente ou improcedente a pretensão punitiva. Para isso, o Estado desenvolve a persecução criminal.

 

Conforme doutrina pátria, a persecução penal apresenta dois objetivos, quais sejam a preparação da acusação e a invocação da tutela jurisdicional para o julgamento da acusação [44].

 

Desse modo, a persecução penal resulta da soma de duas atividades: primeiro, uma desempenhada pela polícia judiciária, de apuração da infração penal e da respectiva autoria, por meio do inquérito policial, conforme o art. 4º do Código de Processo Penal; segundo, outra desempenhada pelo Ministério Público ou pelo ofendido, que consiste na proposição da ação penal [45].

 

Essa segunda atividade significa o oferecimento da denúncia pelo Ministério Público, consoante o art. 24 do Código de Processo Penal, ou da queixa-crime pelo ofendido, conforme o art. 30 do Código de Processo Penal. Cabe observar que a atividade de apuração da infração penal e da autoria, pode embora seja pouco comum, ser desempenhada pelo particular, porém não por meio de inquérito policial, mas por simples peça de informação, segundo dispõe o art. 27 do Código de Processo Penal. 

 

 2.2.1. O Inquérito Polícial e a Persecução Penal

 

A persecução penal é atividade estatal, de perseguição da infração penal e do respectivo autor, composta de duas fases, sendo uma investigativa, informativa e preliminar, e a outra acusatória e invocatória da tutela jurisdicional.

 

Como visto, a fase da persecução penal geralmente é desempenhada pelo Poder Público, isto é, pela polícia judiciária, sob a presidência da autoria policial, por meio do inquérito, conforme reza o art. 4º do Código de Processo Penal. Desse modo, verifica-se que o inquérito policial é procedimento integrante da atividade de persecução penal, pois representa a realização da fase de investigação pelo Poder Público.

 

Entretanto, a primeira fase da persecução penal, de apuração penal e da respectiva autoria, também pode ser desempenhada pelo particular, por meio de simples peça de informação, consoante a art. 27 de Código de Processo Penal. Portanto verifica-se que o inquérito policial não é meio exclusivo e obrigatório para o desenvolvimento da fase inicial da persecução penal, havendo, também, a peça de informação elaborada pelo particular.

 

Outrossim, há de se considerar outros casos de dispensa do inquérito policial previsto no Código de Processo Penal e na legislação especial, assim como outros procedimentos semelhantes ao inquérito policial, de aplicação em situações específicas, igualmente previstos em lei. A questão acerca da não obrigatoriedade, ou da dispensabilidade, do inquérito será tratada com mais detalhes nos próximos capítulos.

 

De qualquer forma, embora o inquérito policial não seja o único meio de desenvolver a primeira fase da persecução penal, é o meio mais comumente adotado e empregado para a apuração das infrações penais e das respectivas autorias. Portanto, o inquérito policial é, certamente, elemento integrante da persecução penal, como meio de desenvolvimento da fase investigativa, informativa e preliminar.

 

3. VALOR DO INQUÉRITO POLICIAL

 

3.1. Conceito de Valor

 

Antes de iniciar a exposição acerca de valor do inquérito policial, especificamente, é interessante analisar o significado do termo valor. Como exemplo, coloca-se o seguinte conceito:

 

VALOR. 1. Filosofia geral. a) Qualidade real de certos objetos ou coisas; b) idéia; c) objeto de uma experiência e de uma vivencia (Hessen); d) qualidade de uma coisa que só pode pertencer-lhe em função de um sujeito dotado com uma certa consciência capaz de a registrar (Hessen). O valor é sempre valor para o sujeito. A referencia a um sujeito é da essência do valor; e) característica do ser que é estimado mais ou menos por um grupo; f) finalidade intrínseca do ser (Othon Sidou)); g) a conformidade, a coincidência do gesto, da atitude com os fins do ser (Armando Câmara), (grifo). [46]

 

Assim, é possível perceber dois aspectos a partir da idéia do que seja valor. O valor pode ser uma qualidade própria, intrínseca, de determinada coisa, como se nota no item “a” da definição acima, em destaque. De outro lado, o valor pode ser uma qualidade atribuída por um sujeito a certa coisa, ou seja, extrínseca, e necessário vínculo a esse sujeito, conforme o item “d” da definição, também em destaque.

 

André Lalande expressa que a palavra valor pode ser empregada em várias acepções, no sentido abstrato, isto é, de “ter valor”, ou no sentido concreto, ou seja, de “ser um valor” [47].

 

O inquérito policial, como existe em decorrência de disposição legal, é elemento pertencente ao ordenamento jurídico, e, em ultima instância, integra a seara das ciências humanas. Logo, o inquérito policial não existe por si só, mas sim porque o legislador entendeu que deve haver tal procedimento administrativo. Desse modo, o inquérito policial não possui qualidades próprias, intrínsecas, e sim pelos operadores do direito. Em outras palavras, o inquérito policial “não é um valor”, porém “tem valor”.

 

Na mesma linha de pensamento, se em determinado momento o legislador se convencer da desvalia do inquérito policial, bastará criar novas disposições legais que alterem o processo penal, de maneira a modificar ou extinguir o procedimento preliminar de investigação e, na hipótese de extinção, passará o inquérito policial a não ter nenhum valor ou qualidade.

 

É possível entender valor como sendo a particularidade das coisas consistente “em elas serem mais ou menos estimadas por um sujeito ou, mais vulgarmente, por um grupo de sujeitos determinados” [48], “em elas merecerem mais ou menos estima” [49], ou ainda, “em elas satisfazerem um certo fim” [50].

 

Portanto, conclui-se que analisar o valor de determinada coisa representa verificar em que grau ou intensidade esse determinado objeto é estimado por um sujeito ou grupo de sujeitos. No âmbito do presente estudo, analisar a dispensabilidade do inquérito policial significa verificara o quanto esse procedimento administrativo é estimado, por parte do legislador e dos operadores do direito, por meio do exame das manifestações desses sujeitos, quais sejam, a lei, a doutrina e a jurisprudência.

 

3.2. Valor Administrativo

 

Para dar início à análise da dispensabilidade do inquérito policial para o processo penal brasileiro, nesse item será abordado o valor administrativo do inquérito.

 

Primeiramente, é importante entender que o termo administrativo será empregado no sentido de significar “relativo à administração” [51]. Assim, analisar o valor administrativo do inquérito policial significa verificar o valor desse procedimento para a administração ou, mais especificamente, para o segmento da Administração Pública responsável pela sua realização, isto é, para a polícia judiciária.

 

Para entender o que é polícia judiciária, válida é a lição de Julio Fabbrini Mirabete:

 

A Polícia, instrumento da Administração, é uma instituição de direito público, destinada a manter e a recobrar, junto à sociedade e na medida dos recursos de que dispõe a paz pública ou a segurança individual. Segundo o ordenamento jurídico do País, à Polícia cabem duas junções: a administrativa (ou de segurança) e a judiciária. Com a primeira, de caráter preventivo, ela garante a ordem pública e impede a prática de fatos que possam lesar ou por em perigo os bens individuais ou coletivos: com a segunda, de caráter repressivo, após a prática de uma infração penal recolhe elementos que a elucidem para que possa ser instaurada a competente ação penal contra os autores do fato [52].

 

Logo, polícia judiciária é uma das funções atribuídas ao instrumento da Administração Pública denominada Polícia. A função de polícia judiciária é desempenhada, no âmbito dos Estados, pela Polícia Civil, conforme dispõe o art. 144, § 4º, da Constituição Federal de 1988 e a função de  polícia judiciária da União é exercida pelo Departamento de Polícia Federal, consoante o art. 144, § 1º, VI, da Constituição Federal de 1988.

 

O desempenho da função de polícia judiciária ocorre por meio da realização de ações que visem à elucidação da infração penal e da respectiva autoria, conforme dispõe o art.4º, caput, do Código de Processo Penal. Ao conjunto dessas atividades é dado o nome de investigação policial. O termo investigação policial significa “pesquisa sobre pessoas e coisas úteis para reconstrução das circunstâncias de um fato legal ou ilegal e sobre a idéia que se tem a respeito deste” [53].

 

No contexto do desempenho das funções de polícia judiciária, o inquérito policial representa a materialização de todas as ações que visem ao esclarecimento da infração penal e da respectiva autoria. Então, é o inquérito policial “procedimento administrativo de caráter inquisitivo que formaliza a investigação policial” [54], ou ainda, “o inquérito policial formaliza a investigação que teve por objetivo a apuração da materialidade do crime e de sua autoria” [55].

 

O inquérito policial representa, então, a redução a termo. O registro, de todas as diligências determinadas pela autoridade policial, efetuadas por seus auxiliares e previstas no art. 6º do Código de Processo Penal, quais sejam: ida ao local de crime, preservação do local de crime, apreensão dos objetos relacionados ao fato, colheita de provas úteis para o esclarecimento do fato, oitiva do ofendido, oitiva do indiciado, reconhecimento de pessoas e coisas, acareações, realização do exame do corpo de delito e de outras perícias, identificação do indiciado pelo processo datiloscópico, juntada da folha de antecedentes criminais do indiciado e a averiguação da vida pregressa do mesmo.

 

Há de ser considerado, outrossim, o relatório feito pela autoridade policial ao término do inquérito, conforme previsão de art. 10, § 1º, do Código de Processo Penal.

 

No relatório, embora não possa a autoridade policial expressar juízos de valor, nem emitir opiniões ou julgamentos, ficando restrita a fornecer as informações obtidas no decorrer das investigações e das diligências perpetradas, pode e deve a autoridade registrar as impressões que obteve das pessoas, das coisas e dos fatos que se fizeram presentes no desenvolvimento do inquérito. E tais impressões não podem ser ignoradas, nem pelo titular da ação penal, nem pelo magistrado, pois foram expressadas por um técnico do direito, que é a autoridade policial.

