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Resumo:
Com o descumprimento de um dos requisitos tocantes a sua validade, o negócio jurídico torna-se anulável. Fica evidente o quanto é preciso que estas noções básicas de direito civil se disseminem, concebendo à população "armas" para combater os vícios.
Texto enviado ao JurisWay em 17/03/2012.
Última edição/atualização em 09/08/2012.
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Orientador: Patrick Lendl Silva [1]
INTRODUÇÃO
Diante de um negócio onde nos sentimos prejudicados, enganados, ou ainda com a sensação de que não era exatamente aquilo que esperávamos, em regra, cabe ao leigo a indignação. No entanto, em muitos casos, este engano pode se tratar de um dos elementos caracterizadores de negócios jurídicos defeituosos. Fato que não pode passar despercebido. Donde se verifica a existência de “remédios” no Código Civil brasileiro atual, proporcionando, assim, a anulação destes negócios.
Em conformidade, o presente estudo objetiva abordar de maneira concisa, clara e objetiva os chamados defeitos do negócio jurídico, de modo a apontar as características peculiares de cada um, seus requisitos e suas consequências jurídicas. Isto é, buscará perquirir e demonstrar: o que é preciso conter no fato real para considerá-lo viciante ao negócio jurídico, vez que mesmo tendo dois casos semelhantes pode acontecer de um ser viciado e o outro não, precisando se fazer a análise detalhada de cada caso; e ainda o que este vício será capaz de provocar no mundo jurídico, quais alterações e por qual forma.
Iniciar-se-á a análise com breves conceitos e com conseguinte classificação dos defeitos, verificando-se que com o novo código civil de 2002 vieram alterações de suma importância, principalmente no que toca às consequências jurídicas, à lesão, ao estado de perigo e à simulação.
Por fim, o enfoque passa a ser na participação do terceiro na produção de defeitos, no modo dessa relação e nos efeitos produzidos. Tendo em vista que, apesar de não participar diretamente na relação, o terceiro é capaz de viciar o negócio jurídico.
Ainda, ressalta-se a importância de a população conhecer os defeitos. Ao passo que aos olhos leigos os negócios viciados ganham aparência de legalidade e de validade absoluta. Contudo, como se verá, tendo conhecimento a respeito, a pessoa que venha a ser parte integrante de um negócio viciado poderá alegar o vício e requerer a anulação.
Partindo deste viés, o presente artigo objetiva proporcionar este conhecimento, de modo a ser de fácil entendimento, simples e direto, buscando ser uma ferramenta em prol da disseminação do conhecimento jurídico, ao menos em suas noções básicas, que apesar de básicas já poderão ser capazes de aproximar a população leiga de seus direitos e, principalmente, da justiça fática.
1 DEFEITOS DO NEGÓCIO JURÍDICO
Antes de adentrarmos efetivamente nos conceitos a serem estudados, vejamos um exemplo: dois indivíduos realizam um negócio jurídico de compra e venda de um carro. O comprador, entretanto, não apresentava muito interesse na compra até o momento em que o vendedor deu-lhe a informação, maliciosa, de que, na verdade, tratava-se de uma relíquia. O carro, segundo os dizeres do vendedor, era de uma linha de edição especial, na qual apenas alguns poucos “sortudos” teriam adquirido. Sabendo da característica especial do veículo, o comprador foi convencido e o negócio foi fechado. Todavia, o veículo não passava de um carro normal. O indivíduo que comprou o carro havia tido uma visão diversa da realidade, impulsionado pela informação dada pelo vendedor.
Nesse caso, estamos diante de um defeito do negócio jurídico. Mais especificamente, o dolo. A partir da identificação dele, ou de alguns outros defeitos que serão analisados a seguir, surge a possibilidade de “remediá-lo” com a efetiva anulação do negócio jurídico.
Sendo assim, passemos ao estudo dos defeitos do negócio jurídico (também chamados de vícios). Os quais, a partir de Silva (2011, p. 48), são divididos em duas categorias principais: os vícios de consentimento (erro ou ignorância, dolo, coação, estado de perigo e lesão) e os vícios sociais (fraude contra credores e simulação).
