1 – INTROITO
Cumpre esta introdução trazer algumas breves considerações sobre o tema a ser tratado na evolução deste texto.
A instituição do Ministério Público, considerada nos dias atuais, abriu discussão (principalmente pelo fato de que o Constituinte originário colocou a instituição em separado dos demais poderes) sobre se é possível elevar esta peculiar instituição ao patamar de Poder, ou seja, um quarto poder.
Para tanto fora usado autores diversos além de uma brevíssima análise semântica do significado do texto da Constituição Federal brasileira no que tange a “enumeração dos poderes”.
2 – A INSTITUIÇÃO MINISTÉRIO PÚBLICO
2.1 – CONCEITUAÇÃO
Afinal de contas, o que é o Ministério Público?
A Carta Cidadã de 1988 se encarregou de trazer em seu corpo (mais precisamente no artigo 127 primeira parte) a conceituação do que seria o Ministério Público, sendo que esta foi inteiramente reproduzida pela lei 8.625/93, verbis:
“O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”. (a letra do dispositivo em questão traz a conceituação, mas somente no artigo 129 da CF é que se verifica, exemplificativamente, as funções da instituição).
O homo medio quando perguntado em que âmbito trabalha o Ministério Público diz quase instantaneamente: “no âmbito dos processos”, ou “no Judiciário”.
De fato o Ministério Público age nestes âmbitos, mas será que é só neles? Seria em todos os processos?
No que tange aos processos, o Ministério Público só atua naqueles que disserem respeito à coletividade (ou direitos individuais indisponíveis). Porém, numa superficial leitura do artigo 127, erroneamente, presume-se que o representação do Ministério Público limita-se somente a este âmbito (processual). Mas, também saltam aos olhos o fato que Ministério Público exerce atividades tais como: fiscalização de fundações e prisões, homologação de acordos extrajudiciais entre outras que indubitavelmente são funções bem distintas das que se presumem da leitura superficial supra referida.
Ou seja, o Ministério Público pode atuar junto aos demais poderes, não só junto ao Judiciário, não só no âmbito dos processos.
2.2 – INSTITUIÇÃO NÃO VINCULADA
O Ministério Público, apesar do título “Ministério” não é nenhum órgão ministerial de assessoramento direto da Presidência da República.
Não é vinculado ao Poder Executivo, ao Legislativo, nem ao Judiciário, enfim, não é vinculado a ninguém, seja temporal ou territorialmente.
O Ministério Público é órgão constitucional independe dos governos; é verdadeiro inimigo das injunções, em resumo é órgão que age autonomamente, representa a coletividade, a justiça.
3 – BREVES ANOTAÇÕES SOBRE OS PODERES EM MONTESQUIEU
O pensamento da separação de poderes vem desde Aristóteles, porém a configuração que se faz presente hoje em vários Estados surgiu em Montesquieu com “L’Esprit des Lois” a tripartição dos poderes, com um executivo, um legislativo e um judiciário.
Estes poderes trabalhariam de modo não vinculado, independentes uns dos outros.
Tal modelo de divisão dos poderes tem como grandioso fito a moderação do poder via “harmônica cooperação” entre estes poderes.
E para que houvesse tal cooperação tais poderes seriam regidos por meio de normas, ou seja, o próprio Estado se limitando em suas ações.
4 – A QUARTA ESFERA DE PODER
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Porém esta teoria da tripartição vem sido questionada, argumentando-se que uma visão tríplice não seria adequada e sim uma visão quádrupla justamente em virtude do status que o Ministério Público adquiriu (importância, atuação, etc.) com o advento da Constituição Federal de 1988.
Neste caso, como consequência, haveria uma verdadeira releitura da ideia tripartite de Montesquieu posto que esta seria colocada em xeque.
Porém seria de fácil resolução o problema, posto que o que de fato haveria seria uma mudança na conclusão do raciocínio sem, no entanto, mudar a essência primordial da ideia que moveu Montesquieu: a separação dos poderes.
A clássica visão dos órgãos que: executa, legisla e julga seria acompanhada do órgão que defende (ou fiscaliza dependendo do ponto de vista) seja defendendo a sociedade, a lei, seja de onde estiver vindo a ofensa.
Em defesa do argumento do “quarto poder” comumente (mas não só) se usa o fato de que (no artigo 2º da CF ) “se o poder constituinte originário não erigiu o Ministério Público como poder da mesma forma não regulamentou o contrário”, senão haveria uma restrição (de ordem semântica) no artigo 2º da Constituição da ordem de: “São os poderes da União...” além do mais, iria constar na Carta Cidadã de 88, especificamente no §4º inciso III a expressão tripartição dos poderes de modo a tronar pétrea a tripartição e não uma “mera separação”.
Há, no entanto aqueles que argumentam de forma contrária à ideia do quarto poder e prezam pela inserção do Ministério Público em um dos três poderes, numa tentativa de vinculá-lo, dizendo ainda que, no caso, o texto constitucional não é passível da dita interpretação por via semântica.
