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Resumo:
O presente trabalho se propõe a estudar a figura do descaminho, visando discutir qual o real bem jurídico protegido neste delito e a possibilidade de enquadrá-lo na categoria dos crimes contra a ordem tributária.
Texto enviado ao JurisWay em 23/03/2011.
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SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE O CRIME DE DESCAMINHO. 2.1 EVOLUÇÃO LEGISLATIVA. 2.2 DISTINÇÃO ENTRE CONTRABANDO E DESCAMINHO. 2.3. ESTRUTURA DO TIPO DO DESCAMINHO. 2.4 SUJEITOS DO DELITO. 3 NATUREZA JURÍDICA DO CRIME DE DESCAMINHO. 3.1 BEM JURÍDICO 3.1.1 BEM JURÍDICO TUTELADO NO CRIME DE DESCAMINHO. 3.2 O DIREITO PENAL ECONÔMICO. 3.2.1 CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA (LEI 8.137/90). 4 DESCAMINHO COMO CRIME TRIBUTÁRIO E SUAS CONSEQÜÊNCIAS JURÍDICO-PENAIS. 4.1 ESGOTAMENTO DA VIA ADMINISTRATIVA COMO CONDIÇÃO DA AÇÃO PENAL. 4.2 EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE PELO PAGAMENTO DO TRIBUTO. 5 CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho de conclusão de curso traz como tema a análise dos crimes de descaminho e contra a ordem tributária, tipificados atualmente no artigo 334, do Código Penal, e na Lei 8.137/90, respectivamente.
A reflexão e o estudo sobre os delitos, em especial o descaminho, adquiriram importância na atualidade em virtude dos elevados impostos que são atribuídos à importação e exportação de produtos, que de logo destoam da pobre realidade brasileira. Cresceu, demasiadamente, o número de ocorrências relacionadas ao tipo acima mencionado, já que, em razão do alto índice de desemprego, muitas famílias passaram a sobreviver da comercialização de produtos importados sem o devido recolhimento alfandegário, incorrendo então no tipo do descaminho.
Ao longo do presente artigo verificar-se-á que a estrutura jurídica de combate ao crime de descaminho encontra guarida no Brasil desde o período das Ordenações. As mudanças nas formas de governo repercutiram no conceito e tratamento dado ao crime, que a princípio era confundido com a figura do contrabando.
Neste trabalho será enfatizada a distinção entre os delitos de contrabando e descaminho, aprofundando-se sobre este último tipo, assim como analisando, cronologicamente, o seu tratamento no ordenamento jurídico.
Concomitantemente será feita uma abordagem sobre os crimes contra a ordem tributária, definidos na Lei 8.137/90, e suas evoluções legislativas.
No atual Código Penal, o descaminho está inserido no capítulo referente a “crimes praticados por particular contra a administração pública”, no entanto, este trabalho objetiva demonstrar que a estruturação do tipo, o bem jurídico penalmente protegido, bem como a natureza jurídica do ilícito, se assemelham com os crimes contra a ordem tributária, definidos na Lei 8.137/90. Portanto indaga-se: O crime de descaminho poderia ser considerado um crime contra a ordem tributária?
A primeira hipótese a ser considerada é que quando promulgado o estatuto repressivo, não existia no ordenamento jurídico uma lei especifica que tratasse dos crimes tributários, portanto, ficaram todos os delitos de tal natureza inseridos no Código Penal.
A outra hipótese é a defendida pela maioria esmagadora da doutrina, a qual entende que o crime de descaminho recebeu tratamento diferenciado, pois, visa proteger diversos bens jurídicos além do erário público, a exemplo da soberania nacional e do parque industrial.
Para alcançar essa resposta, inicialmente será realizado um breve esboço histórico e conceitual do descaminho e dos crimes contra a ordem a tributária, considerar-se-ão as primeiras abordagens sobre os assuntos, a evolução da legislação, as distinções, a estrutura do tipo do injusto, e a natureza jurídica dos ilícitos.
Após, serão confrontadas as teses doutrinarias e jurisprudências acerca da possibilidade de ser o descaminho um crime contra a ordem tributária, e conseqüentemente os reflexos jurídicos que tal imputação geraria no tratamento penal dado ao ilícito, inclusive no que se refere à extinção da punibilidade pelo pagamento do tributo, e o prévio esgotamento da via administrativa como condição da ação penal.
2 CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE O CRIME DE DESCAMINHO.
2.1 EVOLUÇÃO LEGISLATIVA
No Brasil colonial, as Ordenações Manuelinas e as Ordenações Filipinas trouxeram de Portugal uma estrutura jurídica acerca do crime de contrabando, já prevista nas Ordenações Afonsinas, sem, no entanto, adequá-la à realidade brasileira. Não havia respeito ao princípio da reserva legal e apenas algumas mercadorias eram proibidas de entrar e sair do Reino sem o consentimento do Rei.[1]
As Ordenações Filipinas, no seu Livro V, Título CXIII,[2] tratavam das condutas que poderiam ser analogicamente consideradas como crime de contrabando e descaminho da seguinte forma: “Que se não tire ouro, nem dinheiro para fora do Reino”. Assim, quem naquela época incorresse nesse tipo penal, levando ouro, ou dinheiro para fora do país, sem prévia autorização do Rei, como pena, perderia todos os seus bens e fazenda, sendo a metade entregue para quem achasse ou denunciasse, e a outra metade dos bens seria destinada ao próprio Reino.
Após a Proclamação da Independência, em 1830, fora editado o Código Criminal do Império do Brasil, tendo um capítulo específico para abordar os crimes de contrabando e de descaminho – até então tratados indistintamente como contrabando –, conforme disposto no seu art. 177:
Art. 177. Importar, ou exportar generos, ou mercadorias prohibidas; ou não pagar os direitos dos que são permittidos, na sua importação, ou exportação.
Penas - perda das mercadorias ou generos, e de multa igual á metade do valor delles.
A primeira parte do caput do artigo trata do contrabando, enquanto a segunda se refere ao descaminho. Observa-se que a pena aqui aplicada ao crime descrito recai unicamente em sanções de cunho financeiro, como a perda das mercadorias e aplicação de multa, não havendo previsão para aplicações de penas privativas de liberdade.
Em 11 de outubro de 1890, foi promulgado o Código Penal dos Estados Unidos do Brasil. Não houve significativas mudanças entre o texto da nova codificação e o da anterior. O que diferiu fora a sanção penal aplicada ao caso, que deixou de ser unicamente a perda das mercadorias e multa, e passou a existir a possibilidade de privação da liberdade, de um a quatro anos, além das penas fiscais.
Surge então, em 1940, o Código Penal Brasileiro, e é a partir deste momento que se passa a distinguir claramente a figura do contrabando e do descaminho, sendo este último o foco do presente estudo.
2.2 DISTINÇÃO ENTRE CONTRABANDO E DESCAMINHO
O Contrabando e o Descaminho encontram-se previstos no art. 334 do Código Penal, na parte especial, Título XI (“Dos crimes contra a administração Pública”), Capítulo II (dos crimes praticados por particular contra a administração pública), que tem a seguinte redação:
Art. 334 - Importar ou exportar mercadoria proibida ou iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.(grifo nosso)
O mencionado artigo traz em seu bojo a classificação de dois tipos distintos de crimes, o CONTRABANDO, definido na primeira parte do caput como: “importar ou exportar mercadoria proibida”, e o DESCAMINHO, inserto na segunda parte do texto como sendo: “iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria”.
Em que pese o Contrabando e o Descaminho figurarem no mesmo artigo e serem tratados pelo Código Penal como se fossem figuras idênticas, em verdade são ilícitos completamente distintos.