1.1 Vícios de consentimento
Os vícios de consentimento aparecem quando há um defeito na manifestação de vontade, do desejo, do querer de uma das partes. Ou seja, a vontade declarada no negócio jurídico, por vários motivos que irão caracterizar cada um destes vícios, é diversa da vontade sentida. A pessoa pensa de uma forma e realiza de outra. Tais vícios agem no desequilíbrio da atuação relativa à vontade do declarante. Vez que a infiltram, sob forma de motivos, originando a deliberação e estabelecendo o conflito perante a vontade real.
Segundo Venosa (2007, p. 366), os vícios de consentimento atuam na vontade intrínseca do agente, tornando esta manifestação de vontade viciada, defeituosa. Dessa forma, na falta de tais determinantes, o indivíduo declarante da vontade viciada poderia ter realizado o negócio jurídico de outra maneira ou até mesmo poderia não ter realizado o negócio.
Tendo em vista que um negócio jurídico defeituoso não pode e não deve ser tratado de maneira igualitária a de um negócio jurídico sem vícios, e sob a condição de cumprirem determinados requisitos exigidos para a caracterização de cada um, a serem vistos a seguir, a consequência jurídica destes vícios pode ser a anulabilidade dos negócios viciados.
1.1.1 Erro ou ignorância
A forma mais simples de um vício de consentimento acontece quando temos a presença do erro ou da ignorância. Estando caracterizado o erro quando o agente tem uma representação distorcida dos fatos, e a ignorância quando o agente desconhece a realidade. Apesar da diferença, ambos recebem o mesmo tratamento jurídico por serem vontades em desacordo com a realidade. Nestes vícios, o agente erra, vicia o negócio sozinho. Sem a interferência de nenhuma outra pessoa ou vontade.
Ainda, Beviláqua (1955, p. 327) nos ensina que “erro num sentido geral é uma noção inexata, não verdadeira, sobre alguma coisa, objeto ou pessoa, que influencia a forma da vontade”.
Aplicando ao exemplo citado no início do presente artigo, se o comprador do carro tivesse tido uma visão distorcida, falsa, no tocante à característica do carro, ou seja, se ele tivesse se enganado e imaginado ser uma relíquia, sem a contribuição de nenhum comentário do vendedor para isso, ele estaria viciando o negócio jurídico por estar em erro.
Todavia, para se ter a hipótese de anulabilidade do negócio jurídico, partindo do princípio de que os acordos são feitos para serem cumpridos (pactum sunt servanda), o erro deve preencher determinados requisitos. Os quais, segundo Silva (2011, p. 52-53), são: o equívoco deve dizer respeito à substância, às circunstâncias e aos aspectos relevantes do negócio jurídico, devendo incidir sobre o próprio negócio jurídico (error in negotio), sobre o seu objeto (error in corpore rei), sobre os seus agentes (error in persona) ou sobre o direito (error juris); o erro deve ser cometido por pessoa sensata, de atenção e inteligência medianas, não se admitindo o erro grosseiro, escandaloso, de fácil percepção; e, por fim, o erro ou ignorância deve ser conhecido ou reconhecível pela parte contrária.
1.1.2 Dolo
No dolo, outra vez, o agente age em erro, tendo assim uma falsa percepção da realidade. Entretanto, o que diferencia o dolo do vício anterior é o fato de que no dolo a vontade se encontra em desacordo com a realidade devido à malícia empregada pela outra parte do negócio, como visto no exemplo citado no início do presente artigo, ou por um terceiro (em alguns casos). Destarte, o agente não erra sozinho. A falsa percepção da realidade é provocada.
De acordo com a clássica definição de Beviláqua (1955, p. 331), “dolo é o artifício ou expediente astucioso, empregado para induzir alguém à prática de um ato, que o prejudica, e aproveita ao autor do dolo ou a terceiro”. Verificando-se que o dolo pode se realizar mediante comissão ou omissão (artigo 147, do Código Civil).
Contudo, não é todo negócio jurídico onde esteja presente o dolo que será anulável. Conforme Contadin (s.d., s.p.),
em suma síntese, o dolo, enquanto vício do consentimento e, portanto, defeito do ato jurídico capaz de autorizar a sua anulação, necessita ser a causa determinante do ato (ser principal) e possuir gravidade (constituir-se como dolus malus). Se assim não for, poderá caracterizar-se somente como mero ato ilícito, cuja consequência é a de gerar obrigação de reparar o prejuízo experimentado.