 

Portanto, por consistir na materialização, no registro de todo o desempenho da função de polícia judiciária, o inquérito policial é altamente estimado pelo segmento da Administração Pública encarregado da apuração da infração e da respectiva autoria, isto é, pela própria polícia judiciária. E assim, sendo o inquérito estimado pela Administração, possui valor administrativo.

 

3.3. Valor Informativo

 

Importante é a análise do valor informativo do inquérito policial, isto é, o valor do inquérito como peça de informação.

 

Como já visto, a finalidade do inquérito policial consiste em apurar a infração penal e sua respectiva autoria com o objetivo de fundamentar a propositura da ação penal. Em outras palavras, o objetivo do inquérito policial é fornecer os elementos de informação necessários a que o titular da ação penal possa ingressar em juízo.

 

De modo mais amplo, é possível afirmar que o inquérito policial tem o papel de fornecer elementos de informação para atender os três requisitos mínimos da ação penal, isto é, as condições da ação. Nesse sentido, veja-se o magistério de Rejane Alves de Arruda:

      

Ora, segundo as comezinhas lições da teoria geral do processo, sabe-se da necessidade de requisitos indispensáveis para tornar possível a provocação e a manifestação jurisdicional, da importância de condições mínimas que possibilitem o exercício do direito de ação e que, por tal motivo, são denominadas condições da ação genéricas, exigidas por lei, para o exercício da ação penal – legitimidade, interesse de agir e possibilidade jurídica do pedido – é possível dizer que duas delas, pelo menos, são comprováveis através do conjunto probatório colhido na primeira fase da persecução criminal [56].

 

Do modo semelhante, Julio Fabbrini Mirabete ensina que é por meio dos elementos de informação obtidos no inquérito policial que se constata a existência do “fumus boni iuris”, autorizador do inicio do processo penal[57].

 

Desse modo, o inquérito policial, por ser peça informação, serve como alicerce das peças vestibulares do processo penal, isto é, da denúncia ou da queixa.

 

O Código de Processo Penal assim dispõe, ao rezar no art. 12 que, in verbis, “o inquérito policial acompanhará a denúncia ou a queixa, sempre que servir de base a uma ou outra”[58].

 

3.4. Valor Probatório

 

Ao se tratar do tema referente à dispensabilidade do inquérito policial no direito processual penal brasileiro, é importante abordarmos o aspecto do valor probatório desse procedimento administrativo desenvolvido pela polícia judiciária.

 

Para Leib Soibelman, valor probatório é o “valor como prova” [59], ou ainda, a “qualidade que tem uma coisa para demonstrar a verdade de um fato, alegação, circunstância, ato, acontecimento, negócio” [60]. Assim, tratar do valor probatório do inquérito policial significa verificar o valor que possui tal procedimento de servir como prova no âmbito do processo penal.

 

De início, é importante entender que entre os operadores do direito, há uma escala de consideração acerca do valor probatório do inquérito policial. Assim, há julgados que desprezam qualquer valor de prova conferido ao inquérito policial. Veja-se, in verbis:

 

O inquérito policial apenas legitima o Ministério Público a provocar o poder jurisdicional por meio de ação penal, propondo-se fazer prova do alegado no decorrer da instrução criminal. Assim, não sendo o inquérito estruturado tendo em vista o contraditório, não é o mesmo apto a constituir prova contra o acusado’(Ap. 140.775, TACrimSP, Rel. Chiaradia Netto).[61]

 

Outros, entretanto, contemplam a possibilidade do inquérito policial integrar o conjunto probatório do processo e, desse modo, influir no convencimento do próprio julgador. Nesse sentido, in verbis: “Havendo algum suporte probante na fase judicial, a prova colhida no inquérito policial pode ser convocada para fundamentar a decisão condenatória’ (RT, 621:290)”. [62]

 

Há julgados que consideram o valor probatório do inquérito policial a ponto de desprezá-lo como prova somente se não houver nenhuma prova judicial em seu favor, ou se expressamente invalidado pela instrução criminal em juízo. Assim, in verbis:

 

A prova policial, inquisitória, só deve ser desprezada, afastada, arredada, como elemento válido e aceitável de convicção, quando totalmente, absolutamente, ausente prova judicial confirmatória ou quando desmentida, contrariada ou nulificada pelos elementos probantes colhidos em juízo, através de regular instrução. (RT, 622:276). [63]

 

Portanto, vê-se que a matéria relativa ao valor probatório do inquérito policial não é pacífica, sendo objeto de diversas opiniões e de considerações variadas, entre os operadores do direito neste país.

 

3.4.1. Provas Extrajudiciais

 

O conceito de prova pode ser expresso em vários sentidos. Em sentido comum, prova é “tudo aquilo que pode levar ao conhecimento de um fato, de uma qualidade, da existência ou exatidão de uma coisa” [64]. Já no sentido jurídico, “representa os atos e os meios usados pelas partes e reconhecidos pelo juiz como sendo a verdade dos fatos alegados” [65].

 

As provas são agrupadas de acordo com os mais variados critérios, dando origem a diversas classificações, formuladas por inúmeros doutrinadores, sendo a mais difundida e conceituada aquela formulada por Malatesta [66]. Embora não incluída na classificação de Malatesta, uma distinção importante para o presente estudo é aquela que diferencia a prova produzida em juízo daquela produzida fora de juízo, isto é, fora do processo.

 

Portanto, há a prova judicial, isto é, “a que é feita em juízo”[67], e a prova extrajudicial, aquela que é “obtida fora de juízo”[68].

 

O inquérito policial, como já analisado, não integra o processo penal, pois este tem início com a ação penal, a partir do oferecimento da denúncia ou da queixa. Constitui o inquérito policial uma fase pré-processual, informativa e preparatória da ação penal. Desse modo, as provas produzidas no decorrer do inquérito policial são extrajudiciais, porque obtidas fora da relação jurídica processual. Logo, analisar o valor probatório do inquérito policial significa, em sentido amplo, verificar o valor das provas extrajudiciais.

 

 3.4.2. Ausência do Contraditório e Valor Probatório

 

O fato de inexistir o contraditório durante a fase de inquérito policial confere a esse procedimento administrativo um relativo valor como prova judicial. Nesse sentido, ao tratar do valor probatório do inquérito policial, Fernando Capez expressa que “tem valor probatório, embora relativo, haja visto que os elementos de informação não são colhidos sob a égide do contraditório e da ampla defesa, nem tampouco na presença do juiz de direito”[69].

 

O inquérito policial, como procedimento pré-processual e inquisitivo, não é realizado sob a tutela dos princípios do contraditório e ampla defesa, previsto no art. 5º, LV, da Constituição Federal de 1988. Esse fato compromete a validade das provas produzidas no decorrer do inquérito policial, conferindo-lhes um valor relativo, a ponto delas não serem consideradas suficientes, por si mesmas, a embasar uma sentença condenatória. Portanto, as provas obtidas na fase de inquérito policial, se forem exclusivas, não permitirão a prolação de sentença condenatória.

 

A respeito, importante é o entendimento de Romeu de Almeida Salles Júnior:

 

Existe preocupação no sentido de não se permitir que a sentença condenatória tenha por base apenas elementos do inquérito policial, justamente porque tais elementos foram obtidos em fase meramente inquisitiva, afastado o principio do 0contraditório e suas garantias para o acusado [70].

 

Nesse sentido também se posiciona a jurisprudência, in verbis: “Não se justifica decisão condenatória apoiada exclusivamente em inquérito policial, pois se viola o principio constitucional do contraditório. (RTJ, 59/786)[71].

 

O inquérito policial é peça meramente informativa, destinada tão-somente a autorizar o exercício da ação penal. Não pode, por si só servir de lastro à sentença condenatória, sob pena de se infringir o principio do contraditório, garantia constitucional. (JTACrimSP, 70/319). [72]

 

Portanto, alega-se que fundamentar um decreto condenatório exclusivamente no inquérito policial implica lesão ao princípio constitucional do contraditório, bem como da ampla defesa. No entanto, caso o inquérito policial fosse um procedimento desenvolvido sob a égide do contraditório e da ampla defesa, certamente seu valor probatório seria incrementado, pois a prova colhida na fase de inquérito se equipararia à prova colhida durante a instrução judicial.

 

3.4.3. Valor do Conjunto Probatório do Inquérito Policial

 

Acerca do seu valor probatório, o inquérito policial pode ser analisado como um conjunto de provas, considerado num todo, ou cada meio de prova obtido no inquérito pode ser analisado isoladamente em seu valor.

 

Inicialmente, considerando o inquérito policial como um conjunto probatório, verifica-se que tal procedimento não deve ser nem subestimado, nem supervalorizado como prova. Nesse sentido, interessante é a lição de Romeu de Almeida Salles Júnior:

 

Quando regularmente realizadas as diligências, o inquérito contém peças de grande valor probatório. Apontam-se, entre outras, os exames de corpo de delito, o auto de prisão em flagrante. É verdade que o inquérito policial é peça de informação. Não chega a ter a consistência de conjunto probatório obtido em juízo, quando as garantias do agente ou autor do delito são maiores. Numa fase em que existe o contraditório, ou seja, acusação e defesa, as possibilidades de obtenção de provas são maiores. Não se pode, contudo, negar ao inquérito policial o seu devido valor, como integrante de um conjunto probatório, cuja finalidade é formar a livre convicção do julgador na busca da verdade real. (grifo)[73].