Antonio Pagliaro e Paulo Jose da Costa Jr.[3] assentam que “o legislador não poderia ter dito contrabando ou descaminho, como se fossem modalidades equivalentes, sendo nitidamente diversas”.
Assim, o Contrabando consiste na importação ou exportação de mercadorias tidas como proibidas, ao passo que o Descaminho é a entrada, saída ou consumo de mercadorias permitidas, as quais o agente ilude o pagamento do tributo, total ou parcialmente, evitando, assim, o recolhimento dos impostos devidos.
Os autores supra mencionados[4] ensinam que a proibição do contrabando poderá ser absoluta ou relativa. Será absoluta quando não se admitir, em hipótese alguma, a entrada ou saída de determinada mercadoria. A relativa poderá ser quanto ao tempo e quanto à forma, e verificar-se-á quando a importação ou exportação somente for permitida mediante preenchimento de alguns pressupostos, como autorização expressa.
Ainda sobre o contrabando, vale dizer que a proibição de importar ou exportar certas mercadorias é fundada em motivos de ordem econômica ou política.
Conforme lição de Bitencourt[5], “o contrabando atenta, teoricamente, contra a moral, saúde, higiene, segurança pública; enquanto que o descaminho viola obrigações aduaneiras (tributos aduaneiros).”
O descaminho, na verdade, seria um “contrabando contra o fisco”,[6] já que lesa apenas o erário público, tendo natureza meramente fiscal.
Nelson Hungria[7] sabiamente explica a distinção entre as duas figuras:
Contrabando é a clandestina importação ou exportação de mercadorias cuja a entrada no país, ou saída dele, é absoluta ou relativamente proibida; enquanto descaminho é a fraude tendente a frustrar, total ou parcialmente, o pagamento de direitos de importação ou exportação ou do imposto de consumo (a ser cobrado na própria aduana) sobre mercadorias.
Em suma, no contrabando há a importação ou exportação de mercadorias absoluta ou relativamente proibidas de circularem no país, à medida que no descaminho o agente age fraudulentamente, com o intuito de evitar o recolhimento de tributos atinentes à importação ou exportação de mercadorias permitidas.
2.3 ESTRUTURA DO TIPO DO DESCAMINHO
Para a caracterização do crime de descaminho, faz-se necessário que o agente tente “iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria”. O verbo “iludir”, núcleo do tipo do descaminho, remonta ao meio fraudulento, ardil, malicioso, empregado pelo agente a fim de obstar o recolhimento do tributo devido pela entrada ou saída das mercadorias.
O posicionamento de Bitencourt[8] é no sentido de que a simples entrada de mercadorias estrangeiras no país, sem o recolhimento dos impostos alfandegários, já tipifica o crime de descaminho, não havendo a necessidade de prática ardilosa, fraude, por parte do agente visando iludir a fiscalização.
E, ainda, sob a ótica desse autor, observa-se o seguinte entendimento:
Temos certa resistência em admitir a expressão “fraude ou “fraudulenta”, na definição do crime, porque o legislador Brasileiro é claro, quando quer, usando literalmente a expressão fraude ou fraudulenta, ao contrário do que fez na tipificação do descaminho, referindo-se somente em “iludir” o pagamento.
O mesmo jurista defende, também, que a conduta pode ser omissiva ou comissiva.
A contrario sensu, Rogério Sanches Cunha[9] entende que a simples omissão quando da declaração da quantidade de mercadorias, sem fraude, malícia, ou qualquer outro artifício ardil, não caracterizaria o descaminho, mas apenas uma infração tributária.
Na mesma linha, Fernando Capez[10] explana:
Entendemos que não basta a entrada ou saída de mercadoria sem o recolhimento do imposto devido, sendo necessário o emprego de algum meio, fraudulento ou não, destinado a iludir, que significa enganar, frustrar, lograr, burlar, não sendo suficiente a mera omissão no recolhimento do tributo. Tivesse a lei empregado o termo elidir, que significa suprimir, aí sim seria suficiente o comportamento omissivo. Não é o caso, conduto, do delito em questão, de modo que o inadimplemento caracteriza o mero débito de natureza fiscal.
Sendo assim, segundo esses autores, não bastaria a conduta omissiva do agente, sendo indispensável um ato comissivo para a caracterização do delito, qual seja, o de iludir, através de fraude ou não, o recolhimento dos direitos alfandegários referentes a entrada e saída de mercadorias lícitas.
O tipo subjetivo do delito é o dolo, que consiste na vontade do agente em praticar a ação nuclear do tipo, no caso do descaminho, iludir. O dolo não se presume, antes impõe-se seja comprovado.
Sobre o tema, a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu que:
PENAL. RECURSO ESPECIAL. DESCAMINHO. CONFIGURAÇÃO. TIPO SUBJETIVO. ONUS PROBANDI.
I - O delito de descaminho, no tipo subjetivo, exige o dolo de iludir o pagamento do tributo devido, não podendo tal situação ser desprezada, confundindo-a com matéria de interesse extra-penal ou, o que seria pior, aceitando eventual responsabilidade objetiva (Precendentes).
II - Ainda que, na maioria das vezes, conforme dicção da doutrina, o dolo venha a ser demonstrado com o auxílio do raciocínio, tal não se confunde com mera presunção que possa excepcionar o disposto no art. 156 do CPP.
(RECURSO ESPECIAL N° 259.504 - RN (2000/0049066-0); Relator: Ministro Felix Fischer)
O delito, via aduana, consumar-se-á quando o agente iludir o fisco, liberando a mercadoria sem pagar o imposto devido. Porém, se a entrada ou saída de mercadoria se der em local diverso da aduana, o crime se consumará no momento da saída ou entrada dos produtos no território nacional.
Rogério Sanches Cunha[11] aduz que “a tentativa ocorre quando o agente, embora tenha empregado os meios necessários, não logra êxito em iludir as autoridades”.
2.4 SUJEITOS DO DELITO
O descaminho é considerado crime comum, formal, de forma livre, instantâneo, unissubjetivo e plurissubsistente. Por se tratar de crime comum, o sujeito ativo poderá ser qualquer pessoa, incluindo o funcionário público, desde que não esteja na função fiscalizadora aduaneira. Se assim estiver, incorrerá no crime definido pelo artigo 318, do Código Penal, “facilitação do contrabando ou descaminho”.[12]
Seguindo o raciocínio, Noronha[13] explana:
Dificilmente este é executado por única pessoa. Não que seja plurissubjetivo, mas, dada sua feição, é empresa para várias pessoas. Ainda: comumente há auxílio indispensável de funcionário, que não são co-autores, por praticarem o crime do artigo 318, logo adiante a ser encarado. Entenda-se, entretanto: cometerão tal crime, quando facilitarem o contrabando ou descaminho, infringindo dever funcional; fora disso, se intervierem na prática delituosa serão co-autores, como quaisquer outras pessoas.
O sujeito passivo é logicamente o ESTADO, titular do interesse penalmente protegido, e o prejudicado pela falta do recolhimento tributário. Bitencourt[14] vai mais além afirmando que o Estado é representado pela União, Estados-membros, Distrito Federal ou Municípios, e principalmente o erário público e a Receita Federal, na medida em que estes são fraudados no seu orçamento-fiscal.
3 NATUREZA JURÍDICA DO CRIME DE DESCAMINHO
3.1 BEM JURÍDICO
Conceituar bem jurídico tornou-se um desafio complexo, não só para os grandes doutrinadores do mundo, como também aos pátrios, a exemplo de Aníbal Bruno, Francisco de Assis Toledo, Fragoso, Noronha dentre outros.
