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Resumo:
O artigo conceitua e dá exemplos do que é o princípio da boa-fé, mostrando as diferenças entre objetiva e subjetiva. Também mostra um pouco da história da boa-fé no Brasil e no Mundo.
Texto enviado ao JurisWay em 28/07/2009.
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O PRINCÍPIO DA BOA-FÉ
1 - INTRODUÇÃO
Salientando que o campo de atuação da boa-fé seja bastante vasto, é grande a dificuldade em sua conceituação, em razão de comportar uma série de significados, dependendo do lado em que se olha, seja por um prisma subjetivo ou objetivo, como princípio ou cláusula geral.
O grande valor dado à boa-fé,constitui uma das mais importantes diferenças entre o Código Civil de 1916 e o de 2.002, que o substituiu.
Acredita-se que a Boa-Fé, ou sua noção, surgiu a priore no Direito Romano, tendo uma conotação, uma hermenêutica diferenciada pelos juristas alemães, em Roma, pode-se afirmar que “A fides seria antes um conceito ético do que propriamente uma expressão jurídica da técnica. Sua jurisdição só iria ocorrer com o incremento do comércio e o desenvolvimento do jus gentium, complexo jurídico aplicável a romanos e a estrangeiros”, no direito Alemão, o que se entende por boa-fé é a fórmula do Treu und Glauben (lealdade e confiança), regra que era observada nas relações jurídicas, e, que se aproxima da interpretação que ocorre no Brasil.
No Brasil, a Constituição Federal de 1988, nos trouxe alguns princípios de grande relevância, além de promover uma reinterpretação do direito civil e processual civil. A Primeira
Hoje em dia, a boa-fé age principalmente como princípio amparado pela ética inspiradora da ordem jurídica e a aplicação das normas existentes. Diante de um princípio de tão grande importância, podemos afirmar que é um dos princípios que mais influencia o sistema jurídico brasileiro, representando o reflexo da ética no fenômeno jurídico.
A boa-fé é o foco, na esfera do qual girou a alteração da Lei Civil Brasileira, da qual cumpre salientar dois artigos, o de nº 113, segundo o qual “os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração”, e o art. 422, que assevera in verbis, “os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.
Nesse sentido, a ilustre doutrinadora Cláudia Lima Maerques, define boa-fé, e, ainda, boa-fé objetiva da seguinte forma:
“(...) uma atuação “refletida”, uma atuação refletindo, pensando no outro, no parceiro contratual, respeitando seus interesses legítimos, seus direitos, respeitando os fins do contrato, agindo com lealdade, sem abuso da posição contratual, sem causar lesão ou desvantagem excessiva, com cuidado com a pessoa e o patrimônio do parceiro contratual, cooperando para atingir o bom fim das obrigações, isto é, o cumprimento do objetivo contratual e a realização dos interesses legítimos de ambos os parceiros. Trata-se de uma boa-fé objetiva, um paradigma de conduta leal, e não apenas da boa-fé subjetiva, conhecida regra de conduta subjetiva do artigo 1444 do CCB. Boa-fé objetiva é um standard de comportamento leal, com base na confiança, despertando na outra parte co-contratante, respeitando suas expectativas legítimas e contribuindo para a segurança das relações negociais”
Assim, insta ressaltar que a boa-fé constitui uma norma que condiciona e legitima toda experiência jurídica, desde a interpretação dos mandamentos legais e das cláusulas contratuais, até as suas últimas conseqüências.
2 – DESENVOLVIMENTO
Para se desenvolver um tema tão abrangente como a boa-fé, é necessário fazer a distinção entre a boa-fé subjetiva e a boa-fé objetiva, a que iremos nos aprofundar.
2.1 - A boa-fé subjetiva
A boa-fé subjetiva é também conhecida como boa-fé crença, isto porque, diz respeito a substâncias psicológicas internas do agente.
É conhecida pela maioria dos operadores da ciência jurídica, pela simples razão de estar presente no código Civil de 1916, em linhas gerais, como já fora observado no parágrafo anterior, consiste em uma situação psicológica, estado de espírito ou ânimo do sujeito, que realiza algo, ou, vivência um momento, sem ter a noção do vício que a inquina.
Geralmente, o estado subjetivo, deriva da ignorância do sujeito, a respeito de determinada situação, ocorre, por exemplo, na hipótese do possuidor da boa-fé subjetiva, que desconhece o vício que macula a sua posse. Assim, neste caso do exemplo, o legislador cuida de ampará-lo, não fazendo o mesmo em relação ao possuidor de má-fé.