 

Logo, é possível entender que, embora, como já visto no item anterior, o inquérito policial não possa, isoladamente, fundamentar uma sentença condenatória, por haver lesão ao principio do contraditório, tal procedimento pode integrar o conjunto de provas que formará a convicção do magistrado.

 

Entretanto, para o inquérito policial poder integrar o quadro probatório da instrução judicial, é necessário que os elementos de prova colhidos no inquérito sejam confirmados durante a própria instrução em juízo. Esse é o entendimento expresso por certos julgados, in verbis: “Havendo algum suporte probante judicial, obtido em instrução contraditória, a prova do inquérito pode e deve ser convocada a compor, integrar e fortalecer o quadro probatório. (RT, 611:353)”. [74]

“Havendo algum suporte probante na fase judicial, a prova colhida no inquérito policial pode ser convocada para fundamentar a decisão condenatória’ (RT, 621:290)”.[75]

 

Como já visto, embora o inquérito policial não possa, por si só, fundamentar uma sentença condenatória, não se deve desprezar totalmente o seu valor probatório, pois é possível ao inquérito integrar o conjunto de provas da instrução judicial. Contudo, há o entendimento de que, para integrar o conjunto probatório da instrução em juízo, os elementos de prova colhidos no inquérito deverão ser confinados por outros elementos de prova obtidos na própria instrução judicial.

 

Nesse momento, cabe outra indagação: será que todos os elementos de prova obtidos no inquérito deverão ser renovados na fase de instrução judicial? Uma coisa é afirmar que um elemento de prova deverá ser confirmado em juízo, pois nenhuma prova é absoluta, outra é afirmar que esse elemento deverá ser renovado, isto é, obtido novamente.

 

Julio Fabbrini Mirabete, ao comentar sobre inquérito policial, afirma:

 

[...] nele se realizam certas perícias que, embora praticadas sem a participação do indiciado, contêm em si maior dose de veracidade, visto que nelas preponderam fatores de ordem técnica que, além de mais difíceis de serem deturpados, oferecem campo para uma apreciação objetiva e segura de suas conclusões. Nessas circunstâncias têm elas valor das provas colhidas em juízo. [76]

 

Assim, há provas que, embora obtidas na fase de inquérito policial, na ausência do contraditório, possuem valor probante para demonstrar a verdade de fatos em juízo. Exemplos são as perícias realizadas por determinação da autoridade policial, conforme o art. 6°, VII, do Código de Processo Penal.

 

Segundo Romeu de Almeida Salles Júnior, não se pode atribuir valor probatório a todos os elementos de prova colhida no inquérito policial, isto é, não se deve considerar que todos esses elementos de prova que não poderão ser renovados quando da instrução judicial [77]. Como exemplo desse tipo de elemento impossível de ser renovado estão aqueles colhidos através da prova pericial.

As provas obtidas no decorrer do inquérito policial podem ser classificadas em definitivas ou renováveis. De modo geral, as provas obtidas na fase de inquérito necessitam ser renovadas no momento da instrução judicial, em respeito ao princípio do contraditório: são as provas renováveis. Exemplo dessas provas é a oitiva do ofendido e a oitiva das testemunhas. Entretanto, há outros meios de prova que, em virtude de sua natureza, não precisam ser renovados na fase processual: são as provas definitivas. Exemplo é a prova pericial [78].

 

Há, ainda, outra classificação que distingue entre provas reais e provas pessoais. A prova real “consiste na atestação inconsciente feita por uma coisa na qual ficou impresso um sinal” [79], sendo exemplo desse tipo de prova as periciais e as vistorias; a prova pessoal “é a revelação consciente feita por uma pessoa das impressões mnemônicas de fato” [80], havendo como exemplo, a ouvida do ofendido e do indiciado.

 

É importante observar que a necessidade de reiterar, na instrução criminal em juízo, as provas obtidas em inquérito policial, aplica-se às provas renováveis como, por exemplo, as ouvidas. No que tange às provas definitivas, não há que se falar em renovação, salvo na hipótese de vício ou de erro.

 

Considerando a possibilidade de o inquérito conter provas definitivas e provas renováveis, verifica-se certa relatividade no valor probatório do inquérito policial, conforme a constituição do conteúdo probatório do próprio inquérito. Assim, quanto maior o conteúdo probatório constituído por provas definitivas, menor a necessidade de renovar provas em juízo e, por conseqüência, maior o valor probatório do inquérito. Do contrário, quanto maior o conteúdo probatório constituído por provas em juízo, e, portanto, menor o valor probatório do inquérito.

 

Por analogia é possível empregar o mesmo raciocínio e relação às provas reais e pessoais. As provas reais, porque obtidas a partir das coisas, são mais estáveis, já que menos suscetíveis de alterações no decorrer da instrução criminal e, portanto, mais dignas de crédito, ainda que produzidas na fase de inquérito. Por exemplo, os fatos comprovados por uma perícia, através do exame de uma coisa qualquer, mesmo que na fase de inquérito policial, dificilmente serão contestados em juízo.

 

Já as provas pessoais, como advindas de declarações humanas, estão mais sujeitas a alteração na fase da instrução judicial. Como exemplo, verifica-se que o indivíduo, enquanto indiciado na fase de inquérito, pode confirmar determinados fatos e, no entanto, quando na condição de acusado, na fase de instrução judicial, poderá alterar ou negar os mesmos fatos anteriormente confirmados. 

 

Na hipótese de determinado inquérito policial apresentar somente provas definitivas, ou provas reais, seu conteúdo probatório não careceria de ser reiterado em juízo e, assim, seu valor probatório seria integral. Contudo, tal hipótese é teórica, pois no inquérito policial há de constar, por disposição legal, provas renováveis, ou pessoais, como as ouvidas do ofendido e do indiciado, segundo dispõe o art. 6º, IV e V, do Código de Processo Penal.

 

De qualquer modo, constata-se que o valor probatório do inquérito policial é relativo, a depender de seu conteúdo probatório, se constitui em sua maior por provas definitivas (ou reais), ou por provas renováveis (ou pessoais).

 

Outrossim, verifica-se que, embora os elementos de prova contidos no inquérito deverão ser confirmados em juízo, nem todos esses elementos deverão ser renovados quando da instrução judicial.

 

3.4.4. Valor dos Meios de Prova no Inquérito Policial

 

Após a análise do valor probatório do inquérito policial, visto esse procedimento administrativo como um todo, como um conjunto probatório, verificar-se-á o valor de determinados meios de prova quando produzidos na fase de inquérito policial.

 

A autoridade policial, no desenvolver do inquérito, deverá realizar e determinar uma série de providências, com o objetivo de promover a apuração da infração penal e da sua autoria. No desenrolar dessas providências, elencadas no art. 6º do Código de Processo Penal, há oportunidade para a manifestação de determinados meios de provas, a citar, a ouvida do indiciado, a confissão, a delação, a acareação, a ouvida do ofendido, a prova testemunhal, a prova pericial e o reconhecimento de pessoas e coisas. Desse modo, a análise permanecerá restrita aos meios de prova passíveis de manifestação na fase de inquérito policial.

 

Os doutrinadores, de modo geral, entendem que a confissão obtida na fase de inquérito policial não autoriza, por si só, a prolação de sentença condenatória. Como ilustração, segundo Adalberto José Q. T. de Camargo Aranha, a confissão “não servirá como prova justificadora da condenação se autuar como único elemento incriminatório”.[81] Semelhante é o posicionamento de vários julgados [82]. Portanto, a confissão obtida na fase de inquérito não é considerada, isoladamente, como prova, mas deverá integrar um conjunto probatório.

 

Desse modo, é necessário que esses outros elementos de prova confirmem o conteúdo da confissão extrajudicial. No magistério de Julio Fabbrini Mirabete, “a confissão extrajudicial é insuficiente, por si só, para lastrear a condenação, embora possa ser admitida como prova suficiente quando amparada por outros elementos”.[83] Semelhante é posicionamento expresso por vários julgados. [84]

 

Ocorre com muita freqüência, no cotidiano forense, o indivíduo confessar a autoria da infração penal, durante a fase de inquérito, e negá-la ou alterá-la na instrução processual. Há julgados que entendem ser válida a confissão extrajudicial, mesma negada ou alterada posteriormente, se amparada em outros elementos de prova.[85] Há, ainda, julgados que invalidam completamente, como meio de prova, a confissão obtida na fase de inquérito policial.[86]

 

De qualquer forma, parece mais sensato o entendimento segundo o qual a confissão obtida na fase de inquérito, embora não possa fundamentar isoladamente uma sentença condenatória, pode ser considerada como prova se confirmada por outros elementos probantes.

Em relação à delação, embora o seu valor probatório seja matéria objeto de divergência doutrinária e jurisprudencial, parece certo que, assim como ocorre com a confissão, a delação não é capaz de, por si só, embasar sentença condenatória. Conforme opinião de Adalberto José Q. T. de Camargo Aranha “a chamada do co-réu, como elemento único de prova acusatória, jamais poderia servir de base a uma condenação, simplesmente porque violaria o principio constitucional do contraditório”.[87] O mesmo posicionamento é adotado em certos julgados.[88]

 

Observa-se, assim, à semelhança da confissão, que a delação feita no inquérito deverá ser confirmada por outros elementos probantes na fase de instrução judicial criminal. Esse é, também, o entendimento de vários julgados.[89] Portanto, a delação feita na fase de inquérito não pode, isoladamente, fundamentar uma sentença condenatória, necessitando ser confirmada por outros elementos de prova.

