O presente trabalho tem por escopo discutir a moderna abordagem da principiologia contratual, em consonância com os ditames legais e com a análise da moderna doutrina, e ainda, buscando a interpretação jurisprudencial de cada um dos princípios enunciados. Ressalta-se a especial atenção a hodierna relativização de alguns princípios cernes do Direito Civil.
Para atingirmos o pleno desenvolvimento na análise da principiologia do direito contratual, importante é o estudo do princípio norteador, na atualidade, dos demais, que é o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, o qual influi diretamente no campo de abrangência dos outros, que são: o da autonomia da vontade ou consensualismo, da função social do contrato, da relatividade dos efeitos dos contratos e da boa-fé objetiva
Buscando harmonizar o presente estudo com as tendências doutrinárias e jurisprudências, passaremos a discorrer pormenorizadamente acerca dos princípios contratuais apontados pelas doutrinas como mais relevantes para o moderno direito civil, em especial à temática contratual.
Antes de nos determos na análise de cada um dos princípios contratuais norteadores do Direito Civil Contemporâneo, conveniente é a elucidação do significado e abrangência jurídicos do vocábulo “princípios”, os quais além de exercerem função cerne no âmbito do direito contratual, desempenham importante função no ordenamento jurídico pátrio, seja nos parâmetros de elaboração dos contratos nas diversas modalidades econômicas, bem como na consecução dos objetivos pactuados.
Diante da importância dos princípios para todo ordenamento jurídico pátrio, imprescindível é o estudo do conceito de princípios, nas palavras dos professores PABLO STOLZE GAGLIANO e RODOLFO PAMPLONA FILHO apud WILLIS SANTIAGO GUERRA FILHO[1]:
Princípios, por sua vez, encontram-se em um nível superior de abstração, sendo igual e hierarquicamente superiores, dentro da compreensão do ordenamento jurídico como uma ‘pirâmide normativa’ (Stufenbau), e se eles não permitem uma subsunção direta dos fatos, isso se dá indiretamente, colocando regras sob o seu ‘raio de abrangência.
Em detida análise sobre a importância e diferenciação dos princípios e das regras, o professor HUMBERTO ÁVILA[2], assim dispõe:
Os estudos de direito público, especialmente de direito constitucional, lograram avanços significativos no que se refere à interpretação e à aplicação das normas constitucionais. Hoje, mais do que ontem, importa construir o sentido e delimitar a função daquelas normas que, sobre prescreverem fins a serem atingidos, servem de fundamento para a aplicação do ordenamento constitucional - os princípios jurídicos. É até mesmo plausível afirmar que a doutrina constitucional vive, hoje, a euforia do que se convencionou chamar de Estado Principiológico. Importa ressaltar, no entanto, que notáveis exceções confirmam a regra de que a euforia do novo terminou por acarretar alguns exageros e problemas teóricos que têm inibido a própria efetividade do ordenamento jurídico. Trata-se, em especial e paradoxalmente, da efetividade de elementos chamados de fundamentais - os princípios jurídicos. Nesse quadro, algumas questões causam perplexidade.
Continua o nobre doutrinador na árdua tarefa de diferenciar princípios e regras no ordenamento jurídico brasileiro:
A primeira delas é própria distinção entre princípios e regras. De um lado, as distinções que separam os princípios das regras em virtude da estrutura e dos modos de aplicação e de colisão entendem como necessárias qualidades que são meramente contingentes nas referidas espécies normativas. Ainda mais, essas distinções exaltam a importância dos princípios - o que termina por apequenar a função das regras. De outro lado, tais distinções têm atribuído aos princípios a condição de normas que, por serem relacionadas a valores que demandam apreciações subjetivas do aplicador, não são capazes de investigação intersubjetivamente controlável. Como resultado disso, a imprescindível descoberta dos comportamentos a serem adotados para a concretização dos princípios cede lugar a uma investigação circunscrita à mera proclamação, por vezes desesperada e inconseqüente, de sua importância. Os princípios são reverenciados como bases ou pilares do ordenamento jurídico sem que a essa veneração sejam agregados elementos que permitam melhor compreendê-los e aplicá-los.
