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Resumo:
DEFENSORIA PÚBLICA DEVE ATUAR EM FAVOR DE PESSOA JURÍDICA EM CRISE
Texto enviado ao JurisWay em 08/08/2011.
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DEFENSORIA PÚBLICA DEVE ATUAR EM FAVOR DE PESSOA JURÍDICA EM CRISE
Por Carlos Eduardo Rios do Amaral
“Quando se pensa em assistência judiciária, logo se pensa na assistência aos necessitados, aos economicamente fracos, aos ‘minus habentes’. É este, sem dúvida, o primeiro aspecto da assistência judiciária: o mais premente, talvez, mas não o único”. ADA PELLEGRINI GRINOVER – Professora Titular da Universidade de São Paulo
Modificando a Lei Orgânica Nacional da Defensoria Pública, a novel Lei Complementar Federal nº 132, de 07 de Outubro de 2009, estabeleceu que, dentre outras diversas funções institucionais, caberá à Defensoria Pública exercer a defesa das pessoas jurídicas em processos administrativos e judiciais, perante todos os órgãos e em todas as instâncias, ordinárias ou extraordinárias, utilizando todas as medidas capazes de propiciar a adequada e efetiva defesa de seus interesses.
O Eminente e Festejado Mestre Processualista Civil, Ministro Luiz Fux, que hoje integra a Corte Constitucional brasileira e comanda a Comissão de Juristas encarregada da elaboração de um novo CPC, de há muito vem discorrendo acerca do acesso à Justiça da pessoa jurídica e a questão da assistência judiciária gratuita. Vejamos alguns luminosos e memoráveis precedentes:
“É plenamente cabível a concessão do benefício da assistência judiciária gratuita às pessoas jurídicas, em observância ao princípio constitucional da inafastabilidade da tutela jurisdicional (CF/88, art. 5º, XXXV), desde que comprovem insuficiência de recursos (CF/88, art. 5º, LXXIV)” (RECURSO ESPECIAL Nº 1.205.289 - RS).
“O benefício da assistência judiciária gratuita pode ser deferido às pessoas jurídicas, desde que comprovada a impossibilidade de arcar com as despesas do processo” (RECURSO ESPECIAL Nº 1.194.292 - PE).
“O benefício da assistência judiciária gratuita pode ser deferido às pessoas jurídicas, sendo mister, contudo, distinguir duas situações: (i) em se tratando de pessoa jurídica sem fins lucrativos (entidades filantrópicas ou de assistência social, sindicatos, etc.), basta o mero requerimento, cuja negativa condiciona-se à comprovação da ausência de estado de miserabilidade jurídica pelo ex adverso; (ii) no caso de pessoa jurídica com fins lucrativos, incumbe-lhe o onus probandi da impossibilidade de arcar com os encargos financeiros do processo. Assim, as pessoas jurídicas sem fins lucrativos, tais como as entidades filantrópicas, fazem jus ao benefício da assistência judiciária gratuita, independente de comprovação da necessidade do benefício” (AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 1.339.958 - RS).
“O benefício da assistência judiciária foi instituído, originariamente, com fins de assegurar às pessoas naturais o efetivo cumprimento do desiderato constitucional do amplo acesso ao Poder Judiciário, já cogente ao tempo de sua edição (cf. artigo 141, parágrafo 4º, da Constituição Federal de 1946), bastando, à sua concessão, a simples afirmação de se tratar de pessoa necessitada, porque presumida, juris tantum, a condição de pobreza, nos termos do artigo 4º da Lei nº 1.060/50. Mais tarde, doutrina e jurisprudência ampliaram significativamente tal benefício no sentido de alcançar não somente as pessoas naturais, mas também, com base na mesma norma, as pessoas jurídicas sem fins lucrativos e beneficentes, mantendo a presunção juris tantum sobre a impossibilidade de arcar com as despesas do processo sem prejuízo de sua manutenção. Por fim, restou assegurada a concessão da assistência judiciária às pessoas jurídicas em geral, incluindo aqueloutras com fins lucrativos, cabendo-lhes, contudo, a comprovação da condição de miserabilidade, porque não há falar, aí, em presunção de pobreza, nos termos jurídicos. As entidades sem fins lucrativos e beneficentes - tal como nos autos, em que se cuida de fundação mantenedora de hospital – fazem jus à concessão do benefício da justiça gratuita, sendo despicienda prévia comprovação da necessidade, porque gozam de presunção júris tantum de tal condição” (EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM AGRAVO Nº 1.155.131 - SP).
