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Resumo:
Em face do que preceitua a Constituição Federal, tem-se a divergência doutrinária acerca do papel do MP no âmbito das investigações criminais prévias, onde o presente artigo tentará trazer os argumentos centrais que fundamentam tais entendimentos.
Texto enviado ao JurisWay em 17/06/2010.
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I - Introdução:
Em face da vigência de um Estado Democrático de Direito, toda acusação deve possuir um lastro probatório mínimo, função esta que se alcança por meio de uma investigação preliminar, ou seja, anterior ao oferecimento da denúncia como forma de viabilizar a direito constitucional de ampla defesa e contraditório por parte do imputado.
O Inquérito Policial constitui uma das espécies de investigação previa, possuindo natureza jurídica de processo administrativo preparatório para o ajuizamento de uma eventual Ação Penal, tendo por objetivo demonstrar a existência da materialidade do fato típico e indícios mínimos de autoria ou participação.
O inquérito consiste em um conjunto de diligencias realizada pela polícia investigativa para apuração da infração penal, presidido pela autoridade policial com vistas a formação do lastro probatório mínimo que possa viabilizar o ingresso em juízo do titular da Ação Penal.
O inquérito policial, diferentemente do que se persegue no processo, possui essência inquisitorial, ao passo que é sigiloso, podendo ser realizado à “revelia” do imputado, mas o Ministério Público como órgão responsável pela acusação tem acesso ao mesmo, o que se analisado segundo os preceitos Constitucionais, fere o princípio da paridade de armas entre acusação e defesa.
É em função da existência de contradições interpretativas da legislação vigente no que concerne ao papel do Ministério Público em face do inquérito policial e da possibilidade de atribuição para proceder nas investigações preliminares, que se faz necessário uma analise mais aprofundada dos efeitos de tais interpretações à luz sobretudo do que determina os preceitos Constitucionais.
II – Pontos contrários à atribuição do Ministério Público para proceder à investigação prévia:
O arcabouço argumentativo de quem se mostra contrário à realização da investigação prévia por parte do Ministério Público se faz em via de regra com base na interpretação das disposições constitucionais e infraconstitucionais pertinentes, bem como de elementos históricos de interpretação e dos efeitos práticos do problema, assim vejamos os principais argumentos que sustentam o entendimento doutrinário contrário a esta possibilidade investigativa do Ministério Público:
O art. 144, da Constituição Federal atribui de forma expressa às Polícias Federal e Civil a apuração de infrações penais. A Polícia, portanto, é a autoridade competente para proceder a investigações criminais, como exigido pela garantia constitucional do devido processo legal (art. 5º, LIII da CF/88), onde a Constituição atribui ao Ministério Público a função de exercer o controle externo da atividade policial (art. 129, VII da CF/88) e não de substituí-la, não permitindo assim a existência do Promotor investigador.
Da mesma forma, a competência para promover a Ação penal concedida ao Ministério Público, não abarca a investigação criminal, trata-se, na verdade, de uma competência diversa e que foi atribuída de forma expressa pelo constituinte a outro órgão. Não sendo plausível a aplicação aqui, portanto, da lógica dos poderes implícitos, pela qual quem pode o mais pode o menos, ao passo que a investigação não consiste em um mero “apêndice” da Ação penal, ao passo que não necessariamente o inquérito ensejará obrigatoriamente uma Ação Penal.
No que concerne brevemente aos aspectos históricos no Brasil, a competência para realizar as investigações preparatórias da Ação Penal sempre foi da Polícia. Em várias ocasiões tentou-se modificar esse regime, mas as propostas foram rejeitadas. Propostas nessa linha foram rejeitadas na elaboração da Constituição de 1988, especificamente nas discussões da assembléia constituinte, o texto aprovado pretendia exatamente manter as investigações criminais como atribuição exclusiva da polícia judiciária.
Em termos práticos, conceder ao Ministério Público atribuições investigativas, além da competência para promover a Ação Penal, é de todo indesejável. Estaria se conferindo excessivo poder a uma única instituição, que praticamente não sofre controle por parte de qualquer outra instância, favorecendo assim condutas abusivas.
Assim sendo, a concentração de atribuições prejudicaria a impessoalidade e o distanciamento crítico que o membro do Ministério Público deve manter no momento de decidir pelo oferecimento ou não da denúncia. É naturalmente esperado que quem conduz a investigação acabe por ficar comprometido com o seu resultado.
Neste sentido o STF em face de recurso ordinário
RHC 81326 / DF - DISTRITO FEDERAL
RECURSO
Relator
Julgamento: 06/05/2003 Órgão Julgador: Segunda Turma
Publicação: DJ DATA-01-08-2003 PP-00142 EMENT VOL-02117-42 PP-08973
EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO
III - Pontos favoráveis à atribuição do Ministério Público para proceder à investigação prévia:
Os defensores da posição favorável a que o Ministério Público proceda a investigações criminais também apresentam um conjunto de argumentos diversos para sustentar esta tese, argumentos estes, em via de regra, de cunho constitucional e de efeito pratico.