Alguns autores argumentam pela inserção no âmbito do Legislativo, pois, por ser um fiscalizador do cumprimento da lei, este guardaria alguma afinidade com a dita esfera de poder.
Outros argumentam que a instituição estaria inserta no âmbito do judiciário porque embora reconheçam ser a instituição um órgão não jurisdicional o veem fora da esfera do executivo como Mirabete cita em sua obra.
Há ainda os que argumentam estar o Ministério Público inserido no âmbito do executivo por exclusão, se não faz parte do Judiciário, nem do Legislativo, deve fazer parte do Executivo.
Os argumentos acima que defendem a inserção do Ministério Público em uma das esferas são passíveis de contraditório: afinidade não é característica para se enquadrar uma instituição em um poder, ainda mais devido ao fato que se colocou o Ministério Público em Capítulo próprio; o Ministério Público não exerce somente atividades que dizem respeito à função jurisdicional (como já fora dito anteriormente) e vincular o Ministério Público ao Executivo seria manifesta atecnia, pois além de estarem em lugares distintos no texto constitucional, as funções do Parquet não se comparam com as do poder citado.
Existem ainda (consistentes) argumentos contrários às ponderações tendentes à inserção do Ministério Público em uma das três esferas de poder tradicionais, equiparando o Ministério Público a um dos três Poderes e não vinculado a um deles, como a maioria dos doutrinadores que sequer observam a autonomia e que o Ministério Público possui. A própria Constituição traz passagens que equiparam a instituição à um dos Poderes enunciados no artigo 2º da mesma Carta. Guilherme Costa Câmara assim preleciona em argumentação exemplificativa: “... a reforçar o roteiro que estamos traçando, o direito posto em o art. 85, II, da Constituição da República, forte em demonstrar que assim como há preceitos constitucionais implícitos, não desborda de uma interpretação conforme à Constituição (Verfassungsinterpretation), o reconhecer uma equipolência entre o Ministério Público e os outros poderes, a merecer transcrição porque revelador ao anunciar, ‘in litteris’
‘São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra:
I - "omissis";
II- o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação’ (Grifei)."
E continuando a mesma linha de raciocínio, pode-se trazer a emersão as palavras precisas de Alexandre de Morais no que tange a equiparação supracitada, ele diz que os quatro: "se assemelham em virtude da autonomia e independência e finalidades constitucionais. Além disto, exercem todos funções do Estado, dentro de uma visão mais contemporânea das funções estatais, que reconhece o Estado constitucional de direito assenta-se na ideia de unidade, pois, o poder soberano é uno, indivisível, existindo órgãos estatais, cujos agentes políticos têm a missão precípua de exercerem atos de soberania”.
Lembre-se ainda que o poder político congrega três características basilares coforme enumera José Afonso da Silva: UNIDADE, INDELEGABILIDADE E INDIVISIBILIDADE. Invocando novamente Guilherme Costa Câmara este completa lembrando: “Todas, além da autonomia e independência funcional, [são] imanentes ao Ministério Público, que, ainda foi agraciado com quinhão da soberania do Estado (art. 129, I – ‘São funções institucionais do Ministério Público: I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei’)”.
5 – CONCLUSÃO
Ante ao exposto resta demonstrado que o Ministério Público seria uma espécie de quarto Poder. Apesar de a qualidade argumentativa de quem contesta a inserção do Ministério Público como um quarto Poder ser apreciável (não se resumindo à expostas neste trabalho), não podemos com elas concordar, pois em apertadíssima síntese:
No que tange a instituição ora em análise, suas característica, suas funções levam a crer que não se insere em nenhum dos três poderes, mas que na verdade seria um poder a parte.
Não há que se falar em vinculação quando se tem que é um órgão funcionalmente independente.
A própria Constituição em algumas passagens equipara o Ministério Público com os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário.
Não é porque o Constituinte originário se omitiu em inserir no artigo 2º da CF a instituição em foco que ele proibiu a equiparação deste aos Poderes citados no dito artigo, até porque como bem assinala Canotilho e Moreira: “Preceitos constitucionais devem ser interpretados tanto explicitamente quanto implicitamente, a fim de colher-se seu verdadeiro significado”.
Por fim, traga-se as palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello “O poder é meramente a contraface do dever”, e é de deveres e obrigações que o Ministério Público é dotado quando se o analisa no texto constitucional.
Bibliografia
CÂMARA, Guilherme Costa. O Poder Ministerial . Jus Navigandi, Teresina, ano 1, n. 20, out. 1997. Disponível em: . Acesso em: 01 jul. 2010.
CANOTILHO, J.J. Gomes, MOREIRA, Vital. Fundamentos da Constituição. 2. ed. Coimbra, Coimbra Editora, 1993
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 8. ed. São Paulo, Malheiros, 1996.
MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 8. ed. São Paulo, Atlas, 1998
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 2. ed. São Paulo, Atlas, 1997