 

Quanto à acareação, a doutrina a considera como prova de utilidade relativa, importante para esclarecer as controvérsias dos depoimentos. Julio Fabbrini Mirabete entende que “o valor probatório da acareação é certamente idêntico àquela da prova testemunhal e das declarações da vitima ou do acusado”.[90]

 

No que tange às declarações do ofendido, mesmo considerado como um meio de prova, em virtude do interesse do ofendido tais declarações não podem ser valoradas tanto quanto a prova testemunhal. Na opinião de Julio Fabbrini Mirabete, “embora seja relativo o valor probatório das declarações do sujeito passivo do crime, suas informações são extremamente úteis para o desenvolvimento das investigações”.[91]

 

Há, outrossim, o entendimento doutrinário de que, em determinados crimes, praticados na ausência de testemunhas, como, por exemplo, aqueles contra a liberdade sexual, as declarações do ofendido passam a ter um valor maior como prova, porque constituem o único relato acerca da infração penal.[92]

 

Certos julgados entendem que, assim como na confissão e na delação, as declarações do ofendido, na fase de inquérito, não constituem, isoladamente, prova apta a condenação.[93] Daí depreende-se que, regra geral, as declarações do ofendido deverão ser confirmadas por outros elementos de prova.

 

Em relação à prova testemunhal, seu valor, em juízo, é questionável, pois em razão de ser uma prova pessoal, obtida a partir do indivíduo, está sujeita à interferência de fatores típicos da natureza e personalidade humanas. Desse modo, entende-se haver influências decorrentes dos sentidos humanos (visão, audição, olfato, paladar e tato), dos interesses do indivíduo na causa, das sugestões provenientes de terceiros e dos sentimentos de modo geral. Contudo, não se recomenda dispensar a prova testemunhal. A prova testemunhal adquire valor, e tem sua credibilidade incrementada, à medida que seu conteúdo passa a concordar com o restante do conjunto de elementos probatórios.[94]

 

Esse mesmo entendimento pode ser transportado para o âmbito do inquérito policial, pois o testemunho prestado durante o procedimento investigativo está sujeito, talvez até em maior intensidade devido à característica recente dos fatos, aos fatores presentes naquele prestado em juízo. Entretanto, guardadas as limitações típicas da prova extrajudicial, é possível afirmar que, quanto mais concordante com o conjunto de provas contido no inquérito, e na instrução judicial, maior será a credibilidade do testemunho prestado perante a autoridade policial.

 

De qualquer modo, o testemunho prestado na fase de inquérito não constitui, isoladamente, prova apta par condenação.

 

Na opinião de Romeu de Almeida Salles Júnior, “o valor probatório da prova testemunhal, bem como de quaisquer outros elementos de prova é relativo, pois deve ser levado em conta o conjunto obtido no decorrer da instrução” [95]. Assim, entende-se ser necessária a confirmação dos testemunhos prestados na fase de inquérito por outros elementos de prova.

 

Quanto à prova pericial, a doutrina a coloca num patamar diferenciado em relação aos demais meios probantes. Assim, para Adalberto José Q. T. de Camargo Aranha, “tem a perícia um natureza jurídica toda especial que extravasa a condição de simples meio probatório, para atingir uma posição intermediaria entre a prova e a sentença” [96].

 

A razão de existência da prova pericial reside na realidade de que a análise de muitas circunstâncias do fato criminoso somente é possível com auxílio de técnicos e conhecimentos específicos, que fogem ao saber do julgador, do titular da ação penal, do defensor e da autoridade policial. Desse modo, o perito, especialista em determinado campo de conhecimento humano, emite um entendimento acerca de certa circunstância, com fundamento científico. Em razão dos sujeitos da ação penal não serem especialistas naquele ramo de conhecimento, dificilmente a conclusão do perito se torna alvo de questionamentos, ressalvadas as hipóteses de erro ou dolo. Esse é o entendimento doutrinário [97].

 

Logo, verifica-se que à prova pericial, com exceção das hipóteses de erro ou dolo, atribui-se maior credibilidade, sendo mais raras as contestações contra as conclusões dos peritos. Assim, na prática, a prova pericial sofre uma menor incidência do princípio do contraditório e, em conseqüência a prova pericial, seja extrajudicial ou judicial, apresentará quase o mesmo valor probatório.

 

Então, a prova pericial produzida na fase de inquérito policial apresentará, praticamente, o mesmo valor probatório do que se fosse produzida na instrução criminal judicial. Tanto assim é que na classificação de Adalberto José Q.T. de Camargo Aranha, a prova pericial é classificada como definitiva, ou seja, se produzida na fase de inquérito policial, não carece, regra geral, de ser repetida durante a instrução em juízo [98]. Daí ser possível afirmar que de todas as provas possíveis de serem colhidas na fase de inquérito policial, a prova pericial é aquela que possui maior valor probatório. No entanto, como nenhum meio de prova é considerado absoluto para demonstrar uma verdade, é importante que a prova pericial seja confirmada por outros elementos.

 

No que tange ao recolhimento de pessoas e coisas, há julgados que entendem ser necessária a obediência à formalidade do art. 226 do Código de Processo Penal, como requisito para o reconhecimento ser valorado como prova [99]. De modo semelhante, existe entendimento doutrinário no sentido de que o reconhecimento, embora não faça por si só, prova para a condenação, pode auxiliar no embasamento de sentença condenatória, se obedecidas as formalidades legais.[100]

 

Quanto ao valor probatório do reconhecimento direto, isto é, aquele feito de frente com a pessoa ou coisa a ser reconhecida, no entendimento de Adalberto José Q. T. de Camargo Aranha, “o reconhecimento, como meio de prova, fornece uma boa margem de segurança.”[101] No âmbito dos julgados, há aqueles que menosprezam o reconhecimento de pessoas e coisas, a ponto de não considerá-lo como um meio de prova propriamente dito [102]. Já outros demonstram maior estima em relação ao reconhecimento de pessoas e coisas como meio idôneo de prova.[103]

 

Há, outrossim, julgados que apontam a necessidade do reconhecimento ser confirmado por outros meios probantes, a fim de ser valorado como prova [104]. Existe, ainda, entendimento no sentido de que o reconhecimento efetuado na fase de inquérito e reiterado na instrução em juízo apresenta grande valor probatório.[105]

 

Em relação ao reconhecimento procedido por meio de imagens reproduzidas (como a fotografia, por exemplo) é matéria na doutrina, tanto no aspecto de ser ou não admissível como meio de prova, já que não previsto expressamente no Código de Processo Penal, como na questão acerca do seu valor probatório. Há julgados que admitem o reconhecimento por meio de fotografias, principalmente no que tange à determinação da autoria, porém ressalva que esse reconhecimento deve ser considerado em conjunto com outros meios de prova [106]. Do exposto, verifica-se que o reconhecimento de pessoas e coisas, assim como acontece com os demais meios de prova, deve ser confirmado por outros elementos probantes.

 

 

4. A DISPENSABILIDADE DO INQUÉRITO POLÍCIAL

 

O art. 12 do Código de Processo Penal dispõe que a denúncia ou a queixa deverão ser acompanhadas pelo inquérito policial “sempre que servir de base a uma ou outra”. Da interpretação gramatical ou literal desse dispositivo, é possível depreender que nem sempre o inquérito policial servirá de fundamento para a denúncia ou a queixa.

 

Portanto, o inquérito policial não é, a rigor, indispensável para a propositura da ação penal. Nesse sentido, Fernando Capez ensina que “inquérito policial não é fase obrigatória da persecução penal, podendo ser dispensado caso o Ministério Público ou o ofendido já disponha de suficientes elementos para a propositura da ação penal”.[107] O próprio Código de Processo Penal, em vários dispositivos, atesta a dispensabilidade do inquérito polícial.

 

Nas hipóteses de crime de ação penal pública, o art. 27, do Código de Processo Penal, dispõe, in verbis: “Art. 27. Qualquer pessoa do povo poderá provocar a iniciativa do Ministério Público, nos casos em que caiba ação penal pública, fornecendo-lhe por escrito, informações sobre o fato e a autoria e indicando o tempo, o lugar e os elementos de convicção”. [108]

 

Nos casos de crime de ação penal pública condicionada, dispõe o art. 39, § 5º, do Código de Processo Penal, in verbis: “§ 5º O órgão do Ministério Público dispensará o inquérito, se com a representação forem oferecidos elementos que o habilitem a promover a ação penal, e, neste caso, oferecerá a denúncia no prazo de 15 ( quinze ) dias”.[109]

 

Outrossim, o art 40, do Código de Processo Penal, dispõe, in verbis: “Art. 40. Quando, em autos ou papéis de quem conhecerem, os juízes ou tribunais verificarem a existência de crime de ação pública, remeterão ao Ministério Público as cópias e os documentos necessários ao oferecimento da denúncia”. [110]

 

Ainda, no art. 46, § 1º, o Código de Processo Penal prevê a dispensabilidade do inquérito policial ao empregar a fórmula, in verbis, “quando o Ministério Público dispensar o inquérito policial.”[111] Note-se, contudo, que os arts. 27, 39, § 5º, 40 e 46, § 1º, referem-se às hipóteses em caiba a ação penal público.

 

Igualmente, há julgados que reconhecem a dispensabilidade do inquérito policial, in verbis: “Não é essencial ao oferecimento da denúncia a instauração de inquérito policial, desde que a peça acusatória esteja sustentada por documentos suficientes à caracterização da materialidade do crime e de indícios suficientes de autoria’ (RTJ, 76/741)”.[112]

 

O inquérito policial, procedimento administrativo de natureza puramente informativa, não é peça indispensável à promoção da ação penal, exigindo-se tão somente que a denúncia seja embasada em elementos demonstrativos da existência do fato criminoso e de indícios de sua autoria’ (6º T., RHC 5.094-RS, rel. Min. Vicente Leal, DJU, 20 maio 1996, p. 16472).[113]

 

Observe-se que, embora existam julgados que entendam ser dispensável o inquérito policial, é reputada imprescindível a existência de elementos de informação justificadores da proposta da ação penal.