Na aplicação dessa boa-fé, o juiz deverá se pronunciar acerca do estado de ciência ou de ignorância do sujeito. O doutrinador Menezes Cordeiro, esclarece sobre tal afirmação:
"Perante uma boa-fé puramente fática, o juiz, na sua aplicação, terá de se pronunciar sobre o estado de ciência ou de ignorância do sujeito. Trata-se de uma necessidade delicada, como todas aquelas que impliquem juízos de culpabilidade e, que, como sempre, requer a utilização de indícios externos. Porém, no binômio boa-má fé, o juiz tem, muitas vezes, de abdicar do elemento mais seguro para a determinação da própria conduta. (...) Na boa-fé psicológica, não há que se ajuizar da conduta: trata-se, apenas de decidir do conhecimento do sujeito. (...) O juiz só pode propanar, como qualquer pessoa, juízos em termos de normalidade. Fora a hipótese de haver um conhecimento direto da má-fé do sujeito – máxime por confissão – os indícios existentes apenas permitem constatar que, nas condições por ele representadas, uma pessoa, com o perfil do agente, se encontra, numa óptica de generalidade, em situação de ciência ou ignorância."
O grande doutrinador, Dr. Bruno Lewicki, esclaresse sobre a concepção de boa-fé subjetiva:
“(...) ligada ao voluntarismo e ao individualismo que informam o nosso Código Civil, é insuficiente perante as novas exigências criadas pela sociedade moderna. Para além de uma análise de uma possível má-fé subjetiva no agir, investigação eivada de dificuldades e incertezas, faz-se necessária a consideração de um patamar geral de atuação, atribuível ao homem médio, que pode ser resumido no seguinte questionamento: de que maneira agiria o bônus pater familiae, ao deparar-se com a situação em apreço? Quais seriam as suas expectativas e as suas atitudes, tendo em vista a valoração jurídica, histórica e cultural do seu tempo e de sua comunidade”
“A resposta a esses questionamentos, encontra-se na boa-fé objetiva, sendo que esta, consiste em uma imprescindível regra de comportamento, umbilicalmente ligada à eticidade que se espera seja observada em nossa ordem social.”
Cumpre mais uma vez salientar que apenas no que se refere à boa-fé subjetiva é que pode se utilizar do consagrado brocado do doutrinador Stoco de que "a boa-fé constitui atributo natural do ser humano, sendo a má-fé o resultado de um desvio de personalidade”.
Assim, podemos chegar a conclusão que a boa-fé subjetiva se refere ao estado psicológico da pessoa, consistente na justiça, ou, na licitude de seus atos, ou na ignorância de sua antijuricidade. Alípio Silveira a chamou de boa-fé crença, conforme já citado e Fábio Ulhoa Coelho definiu como “a virtude de dizer o que acredita e acreditar no que diz”. Assim, aquele que se encontra em uma situação real, e imagina estar em uma situação jurídica, age com boa fé subjetiva.
2.2 – A boa – fé Objetiva
A boa-fé objetiva se apresenta como um princípio geral que estabelece um roteiro a ser seguido nos negócios jurídicos, incluindo normas de condutas que devem ser seguidas pelas partes, ou, por outro lado, restringindo o exercício de direitos subjetivos, ou, ainda, como um modo hermenêutico das declarações de vontades das partes de um negocio, em cada caso concreto.
Ao se ter um lado objetivo para o princípio da boa-fé, o juiz deixou de ter que seguir estritamente o que consta em lei, podendo fazer a justiça, de modo singular em cada caso concreto apareça.
Como prova dos bons ventos da influência alemã, é que o Código Civil italiano (1942), português (1966), espanhol (1974) dentre outros, aderiram ao princípio da boa-fé objetiva em suas jurisdições.
A boa-fé objetiva, ou simplesmente, boa-fé lealdade, relaciona-se com a lealdade, honestidade e probidade com a qual a pessoa mantém em seu comportamento.
Trata-se, de ética, um exemplo dessa mencionada ética é um dever de guardar fidelidade à palavra dada ou ao comportamento praticado, na idéia de não fraudar ou abusar da confiança do outrem. Não se opõe à má-fé, quem o faz é a boa-fé subjetiva, nem tampouco tem relação com o fato da ciência que o sujeito possui perante a realidade.
Importante destacar que somente com a criação do Código do Consumidor em 1990, é que a boa fé objetiva foi realmente consagrada em nosso ordenamento jurídico, derivada dos dizeres constitucionais, essa modalidade de boa-fé começou então a ser utilizada para interpretações contratuais, integração de obrigações pactuadas, mostrando-se absolutamente fundamental, para que as partes de um negócio jurídico pudessem agir com lealdade perante o outrem, até o cumprimento de suas obrigações.
O culto Menezes Cordeiro, em obra sobre o tema, acrescenta que: “A boa-fé apenas normatiza certos factos que, estes sim, são fonte: mantenha-se o paralelo com a fenomenologia da eficácia negocial: a sua fonte reside não na norma que mande respeitar os negócios, mas no próprio negócio em si.”
No mesmo seguimento, cumpre-nos observar que a doutrina, destaca as seguintes funções da boa-fé objetiva:
Função interpretativa e de colmatação;
Função criadora de deveres jurídicos anexos ou de proteção;
Função delimitadora do exercício de direitos subjetivos.
2.2.1 – Função interpretativa e de colmatação.
É a função mais conhecida pela doutrina, sendo que nesta, o operador do direito tem, na boa-fé objetiva, um referencial de interpretação de grande valia, para poder extrair do objeto de questão, o sentido moral mais recomendado e socialmente mais útil.