Pode-se definir bem jurídico, baseado em Francisco de Assis Toledo[15], como sendo: “valores ético-sociais que o Direito seleciona, com o objetivo de assegurar a paz social, e coloca sob sua proteção para que não sejam expostos a perigo de ataque ou a lesões efetivas”.
Ou ainda conforme leciona ROXIN, são valores “imprescindíveis para a existência em comum, que se caracterizam numa série de situações valiosas, como, por exemplo, a vida, a integridade física, a liberdade de atuação, ou a propriedade, que toda a gente conhece, e o Estado social deve também proteger penalmente”[16].
Assim, nota-se que o bem jurídico nada mais é do que valores sociais, éticos, morais e culturais presentes tanto nos indivíduos de forma particular, como em toda sociedade. Esses valores são tão relevantes para a convivência em comum, que obriga o Estado a protegê-los, visando o bem da coletividade.
Entretanto, cabe a indagação - todo bem jurídico necessita da proteção penal? - A resposta é negativa. O bem jurídico vai ser penalmente tutelado quando os outros meios de proteção não forem suficientes ao ponto de resguardá-los de maneira eficaz. Dessa forma, os bens penalmente protegidos serão aqueles que têm maior importância para o indivíduo, e, conseqüentemente para a coletividade.
Manifesta-se Luiz Regis Prado no sentido de que:[17]
Do exposto ressai que a ingerência penal deve ficar adstrita aos bens de maior relevo, sendo as infrações de menor teor ofensivo sancionadas, por exemplo, administrativamente. A lei penal advirta-se, atua não como limite da liberdade pessoal, mas sim como seu garante.
Consoante explanado, o Direito penal garantirá a proteção de certo bem jurídico, desde que ele seja demasiadamente relevante para o indivíduo e para a sociedade. Cabe agora compreender qual o bem jurídico tutelado no crime de descaminho e se ele tão ofensivo ao ponto de necessitar da intervenção direta do Direto Penal, sem, primeiramente, transpor a esfera administrativa.
3.1.1 BEM JURÍDICO TUTELADO NO CRIME DE DESCAMINHO
Segundo Durval Carneiro Neto[18], há divergências jurisprudenciais no que tange à natureza jurídica do descaminho, haja vista estar tipificado no Código Penal como crime contra a administração pública, e, assim sendo, não seria propriamente um crime contra ordem tributária de que trata a Lei n. 8137/90.
Nessa linha, a conservadora jurisprudência e doutrina entendem que o bem jurídico tutelado no crime de descaminho, de forma genérica, seria a Administração Pública, enquanto que o bem jurídico específico, seria representado pelo interesse da Fazenda em ver pago o seu Tributo, pela segurança da importação e exportação, pelo bem estar econômico, pela moralidade pública e também pela proteção dos interesses da indústria nacional.[19]
Segundo Bitencourt[20], a tendência atual é de criminalizar a fraude contra o fisco, dessa forma, seria pouco provável que a legislação contemporânea deixasse de criminalizar o contrabando e o descaminho, em razão de entenderem que esses delitos ofendem mais do que apenas a Administração Pública e o erário público, mas também atingem a soberania nacional.
Márcia Dometila de Carvalho[21], corroborando com a tese acima exposta, aduz que:
enquanto os outros delitos contra o fisco são tipificados à medida que os governantes preocupam-se mais em intervir no domínio econômico, seja para melhor distribuição e aplicação das rendas comunitárias, seja para um eficaz desempenho da economia, o descaminho é antecipadamente visto como uma ofensa à soberania estatal, como entrave à autodeterminação do Estado, como obstáculo à segurança nacional em seu mais amplo sentido. (grifos nossos)
Nesse prisma, infere-se que, embora os doutrinadores citados reconheçam o interesse fiscal no crime de descaminho, o Estado não visa proteger tão somente a arrecadação de tributos, mas também a soberania estatal e a segurança nacional.
Na prática, todavia, com o crime de descaminho ficam essencialmente comprometidos os recolhimentos tributários do II e IE (imposto de importação e exportação); do IPI (Imposto de produtos industrializados) e do ICMS (imposto sobre a circulação de mercadorias e serviços), o que, a bem da verdade, reflete apenas uma “sonegação fiscal”.
Nesse passo, em sentido contrário às teses acima expostas, e ainda em minoria, alguns juristas e doutrinadores enxergam que o Descaminho seria meramente um crime tributário, haja vista abranger exclusivamente o interesse da Fazenda em ver seu tributo recolhido, razão pela qual mereceria o mesmo tratamento dos crimes abarcados pela Lei 8137/90, já que os bens jurídicos protegidos são idênticos.
Antonio Pagliaro e Paulo Jose da Costa Jr[22], asseveram que o descaminho afeta unicamente os cofres públicos, tendo essencialmente natureza fiscal, sendo um “contrabando contra o fisco”.
Semelhantemente, Bitencourt,
... enquanto o descaminho, fraude ao pagamento dos tributos aduaneiros, é, grosso modo, crime de sonegação fiscal, ilícito de natureza tributária, pois atenta imediatamente contra o erário público, o contrabando propriamente dito, a exportação ou importação de determinada mercadoria proibida, não se enquadra entre os delitos de natureza tributária[23] (grifos da transcrição)
Durval Carneiro, adotando o mesmo posicionamento de Bitencourt, Antonio Pagliaro e Paulo José, revela que o bem jurídico protegido no descaminho se assemelha com o bem tutelado nos demais crimes fiscais, no caso, a ordem tributária em sentido amplo, a saber:
Sendo assim, ao se examinar o tipo penal do art. 334 do CP (caput, 2ª parte), vê-se que o bem jurídico tutelado é prioritariamente o mesmo dos demais crimes fiscais, ou seja, a ordem tributária em seu sentido amplo, consubstanciada no interesse da Administração Pública numa regular arrecadação de tributos para fazer frente às necessidades coletivas, bem como em aspectos extrafiscais.[24] (grifos nossos)
A jurisprudência, por seu turno, não poderia ficar para trás, e através dos embargos infringentes nº 98.02.27550-6, do TRF da 2ª Região, de relatoria da desembargadora Tânia Heine, esboçou entendimento semelhante aos esposados acima, conforme se depreende no trecho colacionado abaixo:
De fato, apesar de situado no capítulo dos crimes praticados pelo particular contra a administração em geral, nota-se que o descaminho é uma fraude meramente aduaneira. Dessa forma, o tipo protege tão somente o interesse do Fisco, não restando atingidos outros interesses públicos. Esta é a tese esposada pelo ilustre procurador regional da República, dr. Juarez Tavares. Veja-se trecho do seu douto parecer: ‘... o entendimento que abraçamos, mais condizente com a realizada e a estrutura da ordem jurídica, bem como com os fins que o próprio Estado se propõe para a sua política criminal, afora os dados da ordem econômica, é de que aqui há a salvaguarda tão-somente do interesse fiscal...’ (...). Assim, tendo havido o pagamento do tributo antes do recebimento da denúncia, há que ser reconhecida a extinção da punibilidade nos termos do art. 34 da Lei 9.249/95, diante do parecer do MPF e dos aspectos fáticos do presente caso.[25] (grifos da transcrição)
Portanto, apesar da maioria dos doutrinadores, tribunais e juízes, ainda entenderem que o bem tutelado no crime de descaminho não se restringe apenas ao erário público, atingindo também o bem estar da economia, a segurança e a soberania do país, há uma nova tendência crescente no país reconhecendo que o único bem jurídico protegido no ilícito seria exatamente o mesmo daqueles constantes no art. 1º da Lei 8.137, ou seja, a ordem tributária.
