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O Inquérito Policial e o Princípio Constitucional do Contraditório


Autoria:

Alline Devens


Graduanda do 7º periodo de Direito da FACE-Faculdade Casa do Estudante. Estagiária da Polícia Civil.

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Resumo:

O principio do contraditório foi abraçado pela constituição federal. Em regra, deveria estar presente em todos os processos, tanto administrativo quando judiciais, mas há exceções, e estas serão alvo de nossos estudos.

Texto enviado ao JurisWay em 17/03/2011.



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O final dos anos 80 marcou a historia política brasileira, com o “grito de liberdade” há anos de repressão e supressão de direitos e garantias fundamentais, inerentes ao cidadão, ocasionados pela rigorosa ditadura militar. A constituição promulgada em 1988, restituiu e elencou, em cláusulas pétreas, um rol de direitos e garantias fundamentais do cidadão, de forma que esses não fossem mais suprimidos.

 

Assim sendo, cuidou o legislador constituinte de incorporar, dentre muitos outros princípios, o do devido processo legal, em que se lê no art. 5º, LIV da Carta Magna, “ninguém será privado da liberdade nem dos seus bens sem o devido processo legal”, protegido de igual forma pela Declaração Universal dos Direitos do Homem, art. XI:

 

                                   “todo homem acusado de ato delituoso tem direito de ser presumido inocente ate que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento publico no qual tenha sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa”.

 

O devido processo legal tem como corolário dois outros grandes princípios constitucionais, a ampla defesa e o contraditório. Ampla defesa, como a nomenclatura bem sugere, é a utilização de todos os meios possível, dado ao acusado, para que traga ao processo provas e elementos que viabilizem o esclarecimento da verdade.  Já o contraditório, é para muitos doutrinadores, a exteriorização da ampla defesa, a ponto de trazer para o processo dialogo sobre as provas e fatos apresentados. Dessa forma conceituou Nelson Nery Junior:

 

                                   “O principio do contraditório, além de fundamentalmente constituir-se  em manifestação do principio do estado de direito tem íntima ligação com o da igualdade das partes e do direito de ação, pois o texto constitucional, ao garantir ao litigantes o contraditório e a ampla defesa, quer significar que tanto o direito de ação, quanto o direito defesa são manifestação do principio do contraditório”.

 

 O constituinte ao elaborar o texto do inciso LV, do art. 5º da constituição em que se lê “os litigantes em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”, abrangeu a todos os processos, tanto judiciais, quanto administrativo. Porém, nem todos os processos administrativos é garantido o direito constitucional ao contraditório, como é o caso do inquérito policial.

 

O inquérito policial tem a natureza jurídica de processo administrativo de caráter informativo, com índole inquisitorial e sigilosa, em que a autoridade policial tem a discricionariedade de iniciar investigações de forma que melhor convier, sendo exercido de forma livre, como nas palavras conceituadoras de Paulo Rangel:

 

“Inquérito policial, assim é um conjunto de atos praticados pela função executiva do Estado com o escopo de apurar a autoria e materialidade (nos crimes que deixam vestígios- delicta facti permatentis) de uma infração penal, dando ao Ministério Público elementos necessários que viabilizem o exercício da ação penal”.

 

A competência para a instauração de inquérito  está expresso no artigo 4º do Código de Processo Penal, que dispõe o seguinte:

“Art. 4º A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria.

Parágrafo único. A competência definida neste artigo não excluirá a de autoridades administrativas, a quem por lei seja cometida a mesma função.”

 

 A inquisição é uma das fortes características do inquérito. Suas raízes estão firmadas no Sistema Inquisitorial, que vigorou no Brasil e no mundo durante a Idade Media, nos grandes regimes monárquicos do século XVI à XVIII, e era caracterizado pelo sigilo, pela tortura, pelas funções, julgamento, defesa e acusação, se concentrar nas mãos de em uma mesma pessoa e ainda por não haver contraditório nem ampla defesa. Em nosso sistema, o acusatório, o acusado se torna sujeito de direitos, em que o Estado, resguarda seus direitos.