Não destoando do entendimento acima, naturalmente, o Magistrado Decano do Excelso Supremo Tribunal Federal, o Eminente e Culto Ministro Celso de Mello, já teve oportunidade, por diversas vezes, de se manifestar sobre o benefício da assistência judiciária e acesso da pessoa jurídica ao Poder Judiciário e suas instâncias. Confira-se excerto de precioso e judicioso voto nesse sentido:
“Cabe indagar, inicialmente, se se revela possível o deferimento de tal benefício às pessoas jurídicas de direito privado. A resposta a tal indagação só pode ser afirmativa, pois, como se sabe, o benefício da gratuidade – que se qualifica como prerrogativa destinada a viabilizar, dentre outras finalidades, o acesso à tutela jurisdicional do Estado – constitui direito público subjetivo reconhecido tanto à pessoa física quanto à pessoa jurídica de direito privado, independentemente de esta possuir, ou não, fins lucrativos. Impende assinalar, a propósito da matéria, que o magistério jurisprudencial desta Suprema Corte firmou orientação no sentido de reconhecer a possibilidade jurídica da concessão do benefício da gratuidade às pessoas jurídicas de direito privado, independentemente de terem, ou não, fins lucrativos, desde que devidamente comprovada a insuficiência de recursos para suportar as despesas do processo e o pagamento da verba honorária: ‘ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA - PESSOA JURÍDICA. Ao contrário do que ocorre relativamente às pessoas naturais, não basta a pessoa jurídica asseverar a insuficiência de recursos, devendo comprovar, isto sim, o fato de se encontrar em situação inviabilizadora da assunção dos ônus decorrentes do ingresso em juízo.’ (RTJ 186/106, Rel. Min. MARCO AURÉLIO - grifei) Cumpre ressaltar, por oportuno, que esse entendimento vem sendo observado em sucessivos julgamentos proferidos no âmbito desta Corte (AI 584.469/MG, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – AI 562.364/MG, Rel. Min. GILMAR MENDES – RE 426.450/MG, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA – RE 450.448/SP, Rel. Min. CARLOS BRITTO, v.g.). Vê-se, pois, que, tratando-se de entidade de direito privado – com ou sem fins lucrativos –, impõe-se-lhe, para efeito de acesso ao benefício da gratuidade, o ônus de comprovar a sua alegada incapacidade financeira (RT 787/359 - RT 806/129 – RT 833/264 – RF 343/364), não sendo suficiente, portanto, ao contrário do que sucede com a pessoa física ou natural (RTJ 158/963-964 - RT 828/388 - RT 834/296), a mera afirmação de que não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários advocatícios. Não foi por outra razão que o eminente Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE, ao julgar o AI 517.468/RJ, de que foi Relator, pôs em destaque o aspecto ora referido: ‘O STF já decidiu que a gratuidade da justiça deve ser concedida à pessoa jurídica - com ou sem fins lucrativos - que demonstre estar em situação financeira inviabilizadora do acesso ao Judiciário’ (grifei). Reconheço, no entanto, que o E. Superior Tribunal de Justiça, em julgamento emanado de sua colenda Corte Especial, ao apreciar essa questão, considerou necessário, para efeito de acesso ao benefício da gratuidade, estabelecer distinção entre a pessoa jurídica com fins lucrativos, de um lado, exigindo-lhe, em tal caso, a comprovação da precariedade de sua situação econômico-financeira, e a pessoa jurídica sem fins lucrativos, de outro, estendendo-lhe, nesta hipótese, o mesmo tratamento pertinente à pessoa física: ‘EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. JUSTIÇA GRATUITA. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. PESSOA JURÍDICA. ALEGAÇÃO DE SITUAÇÃO ECONÔMICO-FINANCEIRA PRECÁRIA. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO MEDIANTE APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTOS. INVERSÃO DO ‘ONUS PROBANDI’. I- A teor da reiterada jurisprudência deste Tribunal, a pessoa jurídica também pode gozar das benesses alusivas à assistência judiciária gratuita, Lei 1.060/50. Todavia, a concessão deste benefício impõe distinções entre as pessoas física e jurídica, quais sejam: a) para a pessoa física, basta o requerimento formulado junto à exordial, ocasião em que a negativa do benefício fica condicionada à comprovação da assertiva não corresponder à verdade, mediante provocação do réu. Nesta hipótese, o ônus é da parte contrária provar que a pessoa física não se encontra em estado de miserabilidade jurídica. Pode, também, o juiz, na qualidade de Presidente do processo, requerer maiores esclarecimentos ou até provas, antes da concessão, na hipótese de encontrar-se em ‘estado de perplexidade’; b) já a pessoa jurídica, requer uma bipartição, ou seja, se a mesma não objetivar o lucro (entidades filantrópicas, de assistência social, etc.), o procedimento se equipara ao da pessoa física, conforme anteriormente salientado. II- Com relação às pessoas jurídicas com fins lucrativos, a sistemática é diversa, pois o ‘onus probandi’ é da autora. Em suma, admite-se a concessão da justiça gratuita às pessoas jurídicas, com fins lucrativos, desde que as mesmas comprovem, de modo satisfatório, a impossibilidade de arcarem com os encargos processuais, sem comprometer a existência da entidade. III- A comprovação da miserabilidade jurídica pode ser feita por documentos públicos ou particulares, desde que os mesmos retratem a precária saúde financeira da entidade, de maneira contextualizada. Exemplificativamente: a) declaração de imposto de renda; b) livros contábeis registrados na junta comercial; c) balanços aprovados pela Assembléia, ou subscritos pelos Diretores, etc. IV- No caso em particular, o recurso não merece acolhimento, pois o embargante requereu a concessão da justiça gratuita ancorada em meras ilações, sem apresentar qualquer prova de que se encontra impossibilitado de arcar com os ônus processuais. V- Embargos de divergência rejeitados.’ (EREsp 388.045/RS, Rel. Min. GILSON DIPP – grifei). Essa orientação – consagrada em referido julgamento proferido pela E. Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça – não prevalece, contudo, no âmbito do Supremo Tribunal Federal, como resulta claro dos precedentes anteriormente mencionados, nos quais esta Suprema Corte, embora reconhecendo a possibilidade de acesso ao benefício da gratuidade, entende indispensável, no entanto, se se tratar de entidade de direito privado (com ou sem fins lucrativos ), que ela demonstre, de modo inequívoco, a efetiva precariedade de sua situação econômico-financeira”.
A doutrina de vanguarda, por sua vez, não recusa o acertado norte jurisprudencial colacionado acima, evidentemente. Seus maiores expoentes lecionam no sentido de se franquear, sim, o benefício da assistência judiciária à pessoa jurídica que dela necessitar, na forma da lei. Oportuno transcrever-se alguns trechos de obras científicas nesse toar:
“Tais entidades [as pessoas jurídicas], via de regra, além de suprirem funções mal desempenhadas pelo Estado, não têm como obter recursos para custear uma demanda judicial. Negar o benefício a tais pessoas jurídicas poderá implicar vedar-lhes por completo o acesso à justiça”. (MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Assistência Jurídica, Assistência Judiciária e Justiça Gratuita. Rio de Janeiro: Forense, 1996. p. 89)”.
“Ora, o art. 5º LXXIV , da CF/88, não distingue entre pessoas físicas e jurídicas, no âmbito da assistência jurídica, que é mais abrangente do que gratuidade. E a circunstância de o dispositivo se situar dentre os direitos e garantias individuais nada significa, porque o art. 5º se aplica a ambas, indiferentemente, inclusive protegendo as pessoas jurídicas da interferência estatal (inc. XVIII) e da dissolução compulsória (inc. XIX)”. (ASSIS, Araken . Garantia de acesso à justiça:benefício da gratuidade. V 73. Porto Alegre: Ajuris. 1998).
“O acesso à justiça por aqueles que não tem condições de suportar as custas da ação judicial, é garantido pelo texto constitucional que dá operatividade ao direito constitucional de ação. Podem valer-se do benefício as pessoas físicas e jurídicas”. (NERY JUNIOR, Nelson. Constituição Federal Comentada e legislação constitucional. São Paulo. Revista dos Tribunais, 2006, p. 140).