3.2 O DIREITO PENAL ECONÔMICO
A partir do momento em que o Estado começou a intervir na economia, assumindo uma postura mais intervencionista que liberal, é que se começou a falar em “ordem econômica”. Desta forma, há um novo bem jurídico a ser tutelado.
O Direito Penal Econômico caracteriza-se como sendo um conjunto normativo que visa proteger a economia do Estado, dentre elas podemos citar a Lei 8.137/90 (crimes contra a ordem tributária); Lei 11.101/2005 (crimes falimentares); Lei 8.078/90 (crimes contra a relação de consumo), dentre outros.
Conforme salienta Manoel Pedro Pimentel[26]:
O Direito penal econômico é um sistema de normas que defende a política econômica do Estado, permitindo que esta encontre os meios para a sua realização. São, portanto, a segurança e a regularidade da realização dessa política que constituem precipuamente o objeto do Direito penal econômico. Além do patrimônio de indefinido número de pessoas, são também objeto da proteção legal o patrimônio público, o comércio em geral, a troca de moedas, a fé pública, e a administração pública, em certo sentido.
O Estado através do Direito Penal Econômico, busca proteger seus bens jurídicos, ditos relevantes, através de sanções penais impostas aos que tentam lesionar ou ameaçar sua ordem econômica.
Dentre os ramos do Direito Penal Econômico encontra-se o Direito Penal Tributário, que visa resguardar a arrecadação tributária, aplicando penas severas, inclusive as privativas de liberdade, àqueles que utilizam atos fraudulentos contra o fisco, suprimindo ou reduzindo os tributos devidos, caracterizando, desse modo, uma sonegação fiscal.
O Estado, para desempenhar adequadamente as suas funções e alcançar os fins almejados, necessita obter recursos financeiros. Esses recursos são gerados de duas formas, através da receita pública originária e derivada. A originária é aquela que resulta dos empreendimentos empresariais do Estado e da exploração dos seus bens. Já a derivada é aquela provinda da economia privada, através dos tributos cobrados aos particulares pelo Estado.[27]
É através do tributo recolhido dos cidadãos, na proporcionalidade da capacidade econômica de cada um, que o Estado custeia os serviços estatais, buscando realizar suas finalidades.
A arrecadação tributária representa a maior fonte de recurso do Estado. Portanto, se de alguma forma essa arrecadação vier a ser compremetida, todos os serviços públicos estarão da mesma forma comprometidos, o que causará graves danos ao particular e à sociedade.
Foi pensando nisso que o legislador buscou tratar de forma mais severa, aplicando sanções penais a quem praticasse a sonegação fiscal, e criou leis especiais para tratar especificamente desses crimes. Atualmente, a Lei 8.137/90, junto com outras normas, e ao lado do Código Tributário Nacional e do Código Penal, formam o Direito Penal Tributário Brasileiro.[28]
Sobre o assunto, vale destacar, ainda, o posicionamento de Marcelo Marambaia[29], que assim se manifesta:
Cabe salientar que determinadas condutas podem violar normas de Direito Tributário, sem que isto caracterize um delito, pois, em face do princípio da intervenção mínima, apenas são considerados ilícitos penais tributários as mais graves infrações fiscais que representem efetiva lesão ao erário público, isto é, aquelas em que o desvalor da ação e do resultado realmente justifique a intervenção do Direito Penal, consubstanciando-se numa efetiva sonegação fiscal.
Ressalta-se, dessa forma, que a intervenção do Direito Penal só seria cabível, baseado no princípio da intervenção mínima, se a infração fiscal for grave ao ponto de causar uma efetiva lesão ao erário público, até porque o Direito Penal consiste em ultima ratio do Direito, atuando apenas quando da efetiva afetação do bem jurídico tutelado.
3.2.1 CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA – LEI 8.137/90
Entende Bitencourt que legislador de 1940 buscou proteger a Administração Pública dos crimes cometidos por seus servidores, ou particulares, tendo como objetivo precípuo a busca da moralidade e a probidade administrativa, protegendo a sua respeitabilidade, bem como sua integridade e de seus funcionários. [30]
Ocorre que naquele período, quando da edição do Estatuto Repressivo, não havia Lei específica que tratasse dos crimes contra a ordem tributária. Todos os crimes com as mesmas características eram abordados pelo Código Penal no capítulo referente aos Crimes contra a Administração Pública. Nesse aspecto, assim esclarece Marcelo Marambaia:
Este diploma legal, por seu turno, embora não contenha capítulo específico sobre crimes fiscais ou contra a ordem tributária, identificou, também, outras condutas comissivas ou omissivas que podem implicar supressão ou diminuição de tributos, configurando efetivos meios de lesão à Fazenda Pública, a exemplo dos crimes de falsidade ideológica (art. 299) e uso de documento falso (art. 304). [31]
Somente em 1965 fora editada a Lei 4.729, que segundo Xavier de Albuquerque (ex-Presidente do STF), conferiu cidadania e positividade ao nosso Direito Penal Tributário, definindo as condutas consideradas como crime de sonegação fiscal. [32]
A criação dessa nova lei se deu exatamente no período da Ditadura Militar. Esse período foi marcado pelo aumento da sonegação fiscal e majoração da carga tributária. Os Militares buscavam aumentar a arrecadação do Estado a fim de custear reformas sociais, numa tentativa de justificar o golpe militar para a tomada do poder.
No entanto, o surgimento da referida Lei não alterou a tipificação do crime de Descaminho, manteve-o como um crime contra a Administração Pública, modificando apenas os §§ 1º e 2º e acrescentando o §3º ao artigo 334 do CP.
Findo o período ditatorial, e objetivando frear ainda mais a sonegação fiscal, o Estado, em 27/12/1990, edita a Lei 8.137. Apesar de estar vigendo o Estado de Direito, o país passava por uma crise econômica e social calamitosa, como aponta Juary Silva:
Significativamente que o embrião legislativo do Direito Penal Tributário tenha surgido no Brasil em dois períodos de exceção: com a Lei 4729/65, sob o guante do AI-1, que se superpunha à Constituição [...]; com a Lei 8137/90, quando, a despeito da aparente vigência do Estado de Direito, o país atravessava séria crise institucional, máxime nos campos econômico e psicossocial, após o desastroso plano econômico editado em março de 1990, que implicou, de fato, em estabelecer a lei marcial no domínio econômico, sem abolir a Constituição.[33]
Com o advento da Lei 8.137/90, que definiu os crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo, buscou-se compilar todos os crimes Tributários em um único Estatuto. A nova Lei, além de cominar penas mais severas aos delitos, como reclusão e detenção, abordou não só o crime de sonegação fiscal, tratado pela Lei 4.729, como também incluiu novos tipos até então inexistentes, a exemplo do art. 2º, V.
Entretanto, a nova Lei dos crimes Tributários não cuidou do Descaminho e do Contrabando, permanecendo apenas a alteração anterior, feita pelo artigo 5º da lei 4729 ao artigo 334 do CP. Ou seja, o crime de descaminho continuou inserido no Código Penal, sendo tratado de forma mais rígida que os demais crimes tributários de sonegação fiscal, ora abarcados pela Lei 8.137/90.
Percebe-se que o Estado, em uma posição mais enérgica, utiliza-se cada vez mais do Direito Penal para intervir e resguardar o seu domínio econômico, aplicando sanções mais rígidas aos contribuintes, inclusive com a própria privação da liberdade, mesmo sendo a liberdade uma cláusula pétrea protegida pela nossa Constituição Federal.