 

Há de se ressaltar, outrossim, a possibilidade do Ministério Público agir de oficio, requisitando documentos e informações, com fundamento no art. 47 do Código de Processo Penal. Essa possibilidade poderá ocasionar a dispensa do inquérito policial, se o Ministério Público conseguir obter os elementos de informação só oferecimento da denúncia.

 

Além das hipóteses arroladas no Código de Processo Penal, há vários outros casos de dispensas do inquérito policial, contidos na legislação especial. Como exemplos tem-se a Lei nº 1.0789, de 10.04.1950, que define os crimes de responsabilidade do Presidente da República e outra autoridades; a Lei nº 4.898, de 09.12.65, que define os crimes de responsabilidade administrativa, civil e penal de funcionários públicos; o Decreto-lei nº 7.661, de 21.04.1945, Lei de Falência; a Lei nº 7.106, de 28.06.1983, que define os crimes de responsabilidade do Governador do Distrito Federal, dos governadores dos territórios e dos respectivos secretários; e a Lei nº 5.250, de 09.02.1967, Lei de Imprensa.[114]

 

Embora não haja disposição legal expressa no Estatuto processual penal, para os crimes de ação penal privada Fernando Capez coloca “se o ofendido ou seu representante legal tiver em mãos os elementos necessários à propositura da ação, poderá iniciá-la, sem necessidade de recorrer à Policial para a feitura de inquérito.”[115] Segundo esse mesmo doutrinador, nos casos de crime de tóxico, previstos na Lei nº 6.368/76, a denúncia pode ser oferecida com a apresentação tão somente do auto de prisão em flagrante e do laudo de constatação, dispensando, então, o inquérito policial.[116]

 

De acordo com a Lei nº 9.099/95, que dispõe acerca dos Juizados Especiais Civis e Criminais, nas hipóteses de infrações penais de menor potencial ofensivo (contravenções penais e crimes apenados com no máximo um ano, salvo, no caso dos crimes, se previsto procedimento especial), não haverá instauração de inquérito policial, mas simplesmente será lavrado um boletim de ocorrência, denominado “termo circunstanciado”. Esse termo será encaminhado ao Juizado Criminal, onde a instrução e o julgamento seguirão rito diferenciado, previsto na própria Lei nº 9.099/95.

 

Há, ainda, outros tipos de procedimentos, semelhantes ao inquérito policial, que igualmente servem como peças de informação para fundamentar a propositura da ação penal. Como exemplos, tem-se o inquérito judicial, previsto no art. 103 e seguintes da Lei de Falências, presidido pelo Juiz de Direito; o inquérito parlamentar, previsto na Lei  nº 1.579, de 08.03.1952, desenvolvido pelas Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs); o inquérito penal militar (IPM), previsto no Código de Processo Penal Militar; o Inquérito instaurado por certas infrações ocorridas em áreas alfandegárias, previsto na Lei nº 4.771, de 15.09.1966; o inquérito civil, presidido pelo Ministério Público, previsto na Lei nº 7.437, de 24.078.1935; o inquérito instaurado em razão de infrações cometidas em dependência do Supremo Tribunal Federal, previsto no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal; e os inquéritos instaurados devido a infração penal cometida por Juiz de Direito e por Promotor de Justiça, previstos, respectivamente, na Lei Orgânica Nacional da Magistratura e na Lei Orgânica Nacional de Ministério Público.[117]

 

Portanto, no que tange a obter e fornecer as informações necessárias a fundamentar a propositura de uma ação penal, não é o inquérito policial o único cominho, havendo, então, outras alternativas legalmente previstas.

 

Tratar da possibilidade da não utilização ou mesmo dispensa do instrumento descrito e analisado no presente estudo implica, necessariamente, a realização de uma remissão ao Projeto do Código de Processo Penal oferecido em 15 de agosto de 1.935 que tencionava introduzir o juizado de Instrução e suprimir o inquérito policial no processo penal; tal projeto não se consubstanciou em código, mas já pronunciava a tendência ora estudada.

 

Durante a evolução do direito processual penal verificou-se que, em alguns momentos buscava-se pôr fim ao inquérito policial; em outros, restringir seu âmbito de atuação, empregando tal instrumento em apenas infrações penais específicas; algumas comarcas e regiões do nosso país tentaram, por sua vez, suprimi-lo em dado momento, entretanto, isso não ocorreu e o inquérito policial subsiste, não se trata então de aboli-lo completamente, mais, entende-se que adequado seria, nesse caso verificar em que momento o mesmo deixa de ser essencial para fomentar a ação penal.

 

Pode ocorrer que, em casos excepcionais, o ofendido ou seu representante venha dispensar o inquérito. Aí poderá o interessado iniciar desde logo a ação penal privada, no entanto, é necessária que disponha de elementos para instruir a ação penal.

 

As críticas dirigidas ao inquérito policial normalmente se referem à lentidão de que consta tal procedimento; à parcialidade do material investigativo, ao fato de não constituir prova fidedigna, entre outros, diante do quadro de meios alternativos apresentados há que se perguntar acerca da validade e eficácia de tais meios a fim de perceber se não incorrem nos mesmos erros, ou mais amplamente, se o vício não estaria no funcionamento, independentemente do procedimento empregado.

 

A prática mostra que, na grande maioria das vezes, é o inquérito policial que embasa queixas e denúncias. Exemplo disso reside no fato de que as pessoas, mesmo quando podem oferecer a denúncia diretamente ao Ministério Público preferem encaminhá-la para que a Polícia judiciária o faça, isso ocorre por razões culturais, por ser um órgão especializado para tal, pela maior eficiência para realizar investigações, recursos materiais e financeiros para esse fim especifico, ao passo que o cidadão comum não dispõe de todo esse aparato, isto é, mesmo que se trate de crimes nos quais caiba ação penal publica faz-se a opção pelo inquérito policial, uma vez que esse é realizado de forma mais técnica e especializada obtendo, além de elementos de informação, até mesmo elementos de prova.

 

Nos crimes em que caiba a ação penal privada, o Código de Processo Penal não contempla a possibilidade de dispensabilidade do inquérito policial, mas a doutrina e a jurisprudência concebem tal caminho, pois o particular, assessorado por seu advogado, pode reunir elementos necessários. A despeito disso, muitas vezes o inquérito se mostra importante, especialmente quando a materialidade tenha sido demonstrada de modo precário.

 

Tendo por pressuposto tais considerações entende-se que ao inquérito policial, enquanto prova, não deve ser conferido valor exacerbado e nem reduzido, deve-se optar pelo bom senso no contexto do caso concreto nessas situações; observando que só integrarão o quadro probatório os elementos que forem confirmados durante a instrução em juízo, alguns deles precisarão ser renovados para compor o processo, outros não, o que depende, em parte, das provas serem reais ou pessoais, essas últimas são suscetíveis à renovação.

 

A exemplo das discussões acerca do valor probatório do inquérito judicial, existem, também, alguns meios de prova produzidas na fase de inquérito policial, no que tange a providências feitas com a finalidade de promover a apuração da infração penal e sua autoria e, consequentemente, passam a integrar o quadro de provas, como a confissão, delação, prova testemunhal, prova pericial e outras que não se consubstanciam em provas isoladamente, mas integram o conjunto.

 

Nem sempre o inquérito policial fundamenta a denúncia ou queixa, isto é, não constitui instrumento indispensável à propositura da ação penal, pois não configura fase obrigatória da persecução penal e é inexigível quando o Ministério Público ou o particular já disponham de elementos suficientes para embasar a queixa ou a denúncia.

 

Como mencionado anteriormente, alguns dispositivos do Código de Processo Penal prevêem a dispensabilidade do inquérito policial; em casos específicos; exemplifica tal assertiva o artigo 39, § 5º, in verbis: § 5º, O órgão do Ministério Público dispensará o inquérito, se com a representação forem oferecidos elementos que o habilitem a promover a ação penal, e neste caso, oferecerá a denúncia no prazo de 15 (quinze) dias.

 

Alguns julgados também reconhecem a dispensabilidade do inquérito policial, como o seguinte tendo Presidente Relator o Ministro CELSO DE MELO:

 

“HABEAS CORPUS’ . CRIME DE TORTURA IMPUTADO A DELEGADO DA POILICIA CIVIL. INVESTIGAÇÃO REALIZADA PELO MINISTREIO PUBLICO. COLHEITA DE DEPOIMENTOS. INEXISTENCIA DE NULIDADE. INQUERITO POLICIAL PRESCINDIBILIDADE.

1.           A teor do disposto no art. 129, VI e VIII da Constituição  Federal, e no art. 8º, II e IV da lei Complementar nº. 75/93, o Ministério Publico como titular da ação penal publica, pode preceder a investigações, inclusive colher depoimentos, sendo-lhe vedado, tão somente, presidir o inquérito policial, que é prescindível para a propositura da ação penal.

2.           Precedentes desta Corte e do Supremo Tribunal Federal.

3.           Ordem denegada’[118]

 

Tanto no texto do artigo do Código de Processo Penal como no julgado apresentados anteriormente, verifica-se a possibilidade de dispensabilidade do inquérito policial, entretanto, há que se observar a ressalva que é feita em ambos, pois, para que se aja sem o inquérito, necessário se faz a existência de elementos de informação bastantes à propositura da ação penal. Ao Ministério Público cabe ainda a possibilidade de agir de oficio, requisitando documentos e informações necessários ao oferecimento da denúncia, o que ocasiona a dispensa do inquérito.