A sociedade contemporânea é produto de transformações de cunho econômico, social e fraternal, diante de tal enfoque, a doutrina classifica os direitos fundamentais em gerações, sendo a primeira geração a dos direitos e garantias individuais e políticos clássicos; a segunda, a dos direitos sociais, econômicos e culturais – surgidos no início do século passado – e a terceira geração, com os direitos de solidariedade e fraternidade.
Os últimos englobam direitos como a um meio ambiente equilibrado, uma vida saudável, ao progresso, a paz, à autodeterminação dos povos e aos direitos difusos. Portanto, de uma época de direitos absolutos, individualistas e perpétuos, evolui-se para a conformação contemporânea, com a valorização e proteção da coletividade, com veementes reflexos nas relações econômicas, com destaque para as alterações sofridas pela principiologia contratual.
No tocante à principiologia contratual, a doutrina não é uníssona ao elencar de modo estanque os princípios contratuais contemporâneos, haja vista a rápida evolução sofrida pelo Direito Civil Contemporâneo.
Em sua obra PABLO STOLZE GAGLIANO e RODOLFO PAMPLONA FILHO[3] enumeram os seguintes: o princípio da autonomia da vontade ou do consensualismo, o princípio da força obrigatória do contrato, o princípio da relatividade subjetiva dos efeitos do contrato, o princípio da função social do contrato, o princípio da boa fé objetiva, o princípio da equivalência material, e com maior destaque, o princípio da dignidade da pessoa humana, o qual, segundo os autores supracitados, paira sobre todos os outros princípios, uma vez que apresenta dimensão constitucional.
As noções da ciência contratual contemporânea alteraram-se com os novos parâmetros de viés constitucional, os quais sobremaneira contribuíram para o desenvolvimento nas nações, uma vez que as relações comerciais fundada em contratos trouxeram maior segurança jurídica aos contratantes.
Assim, diante da liberdade contratual ou autonomia da vontade, base das relações contratuais, combinada com a força vinculantes das disposições constantes dos contratos, as relações jurídicas – obrigacionais – passaram a ser regidas com mais equilíbrio.
Nesse diapasão, a evolução da concepção do contrato a partir do século XX, em breves linhas, ocorreu da seguinte forma:
O século XX marcou profundas alterações no direito contratual em face do cenário socioeconômico e político, com o recrudescimento das desigualdades no campo jurídico-contratual. No pós-Segunda Guerra Mundial houve a necessidade de intervenção do Estado na regulação da atividade econômica a fim de coibir os abusos perpetrados no âmbito da autonomia da vontade.
Nessas circunstâncias fáticas e jurídicas surgiu o Estado Social de Direito no qual os princípios da liberdade, obrigatoriedade e relatividade contratual começaram a perder seu caráter absoluto, porquanto o legislador passou a intervir para reparar os desequilíbrios gerados pela ação de forças contratuais iníquas, acarretando a revisão do conceito de liberdade contratual.
Por conseguinte, a doutrina moderna que se assentou após o advento das Constituições Sociais se configura por suscitar verdadeira revisão da técnica constitucional, haja vista o tratamento legislativo mediante normas de política econômica e social[4].
Ademais, o direito dos contratos é baseado em princípios e valores da órbita constitucionais, uma vez que se fundam na eficácia dos direitos fundamentais, na sistematização e aplicação às relações jurídicas intersubjetivas.
O princípio da dignidade da pessoa humana tanto por seu conteúdo social e jurídico, quanto por sua matriz constitucional, é de suma importância para o direito privado, bem como para o direito público.
Ressalta-se sua repercussão no campo privado por conta de sua distinção conceitual perante os demais princípios oriundos da doutrina mais moderna, a qual é unânime em concebê-lo como o princípio que se destaca entre os demais, chegando a ser superiores normativamente a eles.
Por ser repleto de solidariedade social foi imprescindível para a efetiva implantação do Estado Democrático de Direito, estando elencado no art. 1º, III da Constituição Federal de 1988, como um princípio fundamental, in verbis:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V - o pluralismo político.
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.