“Engana-se, porém, quem pensa que somente à pessoa física é possível deferir tal benefício. Apesar de o tema ainda ser examinado com alguma resistência, o entendimento majoritário da doutrina e da jurisprudência é no sentido de que também as pessoas jurídicas poderão pleitear o benefício e tê-lo deferido. E não poderia ser diferente, tendo em vista o escopo principal do instituto: tornar factível a garantia do acesso à justiça. Ora, acaso fosse negada às pessoas jurídicas, somente pelo fato de serem pessoas jurídicas, a possibilidade de pleitear a gratuidade judiciária, além de mesquinha, tal atitude configuraria uma ofensa direta ao texto constitucional, na medida em que poderia, na prática, criar um óbice - o pior dele: o óbice financeiro - à garantia do acesso amplo e irrestrito ao Judiciário”. (DIDIER JÚNIOR, Fredie; OLIVEIRA, Rafael. Benefício da Justiça Gratuita. 3ª ed. Coleção Temas de Processo Civil. Estudos em Homenagem a Eduardo Espínola. Salvador: Editora Juspodivm, 2008, p. 30/31).
Recomenda-se, aqui, a leitura do magistral artigo “PESSOA JURÍDICA E A GRATUIDADE JUDICIÁRIA”, de autoria do Defensor Público e Professor Licenciado da Universidade de Caxias do Sul, Breno Green Koff, que com muita sensibilidade e experiência jurídicas bem sintetiza a aflitiva situação do microempresário frente à excessiva carga tributária brasileira e o tema do acesso à Justiça (in http://www.uj.com.br/publicacoes/doutrinas/default.asp?action=doutrina&coddou=922).
Destarte, como se vê, a bem-vinda Lei Complementar Federal nº 132, de 07 de Outubro de 2009, ao estabelecer que deverá a Defensoria Pública exercer a defesa das pessoas jurídicas, consagra, assim, o garantia fundamental de acesso universal à Justiça. Qualificando-se, outrossim, a Defensoria Pública como instrumento efetivador do princípio da preservação da empresa.
Nas lúcidas palavras de Waldo Fazzio Júnior, “insolvente ou não, a empresa é uma unidade econômica que interage no mercado, compondo uma labiríntica teia de relações jurídicas com extraordinária repercussão social” (FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas. São Paulo: Atlas, 2005. p. 35).
A desejada continuação do processo produtivo da empresa, permitindo-se a manutenção de postos de trabalho formais com carteira de trabalho assinada e recolhimento previdenciário dos empregados ao INSS, a manutenção desejada de fontes de arrecadação tributária, do abastecimento de determinados produtos e prestação de serviços de utilidade pública e relevância social, a concorrência leal entre fornecedores, culmina, em última análise, no propósito da Constituição Federal de 1988 de erradicação da pobreza e construção de uma sociedade livre, justa e solidária.
Deveras, o chamado princípio da preservação da empresa não se limita a atender aos anseios individuais do empresário, mas, sim, a salvaguardar os interesses da coletividade em geral. Não é dado ao Estado Democrático de Direito ignorar a realidade em detrimento da realização de uma Justiça Social prometida no texto constitucional vigente, encerrando-se a atividade empresarial e seu ciclo produtivo por capricho arbitrário ou autoritarismo.
Certamente ULYSSES tinha em mente uma Constituição Cidadã para todos, indistintamente, também a serviço do desenvolvimento econômico nacional, fator primordial de consecução da garantia da busca do pleno emprego.
Em conclusão, a cláusula constitucional de acesso integral e gratuito ao Poder Judiciário aos necessitados, hipossuficientes e vulneráveis, sob o patrocínio da Defensoria Pública, abrange certamente a pessoa jurídica em crise, insolvente ou em graves dificuldades operacionais, seja ela filantrópica ou não. O que está em jogo é o propósito constitucional da preservação da empresa com todos os seus consectários sociais, que deságuam no combate à pobreza nas suas diversas raízes.
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Carlos Eduardo Rios do Amaral é Defensor Público do Estado do Espírito Santo
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