Isto é, quando o dolo não for a causa determinante ou não possuir gravidade, o negócio não será anulável. Dizendo-se mais, quando o dolo for de procedência de ambas as partes, não se poderá alegá-lo para anular o negócio, ou para reclamar indenização (artigo 150, do Código Civil).
Ressalta-se ainda que quando na ausência do dolo o negócio ainda teria sido realizado, mesmo que por outro modo, temos dolo acidental, que não será causa da anulabilidade do negócio jurídico. O dolo acidental, como visto no art. 146 do Código Civil de 2002, só obriga à satisfação das perdas e danos.
1.1.3 Coação
Por sua vez, entende-se por coação no negócio jurídico quando o agente, em frente a ameaças contra si ou contra familiares (ou ainda em alguns casos contra não familiares) é coagido, ou seja, forçado a realizar o negócio. Sem tal coação o agente não teria realizado o negócio, ou teria realizado de forma diversa.
Em consonância com os dizeres de Silva (2011, p. 72-73), não se caracteriza coação como hipótese de anulabilidade do negócio jurídico quando ela for absoluta (por meio de constrangimento físico). Pois, em meio à coação absoluta o negócio jurídico nem sequer existe. Ao passo que não houve manifestação de vontade, elemento essencial para sua existência. Sendo assim, a coação aqui tratada como defeito do negócio jurídico é a coação relativa, o constrangimento ou ameaça que se faz a determinada pessoa, de causar dano grave e atual a ela própria, à sua família, aos seus bens ou a não familiares (conforme o caso).
Os requisitos para a anulação do negócio jurídico com base na coação, dispostos por Venosa (2007, p. 397-403), são: a coação deve ser a causa do negócio; deve haver ânimo de extrair o consentimento para o negócio; a ameaça deve revestir-se de certa gravidade; a ameaça não pode ser acompanhada do exercício regular de um direito, por não caracterizar coação (como ao ameaçar pedir a falência do devedor), ou de temor reverencial; o dano deve ser atual ou iminente e evitável, onde o temor seja de dano palpável para as condições da vítima; e a ameaça deve ser à pessoa ou aos bens da vítima, ou pessoas de sua família (cabendo à coação contra não familiares a decisão em cada caso).
1.1.4 Estado de perigo
O estado de perigo é o clássico “faço qualquer coisa para sobreviver”. O que colocado de forma mais clara significa que o estado de perigo se caracteriza enquanto vício do negócio jurídico quando o agente assume obrigação demasiadamente onerosa, para salvar sua própria vida ou a de um familiar, perante iminência de grave dano de conhecimento da outra parte.
Vejamos um exemplo: uma pessoa está se afogando em alto mar, e um pescador que passa pelo local pede uma quantia milionária para efetuar o resgate. O negócio é fechado e o resgate feito. Contudo, trata-se de um negócio jurídico viciado, vez que a obrigação assumida pela pessoa que estava se afogando era demasiadamente onerosa e o dano era conhecido pelo pescador. Logo, o negócio é anulável por conter o vício estado de perigo.
Para Cera (2011, s.p.), são requisitos do estado de perigo: possibilidade da ocorrência de grave dano; conhecimento desse grave dano pela parte contrária; que esse grave dano possa atingir a própria pessoa que contrata ou membro de sua família; que a parte se sinta pressionada a assumir obrigação excessivamente onerosa, para salvar-se ou a membro de sua família.
1.1.5 Lesão
Perante a desproporcionalidade de valores (reais e pagos) surge a possibilidade de alegar-se lesão. Onde a prestação e a contraprestação não se equivalem, em razão do abuso de uma necessidade ou da inexperiência de uma das partes. Porém, este vício não era previsto no Código Civil de 1916.
Tendo em vista que não se trata de uma liberalidade, tal negócio jurídico atua em sentido contrário aos princípios norteadores do direito civil brasileiro, que visam proteger ambas as partes.
Neste sentido, Ruy (2008, s.p.) retrata que
para a caracterização da lesão são necessários dois requisitos técnicos: o primeiro requisito é objetivo - trata da desproporção entre as prestações pactuadas, estabelecidas no contrato, ou seja, se refere à equivalência prestacional; o segundo requisito é subjetivo que está relacionado com o estado psicológico das partes - trata do abuso da necessidade ou da inexperiência de uma das partes.