Ao lado de outros princípios fundamentais ao equilíbrio e efetividade do Estado Democrático de Direito, o princípio da dignidade da pessoa humana destaca-se pelo seu conteúdo norteador, que valoriza o viés social, representa uma verdadeira cláusula geral de proteção – tutela – e promoção da pessoa humana, a qual pelo ordenamento jurídico hodierno é tomada por seu valor máximo.
A proteção e valoração dos direitos da personalidade, por conta dos preceitos que emanam do princípio da dignidade da pessoa humana, refletem diretamente nas tratativas contratuais, as quais, em regra, ocorrem entre os particulares. Não sendo, portanto, admitido que por ocasião de uma relação contratual, o contratante reprima o respeito que se deve ter perante a pessoa humana. Por exemplo, valores como a imagem, privacidade, integridade física, vida, entre outros, não podem ser subjugados a pretextos de se exigir o adimplemento de determinada relação contratual, a qual deve apenas repercutir no patrimônio do devedor, não em seus direitos personalíssimos.
Em uma brilhante conceituação PABLO STOLZE GAGLIANO e RODOLFO PAMPLONA FILHO[5], assim dispõem: “o princípio da dignidade da pessoa humana culmina por descortinar a nova vocação do Direito Privado, qual seja, a de redirecionar o alcance das normas para a proteção da pessoa, sem prejuízo de mecanismos reguladores da proteção do patrimônio”
O ordenamento jurídico brasileiro, quanto à hierarquia dos princípios contratuais, tem em sua estrutura formadora como princípio maior – norteador – o da função social do contrato, este não poderá, certamente por conta de sua essência de valorização da coletividade, se sobrepor ou mesmo neutralizar a livre iniciativa das partes.
Uma vez que a função social, mesmo com o seu relevante valor para o interesse coletivo, não pode macular a figura da autonomia da vontade, o qual, mesmo dia doa atual valorização do interesse coletivo, é um das bases do contrato contemporâneo.
A autonomia da vontade se funda, baseia-se, na liberdade contratual dos contratantes, deste modo, consiste no poder de estipular livremente, como melhor convier as partes, mediante um acordo de vontades, disciplinar seus interesses, sempre respeitando as normas cogentes.
Interessante e tênue diferenciação é abordada pela doutrina moderna no tocante a liberdade contratual e a liberdade de contratar, as quais compõem uma subdivisão do princípio da autonomia da vontade.
Em breves linhas, a liberdade de contratar é a faculdade de realizar ou não determinado contrato com determinada pessoa, manifesta-se no plano pessoal, alude à escolha de celebração ou não do contrato. Já a liberdade contratual é a possibilidade de estabelecer o conteúdo do contrato, ou seja, a determinação do conteúdo, de suas cláusulas, sempre em consonância com o ordenamento jurídico e a liberdade de criação de contratos atípicos.
Ademais, a ideia de que as pessoas podem se abstiver de contratar, hodiernamente, sofre algumas limitações, verbi gratia, quando a obrigação de contratar emerge de lei, como no caso do seguro obrigatório.
É possível, ainda, quanto à liberdade de contratar, em determinadas situações não haja liberdade de escolher outro contratante, por exemplo, nos serviços públicos sob regime de monopólio, nos quais, os contratantes diante dos serviços prestados pelas empresas concessionárias de serviço público, podem não ter escolha para contratar.
O conteúdo do contrato, no princípio em comento, pode ser alterado em consonância com os interesses e com as peculiaridades do negócio, sendo possível ampliar ou mesmos restringir os efeitos jurídicos do vínculo contratual, ou até mesmo adotando novas formas contratuais. Os contratos distintos dos previstos no ordenamento jurídico são classificados como contratos inominados.
Necessário atentar que a liberdade contratual não é absoluta, nem ilimitada, uma vez que é restringida pela supremacia da ordem pública, a qual veda acordos que lhe seja contrários, bem como contrariem os bons costumes, de forma que o interesse coletivo quando em conflito com o dos contratantes, se sobreponha à vontade deles.
Nesse diapasão, o Código Civil Brasileiro: “Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”.
Com o disposto no art. 421 do CCB, nitidamente está descartado o individualismo, e nítida é a função institucional do contrato, uma vez que a autonomia da vontade encontra limites na supremacia da ordem pública.