Todos sabemos que o inquérito policial, enquanto instrumento de investigação  penal, qualifica-se como procedimento administrativo destinado, ordinariamente,  a subsidiar a atuação persecutória do próprio Ministério Publico, que é – nas hipóteses de ilícitos penais perseguíveis mediante ação  penal de iniciativa publica – o verdadeiro destinatário das diligencias executadas pela policia judiciária ( RTJ 168/896, Rel  Min CELSO DE MELLO).[119]

 

Assevera-se o inquérito policial constituir um conjunto de providências adotadas pela policia judiciária a fim de apurar infrações penais, no que tange à materialidade e à autoria, reunindo os elementos de informação necessários ao oferecimento da denúncia ou queixa crime.

 

Apesar da reconhecida validade e importância do inquérito judicial verifica-se, pelo estudo da legislação processual penal e jurisprudência que tal procedimento não é indispensável, o que fica evidente nos diversos casos que não exigem o inquérito e / ou o substituem por procedimentos análogos, devidamente previstos na legislação, isto é, o inquérito policial constitui o mais conhecido e empregado instrumento para embasar a propositura da ação penal, entretanto, não é a única via hábil para fazê-lo.

 

  Reconhece-se a importância e validade do inquérito policial, mas não há que se negar a possibilidade de que este não figure em algumas peças processuais.

 

Trata-se, desse modo, o inquérito policial, de informativas cujos elementos instrutórios – precipuamente destinados ao órgão da acusação publica – visa, a possibilitar a instauração da  ‘persecutio criminis in judicio’ pelo Ministério Público (FERNANDO DE ALMEIDA PEDRODO, ‘Processo Penal – O Direito de Defesa’, p. 43/45, item n.12,1986, Forense; VICENTE DE PAULA VICENTE DE AZEVEDO, ‘Direito Judiciário Penal’, p. 155,1952, Saraiva; JOSE FREDERICO MARQUES, ‘Elementos de Direito Processual Penal’ , vol. I, p. 153,1961,  Forense).

 

Para o inquérito policial poder integrar o quadro probatório da instrução judicial, é necessário que os elementos de prova colhidos no inquérito sejam confirmados durante a própria instrução em juízo, pois se tratou de matéria de cunho informativo, elementos instrutórios que foram garantidores à persecução penal.

 

É acertado que o ordenamento pátrio positivo conceder á autoridade policial, a atribuição para presidir o inquérito policial,  contudo, essa regra especial de competência, não impede que o Ministério publico, que possui o “dominus litis”, desde com suporte jurídicos legitimadores de suas manifestações, determine a abertura de inquérito policial, ou de outra banda, requisite a policia judiciária  diligencias investigatórias, com finalidade de promover a investigação penal, bem como todos os elementos necessários  a lucidez da verdade real e essências à formação, por ordem do representante do ‘Parquet’, sua ‘opinio delict’.

 

É congruente, no entanto, que, não obste a presidência do inquérito policial incumba à autoridade policial (e não o Ministério Público), nada impede que o órgão da acusação penal possa solicitar a Polícia Judiciária diligências, sem prejuízos de poder acompanhar, ele próprio, os atos de investigação realizados pelos organismos policiais.

 

Essa possibilidade quer ainda subsista sob a égide do vigente ordenamento constitucional foi  bem reconhecida por este Supremo Tribunal Federal, quando esta Corte, no julgamento do RCH 66.176/SC,  Rl. Min. CARLOS MADERIA, ao reputar legitimo o  oferecimento  de denuncia baseada em investigações acompanhadas pelo Promotor de Justiça, salientou, no que se refere às ralações entre Policia Judiciária e o Ministério Publico, que este pode ‘requisitar a abertura de inquérito e a realização de diligências policiais, alem de solicitar esclarecimento ou novos elementos  de convicção  a  qualquer autoridade ou  funcionário(...)’ competindo-lhe, ainda, ‘acompanhar atos investigatórios junto aos órgãos policiais’, embora muito menos, dirigi-lo, quando tem residi-lo a autoridade policial competente’ (RTJ130/1053).[120]

O inquérito policial não constitui pressuposto legitimador da válida instauração, pelo Ministério Publico, da ‘ persecutio criminiso  rescindivelde outras peças exixtentes aliunde r a foemulaçpolicial competente' convicçl Federal, quando esta Corte, no julgam in judicio’. (RTJ 1922/222-223).

Deste modo, constata-se  que o Ministério publico, para oferecer denuncia, não esta amarrado de previas investigações penais  promovidas pela Policia Judiciária, desde que disponha, para tanto, de subsídios mínimos de ciência, constituído em base  empírica idônea, sob pena de o exercício da gravíssima prerrogativa de acusar transformar-se em desenvoltura insensato de poder, convertendo, o processo penal, em intolerável instrumento de arbítrio estatal.

Cabe mencionar, enfim, sem prejuízo do estudo oportuno da questão pertinente à legitimidade imprescindível do poder investigatório do Ministério Público, que o ‘Parquet’ não depende, para efeito de instauração da persecução penal em juízo, da preexistência de inquérito policial, eis que lhe assiste a faculdade de apoiar a formulação da ‘opinio delicti’ em elementos de informação durável de outras peças existentes.

 

4.1. Imprescindibilidade do Inquérito Policial

 

O termo imprescindibilidade significa “qualidade de imprescindível”[121] . Essa idéia, da imprescindibilidade do inquérito policial, é constatável na pratica, no cotidiano do meio jurídico-penal. A tese da imprescindibilidade do inquérito policial é exposta por José Geraldo da Silva, conforme a seguinte colocação:

 

Não obstante seja o inquérito policial mera peça informativa, é o mesmo, hodiernamente, dado acentuado aumento do índice de criminalidade e os poucos recursos do órgão de acusação (Ministério Público), o mais valioso instrumento de que se utiliza o promotor de justiça para oferecimento de denúncia, sito no crimes de ação penal pública .[122]

 

Como visto, o inquérito policial é uma peça de informação, considerada dispensável para a propositura da ação penal. Contudo, há que se ponderar essa noção de dispensabilidade. Embora o ordenamento jurídico pátrio contenha previsões de dispensa do inquérito policial, assim como apresente alternativas para obtenção e encaminhamento das informações indispensáveis à propositura da ação penal, é importante analisar a questão em termos práticos.

 

O art. 12 do Código de Processo Penal dispõe que, in verbis, “o inquérito policial acompanhará a denúncia ou a queixa, sempre que servir de base a uma ou outra”[123]. Entretanto, verifica-se, na realidade, que quase sempre o inquérito policial serve de base para denúncia ou para a queixa. E isto ocorre por vários motivos.

 

Nas hipóteses de crime de ação penal pública, embora o art. 27 do Código de Processo Penal disponha que, in verbis, “qualquer pessoa do povo poderá provocar a iniciativa do Ministério Público”[124], verifica-se, por motivo até mesmo de ordem cultural, que o cidadão comum, na grande maioria das vezes, confia à polícia judiciária a tarefa de obter as informações acerca da infração penal e da respectiva autoria e de repassá-las ao titular da ação penal.

 

Assim acontece porque:

 

a) a polícia judiciária é um órgão técnico, especializado na atividade de obter, organizar e repassar os elementos de informação indispensáveis à propositura da ação penal, ao passo que o cidadão comum não possui conhecimento nem experiência para exercer tal atividade;

 

b) a polícia judiciária, devido a integrar o Poder Público, possui maior capacidade de intervir na vida dos particulares, com o objetivo de obter elementos de informação (como exemplo, a possibilidade de intimar o particular a prestar depoimentos e de realizar buscas e apreensões);

 

c) a polícia judiciária possui mais recursos materiais e financeiros, assim como maior infra-estrutura, para realizar investigações, diligências, e obter elementos de informação;

 

d) o cidadão comum entende, inconscientemente, que a tarefa de apurar a infração penal e sua autoria cabe à polícia judiciária, já que todos pagam tributos para que o Estado mantenha e administre um órgão competente para apurar e esclarecer as infrações penais. Desse modo, é notório que, nos crimes de cão penal pública, é a polícia judiciária, na grande maioria dos casos, que obtém e fornece os elementos de informação para o Ministério Público oferecer a denúncia.

 

Ainda que ocorra a hipótese do art. 27 do Código de Processo Penal, o Ministério Público costuma fazer uso do inquérito policial. Nesse sentido é o entendimento de José Geraldo da Silva:

 

[...] geralmente, o Ministério Público ainda se utiliza do instituto do inquérito policial, pois não é só o fato de existir provas suficientes do crime ou a autoria eu esgotariam o assunto, utilizando-se ainda o promotor de justiça de provas periciais, informações sobre a vida pregressa do indiciado, e outros dados que são providenciados na fase policial. Destarte, apesar da dispensabilidade do inquérito policial, o que se vê na prática é que, quase sempre, o inquérito é a única base de que se serve o órgão acusador para o oferecimento a denúncia.[125]

 

De fato, ainda que qualquer do povo forneça informações ao Ministério Público, é interessante ao próprio titular da ação penal contar com o conteúdo informativo do inquérito policial, já que esse procedimento, por ser realizado de modo muito mais técnico e especializado, permite melhor coleta de elementos de informação e, até mesmo, de elementos de prova, sem dúvida, úteis para o órgão acusador.