Para Pereira (2001, p. 1-35), a caracterização da lesão não toma como alicerce tão somente a existência do dano, entretanto, também se exige que o agente tenha a intenção de abusar do estado de necessidade ou inexperiência da outra parte, o que significaria que há a necessidade do dolo de aproveitamento. Todavia, o STJ tem decidido em sentido contrário (Resp 434687/RJ), apontando que o legislador não exigiu o dolo de aproveitamento.
1.2 Vícios sociais
Enquanto nos vícios de consentimento o defeito se apresenta na manifestação de vontade de uma das partes, nos vícios sociais a vontade não apresenta defeitos. Em consonância, o defeito presente nos vícios sociais se encontra na intencionalidade constituinte da vontade. O agente age em prejuízo de outrem.
Segundo Filho (2007, p. 36),
os vícios sociais [...] desacatam o ordenamento jurídico em si porque representam, no mais das vezes, uma mentira no cerne do negócio jurídico. O ato negocial é utilizado como instrumento de uma falsidade ou com o intuito de trazer um benefício espúrio a alguém (normalmente um dos contratantes). Veja-se [...] que a formação do vício social é interna, isto é, parte dos próprios contratantes que, com o objetivo de enganar outrem (simulação) ou de auferir certa vantagem (fraude contra credores), manifestam uma vontade em desconformidade com aquilo que realmente desejam (simulação) ou que acarrete prejuízos a terceiros (fraude contra credores).
Quanto às consequências jurídicas, a fraude contra credores assemelha-se aos vícios de consentimento. De modo a fazer surgir a anulabilidade. No entanto, a simulação, sob a ótica do atual código civil brasileiro, não gera a anulabilidade, e sim se trata da própria nulidade do negócio jurídico.
1.2.1 Fraude contra credores
A fraude contra credores assume a face de vício social no momento em que o devedor já insolvente pratica negócios jurídicos (ou se torna insolvente a partir deles) envolvendo os bens restantes em seu patrimônio, prejudicando o credor, que tem sua garantia usurpada.
Venosa (2007, p. 424) ensina que “é fraude contra credores qualquer ato praticado pelo devedor já insolvente ou por esse ato levado à insolvência em prejuízo de seus credores”.
“Na fraude contra credores, o preceito a ser protegido é a defesa dos credores, a igualdade entre eles e o patrimônio do devedor, enfim, a garantia dos créditos. Trata-se, pois, de aplicação do conceito mais amplo de fraude” (VENOSA, 2007, p. 423). Tendo em vista que no momento em que o devedor negocia os seus bens (já estando insolvente ou se tornando devido a este negócio) ele está, sob certo prisma, negociando bens que já não são mais seus de fato. Comparando-se à venda de objetos cuja propriedade não lhe pertence (confundindo-se com a não observância de um dos requisitos a serem analisados perante a validade do negócio jurídico, o requisito “agente capaz e legitimado”).
A partir de Almeida (2002, s.p.), nota-se que
os requisitos da fraude contra credores são os seguintes: a) má-fé (malícia do devedor); e b) a intenção de impor prejuízo ao credor. Não se exige, como visto, que o devedor tenha o animus nocendi, isto é, a intenção deliberada de causar prejuízo. Deve, contudo, apresentar a consciência de que se está produzindo um dano.
1.2.2 Simulação
No concernente à simulação, Silva (2011, p. 101) vem nos dizer que “[...] pode ser entendida como a manifestação de vontade enganosa, que tem por objetivo a produção de efeitos jurídicos distintos daqueles pretendidos pelas partes”. Miranda (1970, p. 375) completa, “em tal maquinação, algo se ostenta exteriormente, algo de exterior se mostra, enquanto algo de verdadeiramente intrínseco entendem os figurantes. Ostenta-se o que não se quis; e deixa-se, inostensivo, aquilo que se quis”.
Destarte, na simulação, prevalece a ilusão e a mera aparência. O negócio jurídico permeado pela simulação surge para “parecer” aos olhos de terceiros, uma falsa visão das vontades manifestadas.