4 DESCAMINHO COMO CRIME TRIBUTÁRIO E SUAS CONSEQÜÊNCIAS JURÍDICO-PENAIS
Durante todos esses anos, em razão do Descaminho estar tipificado no artigo 334 do Código Penal, foi negada sua identidade com os demais crimes contra a ordem tributária, e, por conseguinte, também lhe foi negado o mesmo tratamento dado àqueles crimes, inclusive no que se refere à necessidade de prévio esgotamento da via administrativa para que haja a instauração da ação penal, bem como a extinção da punibilidade através do pagamento do tributo.
Conforme anteriormente demonstrado, o crime de descaminho não é outra coisa senão um crime contra a ordem tributária, já que o bem jurídico penalmente tutelado é o mesmo dos demais crimes protegidos pela Lei 8.137/90, ou seja, o erário público.
Fortalecendo esse entendimento, Callegari já afirmou que a objetividade jurídica do descaminho é a proteção do interesse arrecadador do Estado, ou seja, o imposto devido decorrente da introdução de mercadoria estrangeira do país.[34]Ademais, o objeto jurídico de proteção é o próprio erário público, prejudicado pela evasão de renda oriunda do Descaminho.
Ora, o descaminho é uma fraude ao pagamento dos tributos, portanto, nítida a sua natureza tributária, onde se apresenta uma relação fisco/contribuinte, como ocorre com a sonegação fiscal, assim defendendo Marcelo Marambaia:
não há como deixar de se vislumbrar a natureza tributária do crime de descaminho, que visa nitidamente salvaguardar os interesses do erário público, gravemente atingido pela evasão de renda advinda das operações fraudulentas de entrada ou saída de mercadorias permitidas do País, sem o pagamento dos tributos devidos. Cuida-se, em verdade, de uma sonegação antecipada de diversos tributos, a exemplo dos impostos de importação e exportação (II e IE) impostas sobre produtos industrializados (IPI) e imposto sobre a circulação de mercadorias e serviços (ICMS). (grifos nossos)[35]
Já seguindo essa linha de raciocínio, desde
PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. DESCAMINHO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. PAGAMENTO DO TRIBUTO ANTES DO OFERECIMENTO DA DENÚNCIA. APLICAÇÃO DO ART. 34 DA LEI N.º 9.249/95. UBI EADEM RATIO IBI IDEM IUS.
1. Não há razão lógica para se tratar o crime de descaminho de maneira distinta daquela dispensada aos crimes tributários em geral.
2. Diante do pagamento do tributo, antes do recebimento da denúncia, de rigor o reconhecimento da extinção da punibilidade.
3. Ordem concedida
(Relator(a): Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA Julgamento: 25/06/2007 Órgão Julgador: T6 - SEXTA TURMA Publicação: DJ 19.11.2007 p. 294) – (grifos nossos)
Descaminho (caso). Habeas corpus (cabimento). Matéria de prova (distinção). Esfera administrativa (Lei nº 9.430/96). Processo administrativo-fiscal (pendência). Ação penal (extinção).
1. Determina a norma (constitucional e infraconstitucional) que se conceda habeas corpus sempre que alguém esteja sofrendo ou se ache ameaçado de sofrer violência ou coação; trata-se de dar proteção à liberdade de ir, ficar e vir, liberdade induvidosamente possível em todo o seu alcance. Assim, não procedem censuras a que nele se faça exame de provas. Precedentes do STJ.
2. A propósito da natureza e do conteúdo da norma inscrita no art. 83 da Lei nº 9.430/96, há de se entender que a condição ali existente é condição objetiva de punibilidade, e tal entendimento também se aplica ao crime de descaminho (Cód. Penal, art. 334). 3. Em hipótese que tal, o descaminho se identifica com o crime contra a ordem tributária. Precedentes do STJ: HCs 48.805, de 2007, e 109.205, de 2008. 4. Na pendência de processo administrativo no qual se discute a exigibilidade do débito fiscal, não há falar em procedimento penal. 5. Recurso ordinário provido para se extinguir, relativamente ao crime de descaminho, a ação penal
(STJ – RHC 25228. Relator(a): Ministro NILSON NAVES Julgamento: 27/10/2009 Órgão Julgador: T6 - SEXTA TURMA Publicação: DJe 08/02/2010)
Há também outras decisões com o mesmo teor sendo proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça, como no caso abaixo:
“PENAL – HABEAS CORPUS – DESCAMINHO – TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL – AUSÊNCIA DE PRÉVIA CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO NA ESFERA ADMINISTRATIVA – NATUREZA TRIBUTÁRIA DO DELITO – ORDEM CONCEDIDA. 1. Consoante recente orientação jurisprudencial do egrégio Supremo Tribunal Federal, seguida por esta Corte, eventual crime contra a ordem tributária depende, para sua caracterização, do lançamento definitivo do tributo devido pela autoridade administrativa. 2. O crime de descaminho, por também possuir natureza tributária, eis que tutela, dentre outros bens jurídicos, o erário público, deve seguir a mesma orientação, já que pressupõe a existência de um tributo que o agente logrou êxito em reduzir ou suprimir (iludir). Precedente. 3. Ordem concedida para trancar a ação penal ajuizada contra os pacientes no que tange ao delito de descaminho, suspendendo-se, também, o curso do prazo prescricional.” (HC 109205/PR, Relatora: Min. JANE SILVA, DJ de 09/12/2008).
É claro que não existe qualquer razão que justifique o tratamento diferenciado entre o descaminho e os demais crimes tributários, pois todos os tipos protegem o mesmo bem jurídico qual seja, o erário público.
Note-se, ainda, que a redação do artigo 334, referente ao descaminho - “iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto” -, se iguala à do crime de sonegação fiscal, inscrito no artigo 1º da Lei 8.137/90 como “suprimir ou reduzir tributo... mediante as seguintes condutas”- “... II – Fraudar a fiscalização tributária...”
Sonegação é o ato ou efeito de sonegar, ocultar, deixar de descrever ou mencionar, quando a Lei assim determinar. A sonegação, por sua vez, seria uma evasão ou subterfúgio de renda, decorrente de ato malicioso do contribuinte ou da própria desídia em declarar o imposto devido, atingindo, conseqüentemente, a arrecadação do Estado.[36]
Simplificando, segundo Lidia Maria Ribas,[37] sonegação seria uma omissão que impede a apuração da obrigação devida, já a fraude é ato comissivo ou omissivo, que visa lesar o erário público, reduzindo, evitando ou retardando o pagamento. A sonegação obstaria a apuração da obrigação e a fraude impediria o pagamento do tributo.
Portanto, o “suprimir mediante fraude” que trata o artigo 1º da Lei 8.137/90 significa impedir que o tributo como objeto de uma relação jurídica apareça para a Autoridade da Administração Tributária, sendo o meio utilizando pelo agente, o da fraude.
No que tange ao verbo “iludir”, presente na redação do descaminho, seria o ato comissivo ou omissivo do agente, que se utiliza da fraude, ou algum outro meio ardiloso, a fim de reduzir ou suprimir, no todo ou em parte, o pagamento do imposto devido pela entrada, saída ou consumo de mercadorias.
Complementando o exposto, Noronha aduz que: “no descaminho, a ação se resume na fraude empregada, para que se consiga a exportação ou a importação sem o pagamento dos direitos relativos a elas, ou do imposto pago na alfândega, na ocasião do despacho correspondente à importação”[38]
Assim, quando o contribuinte “ilude” o pagamento de imposto relativo à exportação, importação ou consumo de produto, mediante fraude, está incidindo no mesmo tipo penal dos crimes abarcados pelo artigo 1º da Lei 8.137/90, e, ainda, causa prejuízos ao mesmo bem protegido por aqueles ilícitos, qual seja o erário público, evidenciando-se assim mais uma similitude entre os delitos e mais uma razão para serem tratados igualmente.