PABLO STOLZE e RODOLFO PAMPLONA FILHO[6] argumentam que com o advento do liberalismo, o princípio da autonomia da vontade, ganhou mais visibilidade. E colocam sob a mesma égide a autonomia da vontade e o consensualismo, uma vez que na atualidade, segundo os autores, é imperativo o reconhecimento pragmático da sinonímia de tais princípios, sob a idéia geral da liberdade de contratar.
Em contraponto Maria Helena Diniz ao analisar o princípio do consensualismo, o faz em separado do da autonomia da vontade, conceituando da seguinte forma:
...simples acordo de duas ou mais vontades basta para gerar o contrato válido, [...], não se exige, em regra, qualquer forma especial para a formação do vínculo contratual. Embora alguns contratos, por serem solenes, tenham sua validez condicionada à observância de certas formalidades estabelecidas em lei, a maioria deles é consensual, já que o mero consentimento tem o condão de criá-los, sendo suficiente para sua perfeição e validade
[7].
Com a evolução histórica e os movimentos sociais do séculos XIX e XX, o princípio da autonomia da vontade foi sobremaneira diminuído, no entanto, não sofreu total aniquilação, já que o contrato não sem vontade não é contrato.
Com o advento do século XX e as mudanças decorrentes das guerras e da tecnologia, o antes propagado individualismo liberal, cedeu lugar para uma política intervencionista estatal na economia. Essa ingerência estatal em relação aos sistemas jurídicos transmudou-se em dirigismo contratual[8].
PABLO STOLZE apud ARNOLD WALD, assim entende o instituto do dirigismo contratual:
“As idéias solidaristas e socialistas e a hipertrofia do Estado levaram, todavia, o Direito ao dirigismo contratual, expandindo-se a área das normas de ordem pública destinadas a proteger os elementos economicamente fracos, favorecendo o empregado, pela criação do Direito do Trabalho, e o inquilino, com a legislação sobre locações, e o consumidor, por uma legislação específica”.
Deste modo, uma série de medidas – normas – foram editadas, objetivando coibir abusos e reequilibrar as relações contratuais, por meio de mecanismos protetivos dos hipossuficientes economicamente, v.g., a inversão do ônus da prova, a responsabilidade civil objetiva, a desconsideração da personalidade jurídica, a teoria da imprevisão e a Lei 8.078/90.
Diante de todo o exposto, infunde-se que os princípios da autonomia da vontade e o consensualismo, mesmo mitigados pela aplicação do princípio da função social dos contratos, continuam como base da noção do contrato, e mesmo com o advento do dirigismo contratual e a conseqüente limitação e condicionamento por normas cogentes em favor do interesse público, isto é, a ordem pública, tais princípios continuam a orientar as relações contratuais modernas.
Diante do importante papel desenvolvido nas relações contratuais pelo instituto jurídico da função social do contrato, imperioso nos determos inicialmente em suas sucessivas mudanças, que desembocaram no moderno em sua moderna conceituação. Com a evolução histórica – principalmente o viés econômico – e conseqüente alteração do panorama das sociedades, o Estado contemporâneo passou a adotar uma postura cabalmente intervencionista, principalmente na seara das relações econômicas.
Em decorrência de tal fenômeno intervencionista, a função social do contrato moldou-se com contornos mais específicos, haja vista integrar uma doutrina mais abrangente, intitulada de doutrina da função social, a qual também traz em sua égide a função social da propriedade.
Confluindo para tal entendimento da função social do contrato alicerçada na função social da propriedade, a doutrina de Gagliano e Pamplona Filho dispõem que o contrato é figura que acompanha as mudanças de matizes da propriedade e experimenta inegável interferência desta modalidade do direito.
Em análise comparativa entre o CC/1916 e o atual, àquele por razões históricas e até mesmo sociais, já que a sociedade brasileira na época de sua elaboração se dirigia no sentido oposto a socialização da propriedade - vivia-se em uma sociedade de economia rudimentar, pós-escravocrata -, diante de tal panorama, omitiram-se as leis civis sobre a função social da propriedade e do contrato. Valorizou-se sim, em consonância com a estrutura social, o crédito e a propriedade, e também, mantendo-se a qualquer custo a sociedade matrimonial, abstendo-se de tratar ou atribuindo pouco valor aos princípios sociais, ou seja, o respeito aos interesses, direitos e anseios da coletividade brasileira.