De acordo com Filho (2007, p. 113), caracteriza-se a simulação no negócio jurídico quando o propósito das partes diverge, de forma intencional, dos efeitos que ambas as partes estão dispostas a acordar. Isto é, não há a presença de erro na vontade, e sim a intenção de fazer parece algo, ocultando a vontade verdadeira do declarante e restando, apenas, aquela que a vítima entende como única.
Para evitar qualquer eventual confusão com dolo, Venosa (2007, p. 485) aponta a distinção entre simulação e dolo como sendo a presença de apenas uma parte conhecedora do artifício malicioso no dolo e a existência de dolo de ambas as parte contra terceiros na simulação.
Em vista de maior esclarecimento, analisemos o exemplo que Venosa (2007, p. 485) nos traz: um homem casado decide fazer uma doação para sua amante (negócio jurídico anulável). Porém a faz mascaradamente, sob a forma de venda. Para qual ele mesmo fornece o dinheiro.
Neste negócio jurídico, encontram-se os requisitos da simulação: há ato bilateral; há prévio ajuste entre o doador, pseudovendedor, e donatária, pseudocompradora (mancomunação); não há correspondência do negócio com a real intenção das partes que nunca pretenderam realizar compra e venda, pretendiam a própria doação; e é negócio formalizado com a intenção de enganar terceiros (no caso em específico, cônjuge e herdeiros do doador). (VENOSA, 2007, p. 485).
No tocante às consequências jurídicas, Sacramone (2006, p. 2) retrata que
o Novo Código Civil não mais trata a simulação maliciosa como defeito do negócio jurídico e sim como causa de nulidade deste. Rompe assim com a tradição do direito pátrio que a considerava como defeito ligado ao interesse particular das partes. Desta forma, estabelece o artigo 167 do novo normativo que "é nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma".
Todavia, faz-se ainda distinção quanto ao tratamento de cada tipo de simulação. A simulação absoluta gera a nulidade do negócio jurídico, enquanto as partes não tenham a vontade real de criar efeitos, como elemento de fato necessário a formação do negócio jurídico. Embora excepcionalmente possa gerar direitos quanto a terceiros de boa-fé. Por outro lado, a simulação relativa no negócio jurídico não gera a nulidade se for simulação inocente, isto é, quando o negócio aparente não se realizou para ocultar uma relação jurídica que atuaria em prejuízo de terceiros. A partir da interpretação do artigo 167 do Código Civil de 2002, não se considera a relação jurídica aparente, que as partes quiseram transparecer, simular, à coletividade, porém subsistiria a relação jurídica dissimulada desde que esta fosse inocente, ou seja, "válida na substância e na forma". (SACRAMONE, 2006, p. 2)
2 O TERCEIRO
Entende-se aqui como terceiro, para fins de maior clareza, aquele indivíduo que não constitui a relação jurídica, que não participa diretamente, ou não deveria participar, mas que em alguns casos ganha preponderância e merece estudo individualizado. Nesse caso, no tocante a sua influência no surgimento dos defeitos em negócio jurídicos, os efeitos causados e quais as consequências jurídicas de sua participação, ou ainda no que rege aos casos em que sua influência será capaz de gerar a anulabilidade de um negócio jurídico ou a reparação de danos e prejuízos causados por seus atos. Tendo isso em mente, analisemos o terceiro em conformidade com os defeitos do negócio jurídico.
Em se tratando de erro ou ignorância, não há que se falar em terceiro. Pois, como já visto e retratado no presente artigo, nos casos em que erro ou ignorância viciam o negócio jurídico o agente erra sozinho, a visão distorcida da realidade é fruto de erro do próprio agente. Por conseguinte, é impossível a caracterização de erro por influência de terceiro, vez que tal situação já caracterizaria um possível dolo.
Sendo assim, em consonância, verifica-se que a análise quanto à presença do terceiro na relação jurídica constituída de erro ou ignorância é inócua. Contudo, torna-se por muitas vezes essencial, e inclusive de forma a ser capaz de viciar o negócio jurídico, quando tratamos de dolo.
Nesse viés, o Código Civil de 2002, em seu art. 148, aponta:
Pode também ser anulado o negócio jurídico por dolo de terceiro, se a parte a quem aproveite dele tivesse ou devesse ter conhecimento; em caso contrário, ainda que subsista o negócio jurídico, o terceiro responderá por todas as perdas e danos da parte a quem ludibriou.