4.1 ESGOTAMENTO DA VIA ADMINISTRATIVA COMO CONDIÇÃO DA AÇÃO PENAL.
Como restou amplamente demonstrado, o Descaminho e os crimes contra a ordem tributária, além de protegerem o mesmo bem jurídico, também se assemelham quanto ao tipo penal, devendo ambos, por dedução lógica, ter o mesmo tratamento, inclusive, no que se refere às prerrogativas que são adstritas aos crimes arrolados pela Lei 8.137/90.
O descaminho, por ser crime material de natureza tributária, pressupõe que a autoridade administrativa somente poderá exigir o crédito tributário do contribuinte, da mesma forma que somente poderá haver representação fiscal para fins penais, se houver instaurado, preliminarmente, um processo administrativo em que o direito ao contraditório e ampla defesa hajam sido amplamente assegurados.
O contraditório e a ampla defesa são direitos constitucionalmente garantidos em qualquer processo, seja ele judicial ou administrativo, e o não respeito a esses direitos enseja violação à cláusula pétrea insculpida no art. 5º, LV, da Lei Magna
Ademais, se for provada a violação dos princípios constitucionais do contraditório e ampla defesa, todos os atos do processo ou procedimento administrativo serão considerados nulos, conforme se verifica da decisão abaixo colacionada.
CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. NULIDADE DE ATO ADMINISTRATIVO. AMPLA DEFESA E CONTRADITÓRIO. INAFASTABILIDADE. GARANTIAS CONSTITUCIONAIS AOS LITIGANTES EM GERAL. - Outrossim, em que pese a Administração Pública estar adstrita ao princípio da legalidade, não há que prescindir de observar o princípio constitucional do devido processo legal, oportunizando o contraditório e a ampla defesa, mormente cuidando o licenciamento a bem da disciplina de uma penalidade e, não, de simples dispensa discricionária. - O desligamento do apelado, a bem da disciplina, sem apuração da suposta falta através de procedimento administrativo regular, com oportunidade de contraditório e ampla defesa, enseja a nulidade do ato administrativo correspondente, por violação à clàusula pétrea insculpida no art. 5º, LV, da Lei Magna. - Conclui-se, pois, que é nula a punição disciplinar quando não resulta do devido processo legal e quando não é propiciado do servidor o direito ao contraditório. Simples sindicância não guarda consonância com os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório, não podendo dar causa a sanção disciplinar. - Conhecimento e improvimento do recurso e da remessa necessária.
(TRF2 - APELAÇÃO CIVEL: AC 322372 RJ 1999.51.01.020779-4 Relator(a): Desembargador Federal CARLOS GUILHERME FRANCOVICH LUGONES Julgamento: 28/05/2008 Órgão Julgador: SEXTA TURMA ESPECIALIZADA Publicação: DJU - Data::09/07/2008 - Página::106 )
A necessidade do esgotamento da via administrativa antes de iniciar a ação penal, encontra respaldo na Lei 9.430/96, mais especificamente no caput do artigo 83, que traz a seguinte redação:
Art.83 - A representação fiscal para fins penais relativa aos crimes contra a ordem tributária definidos nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, será encaminhada ao Ministério Público após proferida a decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário correspondente.
A ação penal nos crimes contra a ordem tributária é pública incondicionada. Mas, consoante se percebe do citado artigo, o Ministério Público não poderá promover a ação antes de ser encerrado o processo administrativo de lançamento do crédito tributário.
Assegura Hugo de Brito Machado[39] que, para que seja proposta a ação penal por crimes contra a ordem tributária, é necessário que haja o prévio exaurimento da via administrativa, entendimento esse que foi confirmado também pelo Supremo Tribunal Federal, no Habeas Corpus nº 77.002-8.
O elemento normativo do tipo penal é o tributo devido, no entanto, quem fará a definição do que seria o tributo devido é a Autoridade da administração tributária competente para o respectivo lançamento. Assim, caso a autoridade administrativa entenda não ser devido pelo o agente o imposto em questão, não poderá ele ser indiciado pelo suposto crime.
Portanto, ficou claro que os agentes administrativos só encaminharão a representação fiscal para fins penais ao Ministério Público após haver sido proferida decisão final na esfera administrativa. Enquanto não houver findado o processo administrativo fiscal, não caberá instauração de ação penal.
Mais recentemente, o Supremo Tribunal Federal deu por encerrada qualquer discussão que pudesse existir em torno dessa questão e publicou a Súmula Vinculante nº 24 que diz: “Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo.”
Por lançamento definitivo deve-se entender o ato de lançamento final, contra o qual não caiba recurso do contribuinte, nem recurso ex officio (por faltar previsão, por ter faltado o seu exercício ou por consumação dos recursos cabíveis).
Pois bem, se a súmula se refere aos crimes contra a ordem tributária, insculpidos no art. 1º da Lei 8.137/90, por óbvio, conforme ficou amplamente demonstrado, aplicar-se-ia também às hipóteses de descaminho, evitando-se um tratamento tão diferenciado para crimes com a mesma natureza, na mais perfeita proteção ao princípio da isonomia.
Nesse aspecto, assim se posiciona Durval Carneiro:
Vale dizer, o presente texto não se ocupa em questionar o mérito da decisão do STF retratada na Súmula n.24. Toma-a simplesmente como premissa e, a partir daí, busca prolongar o debate jurídico apontando argumentos que, numa lógica sistemática, tornam forçosa a aplicação do mesmo entendimento às hipóteses de descaminho.[40] (grifos nossos)
Com a aprovação da súmula vinculante, espera-se que a denúncia sequer seja recebida pelo judiciário, evitando a persecutio criminis enquanto a questão administrativa não seja solvida, onde assim restariam garantidos os direitos e garantias fundamentais preconizados em nossa Carta Maior.
4.2. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE PELO PAGAMENTO DO TRIBUTO
A Lei 4.729/65 previa que seria possível a extinção da punibilidade nos crimes previstos naquela Lei, desde que houvesse o pagamento do tributo antes de iniciada a ação fiscal própria na esfera administrativa.
Todavia, essa possibilidade tornava-se praticamente inviável em razão do pagamento ter que ser feito antes de iniciada a ação fiscal, momento que coincidia com a descoberta formal da sonegação.[41]
O Decreto-Lei nº 157 ampliou o momento em que poderia ser pago o tributo e que ainda sim geraria a extinção da punibilidade, para logo após o julgamento da autoridade administrativa da primeira instância.
Nessa linha, assegura Andrei Zenkner Schmidt que:
ampliou a possibilidade de o pagamento ocorrer logo após o julgamento da autoridade administrativa de primeira instância. Tal regra propiciava que o contribuinte só efetuasse o pagamento após exercitar, pelo menos em primeiro grau administrativo, a sua defesa técnica, flexibilizando-se, assim, as possibilidades de exclusão da punibilidade.[42]
Acertadamente, o Supremo Tribunal Federal editou a súmula 560, que previa a extinção da punibilidade, pelo pagamento do tributo devido, aos crimes de contrabando e descaminho. Essa súmula teve origem devido ao Decreto-Lei nº 288/67, que considerou contrabando e descaminho “a saída de mercadoria da Zona Franca de Manaus sem autorização leal expedida pelas autoridades competentes.”