 

O contraditório em sede de inquérito policial não é aplicável, como bem esclarece Paulo Rangel, “o caráter inquisitivo do inquérito faz com que seja impossível dar ao investigado o direito de defesa, pois ele não esta sendo acusado de nada, mas, sim, sendo objeto de uma pesquisa feita pela autoridade policial.”

 

Da mesma forma se posiciona Tourinho Filho:

                                                Em se tratando de inquérito policial, não nos aprece que a Constituição se tenha referido a ele, mesmo porque, de acordo com o nosso ordenamento, nenhuma pena pode ser imposta ao indiciado. Ademais o texto de Lei Maior fala em “litigantes”, e na fase da investigação preparatória não há litigante... É verdade que o indiciado pode ser privado da sua liberdade nos casos de flagrante, prisão temporária ou preventiva. Mas para esses casos sempre se admitiu o emprego do remédio heróico do habeas corpus. Nesse sentido, e apenas sentido, é que se pode dizer que a ampla defesa abrange o indiciado. O que não se concebe é a permissão do contraditório naquela fase informativa que antecede à instauração do processo criminal, pois não há ali nenhuma acusação.

 

Neste sentido, o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, em apelação criminal, proposta em ação de violação de direito autorais, se reportou a não existência do principio do contraditório no inquérito policial:

 

50153272 - APELAÇÃO CRIMINAL. VIOLAÇÃO DE DIREITO AUTORAL (ARTIGO 184, PARAGRAFO SEGUNDO DO CP). PRELIMINAR ARGUIDA PELO ORGAO MINISTERIAL DE CUPULA. ANALISE DA CULPABILIDADE. I- não ha que se falar em nulidade da sentença no tocante a individualização da pena, precisamente quanto a culpabilidade, quando analisadas todas as elementares da mesma e demais circunstancias previstas no artigo 59 do Código Penal, respeitando integralmente o que determina a Lei. II- preliminar rejeitada. Preliminar defensiva: Cerceamento de defesa. Não arguição oportuna. Mérito: Teoria da adequação social. Atipicidade da conduta. Principio da insignificância. Absolvição por insuficiência de provas. III- a investigação preliminar corresponde a fase pré-processual da persecução criminal e consiste no inquérito policial, presidido pelo delegado de policia. Assim como no inquérito policial não e exigido o respeito ao contraditório, repercutindo na ampla defesa, trata-se de procedimento meramente informativo na persecução criminal. (…) VI - Recurso conhecido e não provido. (TJGO; ACr 200903823734; Edéia; Rel. Des. Benedito do Prado; DJGO 28/01/2010; Pág. 353) 

A Lei 10.792/03 modificou a forma de procedimento do interrogatório do indiciado, ocasionando entendimentos diversos, e mais uma polêmica doutrinária. Para corrente doutrinaria minoritária, essa alteração proporcionou a possibilidade de haver contraditório em fase de inquérito policial. Mas prevalece o entendimento da correte majoritária, em que a nova forma de interrogatório, abrangida pela nova lei, somente surte efeitos na fase judicial da persecução penal, tendo, ainda, o inquérito sua característica inquisitorial, não há que se falar em contraditório.

 

Contudo, há que se fazer uma ressalva. Como toda regra possui exceções, não seria essa diferente. Durante a fase do inquérito policial, são produzidos indícios de provas, os quais deverão ser todos repetidos, renovados durante a fase judicial. Na doutrina, há divergências quanto à existência do contraditório, quando se tratar de provas são as provas cautelares antecipadas irrepetíveis.

 

Neste sentido, a jurisprudência já chegou ao consenso de que os indícios que possam sofrer alterações com o tempo, ou mesmo aqueles que em fase judicial não possam mais ser reproduzidas, sofrerão os efeitos do contraditório, o qual será diferido ou postergado, porém este somente era realizado perante juízo, em fase judicial, ou seja, os fatos, (indícios) ocorridos em sede policial que, durante a segunda fase da persecução penal (ação penal), não poderão ser repetidos, como por exemplo, a oitiva de uma testemunha “chave” para o deslinde de um crime, que esta em estado grave, e poderá não sobreviver até a fase da ação penal, poderá ser ouvida em sede de inquérito policial, e seu depoimento ter valor probatório e ser contraditado pela defesa, mas, não durante a fase  do inquérito policial, e sim no momento em que for oferecida a denuncia pelo Ministério Publico, e tiver inicio a ação penal, e diante da presença do magistrado, em juízo, poderá a defesa apresentar suas alegações e contradizer os atos realizados e aos indícios colhidos em sede policial. A autoridade policial devera requerer através de representação ao juiz, que o indício produzido, em sede de inquérito policial, tenha força de prova, e possa vir a ser contraditado em juízo.