Essa função tem a estreita conexão com o art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil, o qual o juiz deve aplicar a lei, atendendo os seus fins sociais e os questionamentos do bem comum.
O art. 113 do C.C. dispõe desta base interpretativa:
“Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração”
No mesmo sentido, insta ressaltar que a boa-fé objetiva serve como um alicerce de colmotação para orientar o magistrado em casos que ocorram integração de lacunas.
2.2.2 – Função criadora de deveres jurídicos anexos ou de proteção.
A boa-fé possui essa importante função criadora de deveres anexos ou de proteção.
Sem querer esgotar tais deveres, somente a título de exemplificação, vale mencionar os deveres mais conhecidos:
Lealdade e confiança recíprocas;
Assistência;
Informação;
Sigilo ou confidencialidade.
Todos esses, e, ainda, os não citados, já que este rola não é taxativo, derivam desta grande força criadora da boa-fé objetiva.
2.2.3 – Função delimitadora do exercício de direitos subjetivos.
Por fim, tem-se a função delimitadora do exercício de direitos subjetivos.
A boa-fé objetiva, além de outros, também tem o condão de evitar o exercício abusivo aos direitos subjetivos. Algo que raramente existe nos dias de hoje, essa “tirania dos direitos”.
Por isso que não se pode mais aceitar, algo como as “cláusulas leoninas ou abusivas”, seja em relações de consumo, ou, contratos cíveis em geral.
Um exemplo real do tema em comento, é o dispositivo contratual que prevê a impossibilidade de se aplicarem as normas da teoria da imprevisão (onerosidade excessiva), em prol de parte prejudicada.
Assim, observamos que cabe também à boa-fé, essa função delimitadora.
Sobre o assunto, vale frisar os artigos 51 do CDC e 187 do C.C.
2.3 - O art. 422 do Código Civil.
Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé. (grifos nossos)
A função integrativa da boa-fé advém do art. 422 do C.C. Além de servir à interpretação do negócio jurídico, a boa-fé é na verdade uma fonte, criadora de deveres jurídicos para as partes. Tanto antes, quanto durante e depois, deve-se agir pelo princípio da boa-fé em uma realização de negócio jurídico entre partes.
3 – CONCLUSÃO
Não podemos deixar de reverenciar este tão grandioso princípio, este que como supracitado, é um dos principais princípios do ordenamento jurídico, servindo como base para outros demais.
O princípio boa-fé objetiva se estabelece em uma regra ética, em um grande dever de guardar fidelidade à palavra dada ou ao comportamento praticado, na idéia de não fraudar ou abusar da confiança alheia, o respeito e a obrigação. Como já argumentado anteriormente, não surgiu com o Código Civil de 2002 ou mesmo com o Código de Defesa do Consumidor, mas, ao contrário, passou por uma lenta e gradativa evolução, desde os tempos romanos, passando pelo direito alemão, sendo que, pelo legislador constituinte de 1988 foi reconhecida e erguida à condição de princípio, adquirindo o status de fundamento ou qualificação essencial da ordem jurídica. Isto significa dizer que atua como postulado ético inspirador de toda ordem jurídica e que, por fim, sempre deverá ser aplicado no caso concreto. Nos dias atuais, não há como não se reconhecer a sua incidência em todos os temas de direito civil, direito processual civil e direito do consumidor.
Diego Martins Silva do Amaral - OAB/GO 29.269
Comentários e Opiniões
1) Geovanni (22/05/2010 às 10:34:05) O texto ora apresentado condiz completamente com a importância e relevância do assunto tratado, esclarece dúvidas e enriquece o conhecimento daqueles que o buscam.Parabéns pela matéria. | |
2) Leilane (17/06/2010 às 21:05:27) Fiz uma prova ontem e uma das perguntas era sobre o tema boa fé.Creio que minha resposta tenha sido boa pois comparei com o texto, e pude ainda acrescentar mais conhecimento.Vou usar mais esta ferramenta como estudo. | |
3) Marcos (03/12/2012 às 14:48:57) Parabenizo ao nobre amigo por táo precioso trabalho, o mesmo foi de grande serventia para o desenvolviemnto de meus conhecimentos, bem como um assunto que aborda o dia a dia de nós cidadãos. | |
4) Cezar (08/09/2014 às 11:38:49) Prezado colega foi com muita satisfação que encontrei seu artigo; sou advogado, registrado na OABRJ mas não exerço a atividade, e lhe confesso minha surpresa em vc me revelar todo esse embasamento doutrinal e juridico da materia. Gratissimo e parabens pela matéria! | |
5) Viviane (07/10/2014 às 16:55:04) O artigo realmente é muito bom e esclarece bastante acerca do tema, mas não localizei as referências ao final, então peço ao autor para que disponibilize estas informações também. | |
6) Gerson (21/10/2015 às 06:32:18) Parabenizo pela qualidade do testo e conteúdo explanado, sendo de grande contribuição para construção do entendimento. | |
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