Contudo, através da Lei 6.910 de 1981, o legislador proibiu expressamente que a extinção da punibilidade pelo pagamento do tributo se estendesse ao contrabando e ao descaminho, vetando a aplicação da Súmula proferida pelo STF.
Já em 1990, através do art. 14 da Lei 8.137, Lei dos crimes contra a ordem tributária, houve a ampliação da extinção da punibilidade, permitindo o pagamento pelo contribuinte até o recebimento da denúncia. Esse artigo foi posteriormente revogado, mas a Lei nº 9.249 de 1990, mais precisamente seu art. 34, trouxe novamente a mesma possibilidade de extinção da punibilidade, se o agente promover o pagamento do tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia.
Essa possibilidade foi atribuída aos crimes contidos nas Leis 8.137 e na Lei 4.729, o que teoricamente não abarcaria o crime de contrabando e descaminho, insertos no artigo 334 do Código Penal. Mas o sistema jurídico recomendava a aplicação do artigo 34 a todas as modalidades de sonegação fiscal, o que, de logo, restaria incluído o crime de descaminho.
Nesse sentido vale destacar a posição de BITENCOURT:[43]
E como afirmamos inicialmente, no descaminho, ao contrário do contrabando, há um ilícito fiscal, com a omissão ou supressão de tributos, sendo, portanto, perfeitamente possível estender-lhe o benefício insculpido no artigo 34 da Lei 9249, como chegou a entender no passado nossa Corte Suprema.
Mais adiante, já em 30 de maio de 2003, foi publicada a Lei nº 10.684/03, que introduziu o Parcelamento Especial (REFIS II), estabelecendo no seu art. 9º o seguinte:
Art. 9o É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1o e 2o da Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos arts. 168A e 337A do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no regime de parcelamento.
§ 1o A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva.
§ 2o Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios.
A supracitada Lei inova e determina também que, caso a pessoa jurídica relacionada com o agente promova o parcelamento do crédito tributário, haverá a suspensão da pretensão punitiva do Estado. Ademais, a prescrição criminal também não correrá durante o período de suspensão. Observa-se que não há prazo estipulado na Lei para que seja efetuado o parcelamento do tributo.
O §2º, da mesma forma que a Lei 9.249/90, abordou a questão da extinção da punibilidade pelo pagamento do tributo aos crimes previstos nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137/ 90. Embora esteja mencionado no parágrafo “pessoa jurídica”, entende-se que tal dispositivo acerca da extinção da punibilidade é da mesma forma aplicável aos contribuintes pessoas físicas que efetuarem o pagamento.
Nesse diapasão, Hugo de Brito Machado leciona que: “Essa restrição embora tenha fundamento no elemento literal, nos parece inteiramente absurda.”
O Supremo Tribunal Federal entende que o efeito extintivo da punibilidade, dá-se pelo pagamento do crédito devido, independentemente do momento que este seja efetuado, eliminando, portanto, o regramento de que a extinção somente se operaria caso o pagamento fosse concretizado antes do recebimento da denúncia.
Do mesmo modo, corrobora o Tribunal Regional Federal da 4ª Região:
AGRAVO
1. A extinção da punibilidade pelo pagamento integral do débito com fundamento no § 2° do artigo 9° da Lei n° 10.684/03, ao contrário da mera suspensão da pretensão punitiva prevista no caput do citado dispositivo, é passível de reconhecimento mesmo após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.
2. Agravo provido (TRF 4ª Região, Agravo
Sendo um pouco divergente, o Superior Tribunal de Justiça sustenta que a extinção da punibilidade pelo pagamento se limita até o transito em julgado da sentença penal condenatória.
PENAL E PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. SONEGAÇÃO FISCAL. PAGAMENTO INTEGRAL DO DÉBITO NA FASE DE EXECUÇÃO PENAL. EFEITOS PENAIS REGIDOS PELO ART. 9º, § 2º, DA LEI 10.684/2003. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. ORDEM CONCEDIDA.
1. Com a edição da Lei 10.684/03, deu-se nova disciplina aos efeitos penais do pagamento do tributo, nos casos dos crimes previstos nos arts. 1º e 2º da Lei 8.137/90, e 168-A e 337-A do Código Penal.
2. Comprovado o pagamento integral dos débitos oriundos de sonegação fiscal, ainda que efetuado posteriormente ao recebimento da denúncia, mas anterior ao trânsito em julgado da sentença condenatória, extingue-se a punibilidade, independentemente de ter se iniciado a execução penal, nos termos do art. 9º, § 2º, da Lei 10.684/03.
3. Ordem concedida para determinar o trancamento da execução penal e declarar extinta a punibilidade da paciente. (STJ, HC 123969 / CE, 5ª T., Rel. Min. ARNALDO ESTEVES LIMA, DJe 08/03/2010)
Entretanto, com o advento da Lei nº 11.941, de 2009 surgiu algumas modificações no que tange à extinção da punibilidade. De fato, essa lei, que introduziu novo regime de parcelamento, conhecido como Refis IV – (REFIS DA CRISE), dispôs em seus arts.
Art. 67. Na hipótese de parcelamento do crédito tributário antes do oferecimento da denúncia, essa somente poderá ser aceita na superveniência de inadimplemento da obrigação objeto da denúncia.
Art. 68. É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1o e 2o da Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos arts. 168-A e 337-A do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, limitada a suspensão aos débitos que tiverem sido objeto de concessão de parcelamento, enquanto não forem rescindidos os parcelamentos de que tratam os arts. 1o a 3o desta Lei, observado o disposto no art. 69 desta Lei.
Parágrafo único. A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva.
Art. 69. Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos no art. 68 quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios, que tiverem sido objeto de concessão de parcelamento.
Parágrafo único. Na hipótese de pagamento efetuado pela pessoa física prevista no § 15 do art. 1º desta Lei, a extinção da punibilidade ocorrerá com o pagamento integral dos valores correspondentes à ação penal.
O art. 68 estabelece que, uma vez obtido o parcelamento, a pretensão punitiva restaria suspensa. O art. 69, por outro lado, consagra a extinção da punibilidade pelo pagamento integral do débito – desde que este tenha sido objeto de concessão de parcelamento - estendendo tal benefício às pessoas físicas dos responsáveis tributários.
Kiyoshi Harrada questiona se o parágrafo único do artigo 69 da nova Lei revogou o §2 do artigo 9º da Lei nº 10.684/03, haja vista aquela lei determinar que a extinção ocorrerá quando o débito, objeto de parcelamento, houver sido pago integralmente, ao passo que, a Lei nº 10.684/03 não vinculou a extinção da punibilidade ao pagamento de tributo objeto do regime de parcelamento, mas ao pagamento a qualquer tempo, de qualquer tributo com os respectivos acessórios.[44]
Assim, o referido autor entende que o pagamento do crédito tributário, a qualquer tempo, extingue a punibilidade, principalmente tendo em vista o disposto no parágrafo único do art. 69, da Lei nº 11.941/2009, que, de certa forma, confirma a vigência do § 2º, do art. 9º, da Lei nº 10.864/2003, ao dispor que se extingue a punibilidade na hipótese da pessoa física responsabilizada pelo não pagamento do tributo efetuar o pagamento integral dos valores correspondentes à ação penal.
De volta ao crime de descaminho, em virtude dele ter natureza tributária, proteger o mesmo bem jurídico tutelado pela Lei 8.137 e ser nitidamente um crime fiscal, deve receber as mesmas prerrogativas conferidas aos demais crimes tributários, baseado no principio da equidade, inclusive no que concerne à extinção da punibilidade pelo pagamento de tributo e à suspensão da pretensão punitiva do Estado, no caso de parcelamento do débito tributário.