 

Neste sentido, foi julgada a apelação criminal, no Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, em que o juízo somente aceitou os indícios produzidos em sede policial após ter passado pelo contraditório:

 

50140976 - APELAÇÃO CRIMINAL. TRAFICO. DESCLASSIFICAÇÃO. CONSUMO PESSOAL. INQUERITO POLICIAL. PROVA TESTEMUNHAL. POLICIAL. VALOR PROBATORIO. RECEPTAÇÃO. CORRUPÇÃO ATIVA. ABSOLVIÇÃO. INADMISSIBILIDADE. SUBSTITUIÇÃO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITOS. I - A condenação penal exige certeza em relação a materialidade e autoria delitiva. Havendo duvida, por ínfima que seja, em relação a destinação da droga apreendida, impõe-se a aplicação do principio in dubio pro reo, desclassificando a conduta do agente de trafico para a modalidade de uso. II - Desde que corroborada em juízo, sob o crivo do contraditório, as provas colhidas durante o inquérito policial tem valor probatório. III - Majoritário o entendimento de que o testemunho de policial pode sustentar a condenação, mormente quando encontra ressonância no acervo probatório. (...) VI - Apelo conhecido e parcialmente provido. (TJGO; ACr 35906-1/213; Itumbiara; Rel. Des. Carlos Alberto França; DJGO 22/07/2009; Pág. 166).

Outra exceção a essa regra, esta regulamentada pela Lei 6.815/80, artigo 70, em que o inquérito policial terá de forma obrigatória o contraditório, é a que vise a expulsão de estrangeiro de território nacional, sendo de competência da policia federal tal diligencia, e ainda sua instauração está sujeita ao pedido do Ministro da Justiça.

 

Em breves linhas, a excelente obra de Fernando Capez aborda essa exceção, “o único inquérito que admite o contraditório é o instaurado pela policia federal, a pedido Ministro de Justiça, visando à expulsão de estrangeiro.”

 

Esse também foi o entendimento da 5ª turma do Superior Tribunal de Justiça, em que afirma:

 

PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO INQUÉRITO POLICIAL. INEXISTENCIA: “(...) Os princípios do contraditório e da ampla defesa não se aplicam ao inquérito policial, que é mero procedimento administrativo de investigação inquisitorial” (STJ, 5ª T., rel. Min. Gilson Dipp, j. 7-5-2003, DJ 4 ago. 2003, p. 327).

 

Portanto, ressalvadas as exceções mencionadas, o principio constitucional do contraditório, assegurado em clausula pétrea, não se aplica a fase de inquérito policial, vez que, uma das características basilares do inquérito policial é a inquisitoriedade em que a autoridade policial tem a discricionariedade de realizar diligencia, a fim de buscar definir a autoria e materialidade de um crime.

 

Dessa forma, seria inviável a presença do contraditório em sede policial, pois todos os indícios colhidos e todas as investigações em andamento poderiam correr o grande risco de perder seu objeto, sua finalidade se o investigado soubesse que contra ele existe uma demanda policial. De outra maneira, não pode se comportar o legislador, com o intuito de garantir a sigilosidade e a segurança nas investigações policias que virão futuramente a servir de base para o oferecimento da denuncia a ser feita pelo Ministério Publico.

 

 

 

Referências Bibliográficas:

RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 15ª Edição (revista, ampliada e atualizada). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

 

CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 15ª Edição (revista e atualizada). São Paulo: Saraiva, 2008.

 

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 31ª Edição (revista e atualizada). São Paulo: Saraiva, 2009.

 

Jurisprudência disponível em: http://www.editoramagister.com, encontrado no dia 01 de março de 2011.

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