Quando a parte a quem aproveite tem ou deva ter conhecimento, o negócio jurídico deve ser anulado. Tendo em vista que a parte age de má-fé ao concretizar o negócio e, nos dizeres de Silva (2011, p. 68), a sua má-fé não pode ser premiada. Um exemplo prático para esta hipótese pode ser adaptado a partir do exemplo citado no início do presente artigo. Suponhamos que a falsa informação sobre o carro tivesse sido dada por um terceiro, e não pelo vendedor, mas a pedido ou sugestão do vendedor. Teríamos caracterizado o dolo de terceiro e o negócio jurídico poderia ser anulado.
Entretanto, quando a parte não tem ou não deva ter ciência do dolo, o negócio não poderá ser anulado, ao passo que, no exemplo supracitado, o vendedor teria realizado o negócio de boa fé. Já que, no caso, o terceiro teria plantado a falsa percepção da realidade na vítima sem influência alguma do vendedor. Em consequência, recairia ao terceiro que praticou o dolo a obrigação de reparar as perdas e danos da vítima.
Os mesmos moldes se aplicam a coação exercida por terceiro, como disposto nos artigos 154 e 155 do Código Civil: “vicia o negócio jurídico a coação exercida por terceiro, se dela tivesse ou devesse ter conhecimento a parte a que aproveite, e esta responderá solidariamente com aquele por perdas e danos”.
Da mesma forma, se a parte a que aproveite não tivesse ou não devesse ter conhecimento, o negócio jurídico permanece vivo no mundo jurídico, sem a possibilidade de ser anulado. As consequências para o terceiro são as mesmas do caso de dolo. O autor da coação (terceiro) responderá por todas as perdas e danos que houver causado ao coacto.
Em caso de negócio jurídico viciado por estado de perigo ou lesão, assim como no erro ou ignorância, não há que se falar em terceiro. As formas de aparecimento destes vícios não condicionam a prática por terceiro. No máximo, no estado de perigo, o terceiro aparecerá como vítima, sendo a pessoa em perigo.
Por sua vez, na fraude contra credores, o terceiro surge como agente do negócio jurídico que prejudicará os credores. Em outras palavras, o terceiro adquire bens do agente insolvente (ou em iminência de ser tornar com a concretização deste negócio). Se este ainda não pagou o preço se desobrigará depositando-o em juízo. No entanto, se procedeu de má-fé, o terceiro poderá ser alvo da ação pauliana (ou revocatória), que é o meio judicial pelo qual se buscará a anulação do negócio jurídico viciado.
3 IMPORTANTE SABER!
Apesar do avanço do conhecimento jurídico adentro da sociedade, percebe-se que ainda não está nem sequer próximo do necessário. Fica claro que nem ao menos as noções gerais e básicas do direito estão faticamente consolidadas. O que se tem, no máximo e na maioria dos casos, são pré-noções fundadas em senso comum e costumes. Estes não deixam de ter sua importância, mas não suprimem as necessidades e não podem ser a totalidade do conhecimento jurídico popular.
É neste sentido que se consolida a suma importância do aprendizado jurídico, que pode acontecer por vários meios, seja através de artigos científicos ou palestras disponíveis e voltadas essencialmente ao público leigo, de forma a ser acessível e promovendo a desconstrução de paradoxos.
Conforme Melo (2010, p. 1), “frente às injustiças, o conhecimento jurídico precisa ser multiplicado para ser concretizado na sociedade, aproximando-o da comunidade a quem se destina e atualmente se encontra ausente”.
Sob o mesmo prisma, Melo (2010, p. 3) completa:
tão intrínseca deve ser a relação entre a sociedade e o Direito que, nas primeiras lições jurídicas ensinadas na universidade, é ensinada a já mencionada assertiva: Ubi societas, ibi jus. Ou seja, onde está a sociedade, está o Direito.
Contextualizando, conhecer os defeitos passíveis de presenciarem os negócios jurídicos, que perpassam por todas as relações da sociedade atual, é indispensável para a busca pela justiça fática. Não basta que o advogado saiba, vez que para o advogado entrar com uma ação de pedido de anulação é preciso que a situação chegue até ele, é preciso que o cidadão comum entenda que tem o direito de anular o negócio defeituoso e busque, lute pelo seu direito.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em vista de tudo até aqui exposto, percebe-se o quão presentes no mundo atual são todos os temas estudados. São tão comuns que em muitos casos passam despercebidos. É possível que com ao menos um dos negócios jurídicos defeituosos todos já se depararam. Seja um engano sobre características de um objeto, seja um negócio fantasioso, simulatório, como aqueles vistos em filmes.