 

Outro ponto importante a analisar consiste no fato de que os crimes em que caiba a ação penal pública representam enorme parcela das infrações penais ocorridas em âmbito pátrio. Para constatar isso, basta ver que os delitos de homicídio (art. 121), furto (art.155), roubo (art.157), extorsão mediante seqüestro (art. 159), estelionato (era. 171), previstos no Código Penal, são aqueles de maior incidência no cotidiano nacional, sendo que para todos esses elencados cabe a ação penal pública.

 

Quanto aos crimes de ação penal privada, verifica-se que o Código de Processo Penal não dispõe acerca da possibilidade da queixa ser oferecida com dispensa do inquérito polícial. O entendimento, segundo o qual a queixa pode ser embasada em elementos de informação outros que não obtidos no inquérito, é doutrinário e jurisprudencial. De qualquer forma, o titular da ação penal é o particular, que provoca o órgão jurisdicional ao oferecer a queixa. Dado esse fato, somado à realidade do ofendido encontrar-se assessorado por um técnico do direito, isto é, seu advogado, pode ocorrer com maior freqüência que o próprio particular obtenha os elementos de informação necessários à propositura da ação penal e os repasse diretamente ao órgão jurisdicional, por meio do oferecimento da queixa, dispensando, então, o inquérito policial.

 

Apesar disso, há situações nas quais o inquérito policial mostra-se importante para embasar o oferecimento da queixa. Nesse sentido, veja-se a lição de Rejane Alves de Arruda:

 

[...] o certo é que, considerando crimes de natureza privada, como os contra a honra – em regra de natureza transeunte -, e os contra a liberdade sexual – cometidos na clandestinidade -, o inquérito policial tem relevante papel como instrumento apto à colheita de elementos probatórios suficientes para ensejar a propositura da ação penal.[126]

 

Assim, essa mesma Mestra conclui ser o inquérito policial relevante para a propositura da queixa, naquelas infrações em que a materialidade encontra-se demonstrada de modo precário [127].

 

Por outro lado, ainda que o próprio ofendido obtenha os elementos de informação, é interessante ao titular da ação penal contar com o conteúdo informativo do inquérito policial, já que esse procedimento, por ser realizado de modo muito mais técnico e especializado, permite melhor coleta de elementos de informação e, até mesmo, de elementos de prova, sem dúvida, úteis para a acusação.

 

Na realidade, nas hipóteses de crimes de ação penal pública e privada, ressalvadas as dispensas contidas na legislação especial e considerada a sistemática do direito processual penal que divide a persecução em duas etapas, não há porque prescindir do inquérito policial, já que se trata de procedimento relativamente célere e plenamente idôneo.

 

Quanto às hipóteses de dispensa do inquérito policial contidas na legislação especial, e elencadas no item anterior, constata-se que, na prática, tais hipóteses compreendem situações muito especificas, e representam pequena parcela das infrações penais cometidas em âmbito nacional. O mesmo é possível afirmar quanto aos outros tipos de procedimentos, semelhantes ao inquérito policial, que igualmente servem como peças de informação para fundamentar a propositura da ação penal, também arrolados no item anterior.

 

Das “vias alternativas” em relação ao inquérito policial, aquela que pode se igualar, em termos de incidência, é a prevista na Lei nº 9.099/95, dos Juizados Especiais Criminais, segundo a qual nas infrações de menos potencial ofensivo (contravenções penais e crimes apenados com no máximo um ano, salvo, no caso dos crimes, se previsto procedimento especial), ocorre a substituição do inquérito pelo termo circunstanciado. Esse entendimento é acentuado, se considerado que a Lei nº 10.259/2001 estende a competência dos Juizados Especiais Criminais para os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, ressalvados os crimes para os quais seja previstos procedimento especial.

 

Portanto, em termos práticos, é o inquérito policial a única peça de informação à disposição do Ministério Público, na grade maioria dos crimes de ação penal pública, e à disposição do ofendido, em grande parte dos crimes de ação penal privada. Daí a idéia de ser o inquérito policial imprescindível.

 

A respeito, Bismael Moraes, citado por Adilson Mehmeri, coloca que “na sistemática do Direito Brasileiro, sem a Polícia Judiciária realizando os inquéritos, raríssimas seriam as ocasiões em que os infratores prestariam contas à Justiça Criminal” [128].

 

 

CONCLUSÃO

 

O trabalho de pesquisa empreendido para a realização do presente estudo tornou bastante claros alguns conceitos e definições, bem como a aplicabilidade dos mesmos. Para fins deste estudo o inquérito policial foi entendido como o conjunto de providências adotadas pela polícia judiciária com o intuito de apurar as infrações penais no que tange à materialidade e autoria por meio da reunião de elementos de informação.

 

O instrumento acima descrito caracteriza-se por ser escrito, sigiloso, inquisitivo e dotado de oficialidade, oficiosidade, autoritariedade, indisponibilidade e discricionariedade. O princípio do contraditório não se aplica ao inquérito policial, uma vez que não existe identidade entre a investigação realizada pela polícia judiciária e a instrução promovida pelo Poder Judiciário; nessa última há a observância do princípio mencionado.

 

Pode-se afirmar que o inquérito policial consta de duas finalidades básicas, a saber: apuração da infração penal e sua autoria; embasamento da denúncia ou queixa. A natureza jurídica de tal instrumento é procedimento.

 

Sabe-se que o sistema processual penal adotado pelo ordenamento jurídico pátrio é o sistema acusatório, entretanto, observando os princípios informativos de tal sistema verifica-se que o instituto inquérito policial não está em consonância com os mesmos, o que nos permite inferir que o inquérito policial não constitui atividade jurídica processual. Portanto, torna-se válido afirmar que o processo penal brasileiro consta de duas fazes, a pré-processual, na qual ocorre o inquérito e a processual, constituída pelo rito processual penal propriamente dito.

 

A persecução penal constitui atividade estatal de perseguição à prática criminosa, em relação ao fato ilícito em si e a seu respectivo autor; tal atividade é desenvolvida contra a pessoa acusada de prática de infração penal e visa submetê-la a julgamento. A persecução penal resulta da soma de duas atividades das quais é realizada pela polícia judiciária e se refere à apuração da infração penal e sua autoria por meio do inquérito policial e a outra, desempenhada pelo Ministério Público ou pelo ofendido, mais especificamente, a propositura da ação penal. O inquérito policial integra a atividade de persecução penal por representar a fase de apuração pelo Poder Público.

 

Falar do valor do inquérito policial implica averiguar sua função e adequabilidade no âmbito geral do processo penal. O inquérito policial consta de valor administrativo, pois consiste na materialização, formalização e registro do desempenho das funções e atividades da própria polícia judiciária ao perquirir acerca da infração penal e sua autoria. O valor informativo fica evidenciado ao se conceder o inquérito enquanto peça de informação apta a servir de alicerce fático das peças vestibulares do processo penal.

 

No que tange ao valor probatório do inquérito policial, diversas são as opiniões que giram em torno da possibilidade ou não de o inquérito servir como prova no processo penal. Partindo do pressuposto de que tais provas são extrajudiciais, uma vez que obtidas fora da relação jurídica processual, o fato de inexistir o contraditório durante a fase do inquérito policial, faz com que tal procedimento administrativo tenha valor relativo como prova judicial.

 

Entende-se então que as provas obtidas nessa fase, se exclusivas, não permitirão a prolação da sentença condenatória. Entretanto, embora o inquérito policial não possa, isoladamente, fundamentar uma sentença condenatória por haver lesão ao princípio do contraditório, tal procedimento pode integrar o conjunto de provas aptos a formar a convicção do magistrado, desde que os elementos de prova sejam confirmados durante a instrução em juízo.

 

Verifica-se da análise da jurisprudência que na maioria dos casos o inquérito policial mostra-se imprescindível por constituir a única peça de informação à disposição do Ministério Público nos crimes de ação penal pública e à disposição do ofendido nos casos de ação penal privada, todavia, necessário se faz entender que, embora válido para esses casos não constitui o único instrumento apto a fundamentar a propositura da ação penal, esse entendimento permite a contemplação de outras alternativas e menções à dispensabilidade na legislação processual penal em vigor.

 

Teoricamente, o inquérito policial não é indispensável para a propositura da ação penal, isto é, o inquérito policial não é alicerce fático obrigatório das peças vestibulares do processo penal, consoante atestam diversos dispositivos legais do Código de Processo Penal. Outrossim, verifica-se a existência de vários casos de dispensa do inquérito policial, assim como de substituição de tal instrumento por procedimentos semelhantes previstos na legislação necessários a fundamentar a propositura de uma ação penal, não é o inquérito policial o único caminho, havendo então, outras alternativas legalmente previstas.

 

Diante do exposto, verifica-se que o procedimento administrativo inquisitorial é verdadeiramente dispensável, haja visto existirem meios alternativos para a fundamentação e embasamento da denúncia ou queixa. Contudo, dizer que este pode ser extinto do ordenamento processual penal é por deveras radical, não compreendendo a realidade em que vivem os órgãos judicantes, posto que, na prática na grande maioria das ações penais públicas, é a única peça de informação angariada, que possa servir de alicerce para ofertar-se a inicial acusatória.

 

 

REFERÊNCIAS

 

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[1] FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda, Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa. Rio de Janeiro:Nova Fronteira, 1993,  p. 445.

[2] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2000,  p. 198.

[3] MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo Penal. São Paulo: Atlas, 2004, p.76.

[4] DINIZ , Maria Helena, Dicionário jurídico. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 849.

[5] DE PLÁCIDO E SILVA, Vocabulário jurídico. 27.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 434.

[6] CAPEZ, Fernando, Curso de processo penal. 14.ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p.68-69

[7] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa, Processo Penal,  op. Cit., p. 208-215.

[8] MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo Penal, op. Cit.,  p. 78

[9] Decreto-Lei nº3.698/41, art. 9º.