O Ministério Público, como titular da Ação Penal Pública (art. 129, I de CF/88), não seria um mero espectador da investigação perpetrada pela autoridade policial, podendo desta forma, não só requisitar diligências, como realizá-las diretamente, quando elas se mostrem necessárias. Sob o argumento doutrinário de que o inquérito policial é um instrumento facultativo e dispensável para o exercício do direito de ação.
A Constituição atribuiu ao Ministério Público, de forma ampla, o controle externo da atividade policial (art. 129, VII da CF/88), além de dispor que cabe ao Ministério Publico requisitar diligências investigativas e a instauração de inquérito policial.
O sistema do art. 129 da Constituição visa fornecer ao Ministério Público autonomia para adentrar na apuração dos fatos necessários ao oferecimento da denúncia, por meio inclusive da expedição de notificações para a coleta de depoimentos.
Neste prisma interpretativo, não haveria conflito entre as normas constitucionais indicadas anteriormente e o que dispõe o art. 144 da mesma Constituição, ao passo que tais normas têm caráter principiológico, visto que o art. 144 não conferiu exclusividade à Polícia no que diz respeito à investigação de infrações penais.
Em termos práticos, tal entendimento trata desta possibilidade investigativa do Ministério Público como tendo um caráter subsidiário e empregada apenas quando for necessário, de modo que a competência da Polícia não é subtraída. De todo modo, o sistema pelo qual se atribui com exclusividade à Polícia a investigação criminal,reservando-se ao Ministério Público a função de mero repassador de provas, mostra-se contraproducente. A atuação direta do Ministério Público nesse particular pode conferir maior celeridade à atividade investigatória, permitindo ademais o contato pessoal do agente do Ministério Público com a prova e facilitando a formação de seu convencimento.
Diversas situações praticas sob esse prisma interpretativo balizam a intervenção do Ministério Público por sua independência em relação aos Poderes estatais, sobretudo, em função dos constantes envolvimentos da polícia em episódios de corrupção.
Neste sentido o STJ editou a Súmula n° 234 na qual determina que:
Ementa: A participação de membro do Ministério Público na fase investigatória criminal não acarreta o seu impedimento ou suspeição para o oferecimento da denúncia.
Órgão Julgador : TERCEIRA SEÇÃO
Data da Decisão : 13/12/1999
Fonte DJ DATA : 07/02/2000 PG: 185
IV – Conclusão:
Após perpassar pela análise comparativa dos fundamentos que embasam os divergentes entendimentos acerca da possibilidade ou não da atuação investigativa do Ministério Público no âmbito do Inquérito Policial, há que se tecer algumas considerações à titulo conclusivo identificando o posicionamento que mais se mostra plausível ao confrontar esta temática.
Em primeiro plano, não parece condizente conceder ao Ministério Público um caráter de inviolabilidade moral, como se a corrupção fosse um instituto inerente da polícia como um todo, bem como se a atuação direta do MP com o processo investigativo não pudesse da mesma forma ter o condão de tornar vulnerável a confiabilidade de seus agentes.
Assim sendo, invocar uma possível falibilidade do dever da polícia de agir conforme determina a lei, não pode ser fundamento para desvirtuar o papel do MP que em verdade possui meios mais do que suficientes para regular externamente o papel da polícia investigativa.
Em verdade o fundamento que mais se mostra relevante dentre todos os outros, tanto favoráveis como contra a atuação investigativa do MP, é o de que logicamente quem conduz a investigação termina comprometendo-se com seu resultado, onde invariavelmente o MP sempre estaria inclinado a denunciar o investigado, fato este que não ocorre quando tal órgão se mantém alheio a investigação decidindo apenas pelo oferecimento ou não da denúncia em face da investigação realizada pela polícia, atendo-se a seu papel, para, a partir daí, atuar diretamente no processo, fato este que se mostra muito mais condizente com o sistema acusatório ao qual se filia a Constituição, bem como, esta forma anômala termina por conceder uma concentração de poder demasiadamente perigosa nas mãos do MP ao passo que as investigações perpetradas por este órgão não são passíveis de qualquer tipo de fiscalização externa.
BIBLIOGRAFIA:
GRECO FILHO, Vicente. Manual de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 1997.
LOPES, José Reinaldo de Lima. O Direito na História: Lições Introdutórias. São Paulo: Max Limonad, 2000.
MORAES FILHO, Antônio Evaristo de. As funções do MP e o Inquérito Policial. Disponível em < http://ins.oab-rj.org.br/index.jsp?conteudo=357 >
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 10° edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.
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