Todavia, vale dizer que grande parte do povo leigo nem ao menos cogita a possibilidade de existência de previsão legal para estes casos. Deixando claro que o interesse pelo conhecimento da legislação demonstrado pelo povo ainda é muito baixo. Fato que caminha em sentido contrário ao cumprimento fático do direito. Tornando impossível a justiça. Contribuindo para que aqueles que os enganam continuem enganando outros tantos. Mister é a percepção de que de nada vale o direito a uma sociedade que não o conhece.
No mais, o direito apresenta preciosas ferramentas para evitar a efetiva concretização de negócios não plenamente condizentes com as vontades ou direitos envolvidos. O que pode ser equivocadamente compreendido como uma aversão ao princípio de que os negócios são realizados para produzir efeitos. Entretanto, tal visão fria do negócio deve ser terminantemente abolida. Não se pode admitir que um negócio viciado permaneça vivo no mundo jurídico.
O que vem acontecendo cada vez mais é exatamente esta visão fria, diria até patrimonialista, no tocante ao direito civil. Antes da análise quanto à importância de se manter os negócios vivos, levantando a segurança jurídica, precisa-se, indubitavelmente, perceber que o que constitui o direito civil, assim como todos os outros ramos do direito, são pessoas. A redemocratização do direito civil aponta exatamente neste sentido, onde se busca primeiro proteger as pessoas presentes nas relações jurídicas, de forma a atender fielmente às vontades nelas contidas, como prevê o artigo 112 do Código Civil: “nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem”.
No que pese em relação à importância do saber sobre os defeitos do negócio jurídico, verifica-se que as vítimas podem, por muitas vezes, serem prejudicadas sem saber que estão amparadas pela lei. Inclusive motivadas pelo simples fato de que realmente parecem negócios sem problemas. Como no caso de erro, em regra, as pessoas leigas nem sequer imaginam que seu erro individual pode levar a anulação. Pois, parece-lhes que por ser um erro do próprio comprador ele não teria do que reclamar.
Sob este viés, os defeitos presentes nos negócios jurídicos precisam ser minuciosamente verificados, e, se preciso for, os negócios defeituosos devem ser anulados. Dessa forma é que a sonhada segurança jurídica ganhará força.
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Fábio Portela Lopes de. A fraude contra credores e a fraude à execução. Disponível em: < http://jus.com.br/revista/texto/3119/a-fraude-contra-credores-e-a-fraude-a-execucao>. Acesso 06 mar. 2012.
BEVILÁQUA, Clóvis. Teoria Geral do Direito Civil. 7. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1955. 551 p.
CERA, Denise Cristina Mantovani. Com relação aos defeitos do negócio jurídico, qual é a distinção entre estado de perigo e lesão?. Disponível em:
CONTADIN, Éder Augusto. Caracterização do dolo enquanto vício do consentimento. Disponível em:
FILHO, Ralpho Waldo de Barros Monteiro. Os vícios sociais do negócio jurídico: análise sob o prisma da função social do negócio jurídico. Disponível em: < http://www.fadisp.com.br/download/8_Os_Vicios_Sociais_do_Negocio_Juridico.pdf>. Acesso 06 mar. 2012.
MELO, Lucas Sidrim Gomes de. A educação jurídica popular e a democratização do conhecimento jurídico. Disponível em:
MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. 3. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1970.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Lesão nos Contratos. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001.
RUY, Kelli Aquotti. Quais os requisitos da lesão de acordo com o Código Civil de 2002?. Disponível em:
SACRAMONE, Marcelo Barbosa. A simulação no novo Código Civil. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1256, 9 dez. 2006. Disponível em:
SILVA, Patrick Lendl. Fatos jurídicos: teoria e prática. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2011. 262 p.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: parte geral. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007.
Notas:
[1] Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad Del Museo Social Argentino - UMSA. Especialista em Direito Constitucional pela Universidade do Sul de Santa Catarina - UNISUL.
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