E mais uma vez, vale destacar o julgamento do STJ, nos autos do HC 48.805, em que se reconheceu que deve ser estendida a prerrogativa da extinção da punibilidade ao crime de descaminho.
5 CONCLUSÃO
Do presente trabalho, chegou-se às seguintes conclusões:
1. Concluiu-se que o ilícito do descaminho é tipificado e classificado como sendo um crime contra a administração pública apenas por opção político-criminal do legislador, haja vista que, quando da edição do estatuto repressivo, não existia nenhum ordenamento que cuidasse especificamente dos crimes fiscais.
2. O Descaminho, em que pese estar tipificado como crime contra administração pública, previsto no art. 334 do Código Penal Brasileiro, tem como bem jurídico tutelado apenas o erário público.
3. É cristalinamente um crime material, de natureza tributária, não sendo outra coisa senão um crime contra a ordem tributária semelhante àqueles de que trata a Lei 8.137/90.
4. O Descaminho, em última análise, nada mais é do que uma modalidade de sonegação fiscal especificamente relacionada a operações aduaneiras. O núcleo do tipo do art. 334 ("iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto") é exatamente o mesmo da sonegação fiscal previsto no artigo 1º da Lei n. 8.137/90 ("suprimir ou reduzir tributo");
5. A ação penal movida em face da prática de crime contra a ordem tributária é pública incondicionada e somente poderá ser instaurada, no caso também do crime de descaminho, quando houver o esgotamento da esfera administrativa, com o lançamento definitivo do tributo (Súmula Vinculante 24), respeitando sempre o contraditório e ampla defesa, direitos fundamentais garantidos pela Constituição Federal;
6. Ora, restou provado de todas as formas que o descaminho É um crime fiscal, então não se visualiza razão para não ser aplicado a ele o mesmo tratamento empregado aos crimes tributários, com a extinção da punibilidade pelo pagamento do tributo, a qualquer tempo, bem como a suspensão da pretensão punitiva do Estado, caso haja o parcelamento do débito.
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[1] SIVIEIRO, F. A. B. Aplicabilidade do principio da insignificância nos crimes de contrabando e descaminho. Monografia de conclusão de Curso. Curso Direito. Disponível em: <http://www.investidura.com.br/biblioteca-juridica/artigos/35-direitopenal/4340-aplicabilidade-do-principio-da-insignificancia-nos-crimes-de-contrabando-e-descaminho.html>. Acesso em 22 ago. 2010.
[2] Ordenações Filipinas, Ed. Fundação Calouste Gulbenkian. Rio de Janeiro, 1870, p. 1264
[3] PAGLIARO, A.; COSTA JUNIOR, P. J. Dos Crimes Contra a Administração Pública. 4ª ed. São Paulo Editora Atlas, 2009. p.237
[4] Ibidem, p.236
[5] BITENCOURT, C. R. Tratado de Direito Penal: parte especial 5. São Paulo: Saraiva, 2007. p.227
[6] PAGLIARO, A.; COSTA JUNIOR, P. J. Op Cit., p. 237
[7] HUNGRIA, N. Comentários ao Código Penal: parte especial. v. 9. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1959. p.432
[8] BITENCOURT, C. R. Tratado de Direito Penal: parte especial 5. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 220.
[9] CUNHA. R. S. Direito Penal: parte especial. v. 3. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2008. p.411
[10] CAPEZ. F. Curso de Direito Penal: parte especial. 2ª edição, v. 3. São Paulo: Saraiva, 2004.
[11] CUNHA. R. S. Direito Penal. Vol. 3, parte especial 2008. Editora Revista dos Tribunais.pág. 412.
[12] BITENCOURT. Op. Cit., p.219
[13] NORONHA, E. M. Código Penal Brasileiro Comentado. v. 4. São Paulo. Saraiva, 1972. p.348
[14] BITENCOURT. Op Cit., p.219
[15] TOLEDO, F. de A. Princípios básicos de Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 1986. p.136
[16] PRADO, L R. Bem Jurídico-Penal e Constituição. Editora Revista dos Tribunais, 1998 apud ROXIN, C. Política criminal y sistema Del Derecho Penal. Trad. De Muñoz Conde. Barcelona: Bosch, 1972.
[17] PRADO. Op Cit. p.32
[18] CARNEIRO NETO, D. A atipicidade do descaminho quando há perdimento de mercadoria. Rio Grande. Âmbito Jurídico, 01 jun 2010. Disponível em: <http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=7895>. Acesso em: 23 ago. 2010
[19] SILVA, R. A. G. Extinção da punibilidade pelo pagamento de tributo no crime de descaminho e o julgamento do HC n. 48.805. Boletim IBCCRIM. São Paulo, ano 15, n. 180, p. 5, nov. 2007. Disponível em: <http://www.ibccrim.org.br>. Acesso em:
[20] BITENCOURT. Op Cit., p. 219
[21] CARVALHO, M. D. L. Crimes de Contrabando e Descaminho. São Paulo: Saraiva, 1983. p4-5.
[22] PAGLIARO, A.; COSTA JUNIOR, P. J. Op. Cit., p.237.
[23] BITENCOURT. Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte Especial 3ª edição, revista e ampliada 2003 Editora Saraiva. p. 654.
[24] CARNEIRO NETO, D. Op Cit.
[25] Embargos Infringentes nº 98.02.27550-6, TRF da 2ª Região, relatora, desembargadora Tânia Heine.
[26] PIMENTEL, M. P. Direito Penal Econômico. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1973.
[27] RIBAS, L. M. L. R. Direito Penal Tributário. 2ª ed. São Paulo. Editora Malheiros, 2004. p.21.
[28] Ibidem, p.27.
[29] CAMPOS. M. M. Aplicação do princípio da insignificância no crime de descaminho: análise crítica acerca do critério atualmente adotado pelo Superior Tribunal de Justiça. Monografia de conclusão de curso de Pós-Graduação. Especialização
[30] BITENCOURT. C R. Tratado de Direito Penal. Parte Especial. Vol. 4. São Paulo. Editora Saraiva. 2004. p.241
[31] CAMPOS. M. M. Op Cit.
[32] LOTT, H. Crimes contra a Ordem Tributária. Teresina. Ago 2002. Disponível em:
[33] SILVA, J. Elementos de direito penal tributário. São Paulo: Saraiva, 1998. p.08
[34] CALLEGARI. A. L. O crime de descaminho e o principio da insignificância. BOLETIM IBCCRIM, Sao Paulo, v.56, p.9, jul., 1997. Disponível em: <http://www.buscalegis.ufsc.br/>. Acesso em: 20 out. 2010.
[35] CAMPOS. M M. Op. Cit.
[36] RIBAS, L. M. L. R. Direito Penal Tributário. 2ª ed. São Paulo. Editora Malheiros, 2004. p.85
[37] Ibidem, p.85
[38] NORONHA, E. M. Código Penal Brasileiro Comentado. v. 4. São Paulo. Saraiva, 1972. p.348
[39] MACHADO. H. de B. Crimes contra a Ordem Tributária. 2ª ed. São Paulo. Editora Atlas, 2009. p.368
[40] CARNEIRO NETO, D. Op. Cit.
[41] BITENCOURT. C R. Op. Cit.. p. 229
[42] SCHMIDT. A. Z. Exclusão da punibilidade em crimes de sonegação fiscal. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2003. p.86
[43] BITENCOURT. Op. Cit. p. 229
[44] HARADA, K. Artigo: Crimes tributários. Subsiste a extinção da punibilidade pelo pagamento?. Disponível em < http://jusvi.com/colunas/43744>. Acesso em 27.10.2010.
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