[10] MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo Penal, op. Cit.,  p. 78; Fernando da Costa TOURINHO FILHO, op. cit  p. 208.

[11] Decreto-Lei nº3.698/41, art. 20, caput.

[12] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 05.10.1988, art. 5º, inc. XXXIII.

[13] Lei nº 8.906/945, art. 7°, inc. XIV.

[14] TOURINHO FILHO,  Fernando da Costa. op. Cit., p. 213.

[15] CAPEZ, Fernando. op. Cit., p. 69.

[16] Idem, op. cit. p. 69.

[17] Idem, op. cit. p. 69.

[18] Decreto-Lei nº 3.689/41, art. 17.

[19] TOURINHO FILHO,  Fernando da Costa. op. cit.,p. 14.

[20] Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 05.10.1988, art. 5° inc. LV.

[21] MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo penal interpretado, p. 84.

[22] Idem. op. cit, p. 85.

[23] Decreto-Lei nº 3.689/41, art. 4º, caput, conforme redação dada pela Lei nº 9.043/95.

[24] Decreto-Lei nº 3.689/41, art. 12.

[25] DINIZ, Maria Helena. op. cit., p. 337.

[26] MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal, p.28.

[27] SOIBELMAN, Leib. Enciclopédia do advogado. 5. ed. ver. e atual. Rio de Janeiro: Thex, 1996, p. 291.

[28] SOIBELMAN, Leib. Enciclopédia do advogado. p. 291.

[29] SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de direito público. 4. ed. ver., atual. E ampl. São Paulo: Malheiros. p. 95.

[30] SOIBELMAN, Leib.  op. cit., p. 291.

[31] Idem. P. 291.

[32] CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel, Teoria geral do processo, 25. ed. ver. e atual. São Paulo: Malheiros, 2009.p. 275.

[33] CAPEZ, Fernando. op. cit., p. 64; MIRABETE, Julio Fabbrini. processo penal, p. 77; MARQUES, José Frederico. Tratado de direito processual penal, p. 164.

[34] CAPEZ, Fernando, op.cit., p. 71.

[35] MIRABETE, Julio Fabbrini. Código de processo penal interpretado, p. 90.

[36] MIRABETE , Julio Fabbrini, Processo Penal, p. 40; SILVA, José Geraldo da, op. cit., p. 34; TOURINHO FILHO, Fernando da Costa, op. cit., p. 90.

[37] MIRABETE , Julio Fabbrini. Processo Penal. P. 41.

[38] CAPEZ, Fernando. op. cit., p. 41.

[39] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit., p. 93-94.

[40] MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal, p. 41; SILVA, José Geraldo da. op. cit., p. 41; TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit., p. 94.

[41] SOIBELMAN, Leib. op. cit., p. 273.

[42] DINIZ, Maria Helena. op. cit., p. 580.

[43] MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal, p. 73.

[44] MARQUES, José Frederico. 3. ed. Campinas: Millennium, 2005. p. 139.

[45] MIRABETE , Julio Fabbrini. Processo penal, p. 73.

[46] DINIZ, Maria Helena. op. cit., p. 694.

[47] LALANDE, André. Vocabulário de filosofia, Porto: Rés.s.d, p. 688.

[48] Idem, op. cit. p. 688.

[49] Idem, op. cit. p. 688.

[50] Idem, op. cit. p. 689.

[51] FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda, op. cit., p. 47.

[52] MIRABETE , Julio Fabbrini, Processo penal, p. 73-74.

[53] ROCHA, Luiz Carlos. Investigação polícial.  São Paulo: Saraiva, 1998, p. 5.

[54] Idem, op. cit. p. 5.

[55] Idem, op. cit. p. 6.

[56] ARRUDA, Rejane Alves de. A importância do inquérito polícial nos crimes de ação penal privada, 5. ed. atual. E ampl. São Paulo: Saraiva. 1999. IDC 02/2.

[57] MIRABETE, Julio Fabbrini. Código de processo penal interpretado, p. 111.

[58] Decreto-lei nº 3.689/41, art. 12.

[59] SOIBELMAN, Leib op. cit., p. 755.

[60] Idem, p. 755.

[61] ARANHA, Adalberto José Q.T. de Camargo. Da prova no processo penal, p. 229.

[62] Idem, op. cit. p. 230.

[63] Idem, op. cit. p. 230.

[64] Idem, op. cit. p. 5.

[65] Idem, op. cit. p. 5.

[66] Idem, op. cit. p. 23.

[67] SOIBELMAN, Leib. op. cit., p. 297.

[68] Idem. op. cit. p. 297.

[69] CAPEZ, Fernando. op. cit., p. 70.

[70] SALLES JÚNIOR, Romeu de Almeida, Inquérito polícial e ação penal, 7. ed., ver., ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 1998.p. 130.

[71] CAPEZ, Fernando. op. cit,. p. 70.

[72] Idem, op. cit. p. 71.

[73] SALLES JÚNIOR, Romeu de Almeida. op. Cit.,p. 128.

[74] Idem, op. cit. p. 131.

[75] Idem, op. cit. p. 132.

[76] MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal, p. 79.

[77] SALLES JÚNIOR, Romeu de Almeida. op. cit., p. 130.

[78] ARANHA, Adalberto José Q.T. de Camargo. op. cit., p. 225-226.

[79] Idem, op. cit. p. 24.

[80] Idem, op. cit. p. 24.

[81] ARANHA, Adalberto José Q. T. de Camargo. op. cit., p. 114.

[82] Ap. 45.611, TACrimSP, Rel. Chiaradia Netto, e Ap. 56.201, TACrimSP, Rel. Edmond Acar, apud Idem, p. 118.

[83] MIRABETE, Julio Fabbrini. Código de processo penal interpretado, p. 469.

[84] RTJ 88/371 e RTJ 747/653, apud Idem, p. 197.

[85] TACrim 1496.431, TASP, Rel. Camargo Aranha, apud Adalberto José Q. T. de Camargo Aranha, op. cit., p. 117.

[86] Ap. 121.869, TACrimSP, Rel. Chiaradia Netto, apud Idem, p. 118-119.

[87] Idem, op. cit. p. 125.

[88] RT, 672/344, apud Idem, p. 127.  

[89] RT, 710/309, e JCAT, 66/4514-5, apud Julio Fabbrini Mirabete, Código de processo penal interpretado, p. 457.

[90] Idem, op. cit. p. 524.

[91] Idem, op. cit. p. 100.

[92] SALLES JÚNIOR, Romeu de Almeida. op. cit., p. 82 e 84.

[93] Como exemplo, veja-se o seguinte julgado: TACrimSP, Rel. Haroldo Luz, RJD 19/130, apud Ronaldo Batista Pinto, prova penal segundo a jurisprudência, p. 252.

[94] MIRABETE, Julio Fabbrini. Código de processo penal interpretado, p. 202.

[95] Romeu de Almeida SALLES JÚNIOR, op. cit., p. 91.

[96] Adalberto José Q. T. de Camargo ARANHA, op. cit., p. 167.

[97] Idem, p. 170; Ronaldo Batista PINTO, op. cit., p. 64.

[98] Item 4.3.3, supra.

[99] Ver. 120.826, TACrim, apud  Adalberto José Q. T. de Camargo Aranha, op. cit., p. 217.

[100] MIRABETE, Julio Fabbrini. Código de processo penal interpretado, p. 517.

[101] ARANHA, Adalberto José Q. T. de Camargo. op. cit., p. 208.

[102] Acrim 98.904, TJSP, Rel. Octávio Stucchi, RJTJSP, 10/506,  apud  Idem, p.  216.

[103] JTACrim, 71/226, apud Idem, p. 216.

[104] HC 57.355, STF, Rel. Min. Cordeiro Guerra,  apud Idem, p. 229.

[105] TACrimSP, Rel. Campos Maia e TACrimSP, Rel. Salvador D’Andréa, apud Ronaldo Batista Pinto, op. cit., p. 329.

[106] JTACrim, 15/146, apud Adalberto José Q. T. de Camargo Aranha, op. cit.,  p. 219.

[107] CAPEZ, Fernando. op. cit., p. 72.

[108] Decreto-lei nº 3698/41, art.27.

[109] Decreto-lei nº 3.698/41, art. 39, § 5º

[110] Decreto-lei 3.689/41, art. 40.

[111] Decreto-lei 3.689/41, art. 46, § 1º.

[112] CAPEZ, Fernando. op. cit., p. 72.

[113] Idem, op. cit. p. 72.

[114] MIRABETE, Julio Fabbrini. Código de processo penal comentado, p. 111.

[115] CAPEZ, Fernando. op. cit., p. 207.

[116] Idem, op. cit. p. 208.

[117] MIRABETE,  Julio Fabbrini. Processo Penal, p. 76.

[118] Habeas Corpus n. 89873. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=89837&classe=HC-MC-AgR. Acesso em 13 de novembro de 2009 às 09:00.

[119] Idem. Op. 118

[120] Idem. Op. 118.

[121] MIRABETE, Aurélio Fabbrini. Processo penal, p. 76.

[122] SILVA, José Geraldo da. op. cit., p. 59.

[123] Decreto-lei nº3.689/41, art. 12.

[124] Decreto-lei nº3.689/41, art. 27.

[125] SILVA, José Geraldo da. op. cit; p. 60.

[126] ARRUDA, Rejane Alves de. A importância do inquérito polícial nos crimes de ação penal privada, IDC 02/2.

[127] Idem. op. cit.

[128] MORAES, Bismael. Direito e polícia, p. 243, apud, MEHMERI, Adilson. Inquérito polícial: dinâmica, p.20.

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