Ademais, com uma nova abordagem da função social do contrato e conseqüente socialização da noção de propriedade, analisada em consonância com o seu papel social, pois foi erigida na Constituição Cidadã em seu art. 5º, inc. XXII, como um direito fundamental, tem-se em relação aos contratos uma nova abordagem tanto em sua elaboração, quanto em suas conseqüências fáticas para os contratantes, e principalmente, em sua repercussão perante a coletividade.
Insta observar que a função social passou por tais alterações sempre em busca de uma relação contratual mais equânime para os particulares contratantes, e também, em especial atenção aos interesses coletivos. E partindo-se desta ótica da valorização da proteção dos particulares contratantes e da coletividade – enquanto ente dotado de direitos e deveres – surgem alterações e até mesmo limitações, por exemplo, o dirigismo contratual, as quais tiveram efeitos diretos nos alicerces das relações contratuais contemporâneas, haja vista a busca por uma relação contratual equilibrada, e apartada de cláusulas abusivas, que onerem excessivamente uma das partes ou que lesem direitos sociais.
Diante de todo o contexto evolutivo exposto, necessária se faz a delimitação conceitual da função social do contrato, a qual é uma inovação do Código Civil Brasileiro de 2002. Está disposto no art. 421 do referido diploma legal , o qual também traz em seu bojo a liberdade de contratar, ou seja, com a autonomia privada. Esta por sua vez, tem, também, como corolário o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, e também, como o dos valores da solidariedade e da construção de uma sociedade mais justa e igualitária.
Os princípios constitucionais que salvaguardam a moderna função social do contrato explicitam a necessidade da concepção do contrato não só da ótica econômica, mas também, prezam pela repercussão de suas conseqüências para a coletividade. Portanto, a autonomia da vontade ou consensualismo baseiam-se na liberdade das pessoas em contratarem, limitando-se, no entanto, por disposições de ordem pública, as normas cogentes, e pela função social do contrato, as quais visam à proteção dos interesses coletivos, ou seja, a uma finalidade social.
Repisamos nesse aspecto que a realização de negócios jurídicos bilaterais no ordenamento jurídico brasileiro é a pura expressão e efetiva realização da liberdade de contratar - pactuar -, trazendo benefícios às partes que o compõem o acordo, e ainda, respeitando o interesse público, ou seja, as conveniências dos particulares versus os interesses da coletividade.
Nos dizeres de Maria Helena Diniz, a liberdade de contratual é reconhecida, mas seu exercício está condicionado à função social do contrato e implica em valores como a boa fé e a probidade, dispostos no art. 422 do CC. Assim, a função social do contrato é um instrumento jurídico apto a proteção dos interesses da coletividade, diante de particulares que decidam contratar, sempre tendo a ordem pública e os bons costumes são os limites impostos pelo legislador a liberdade de contratar.
Na mesma linha de pensamento, Gagliano e Pamplona Filho apud EDUARDO SENS SANTOS:
o contrato não pode ser entendido como mera relação individual. É preciso atentar para os seus efeitos sociais, econômicos, ambientais e até mesmo culturais. Em outras palavras, tutelar o contrato unicamente para garantir a equidade das relações negociais em nada se aproxima da idéia de função social [...]
Abordando a função social do contrato com enfoque detido na autonomia da vontade, com interessante ensinamento do professor Arnaldo Rizzardo, o qual em sua obra Contratos, discute a amplitude da autonomia da vontade, a qual gerou e gera situações sociais conflitantes. Afirma tal doutrinador que por conta da imperiosa segurança jurídica, é inderrogável a liberdade contratual, mesmo diante da função social do contrato. Assegurando as partes o necessário arcabouço jurídico para estipularem cláusulas pertinentes ao negócio a ser pactuado, e ainda, que lhes seja garantido o adimplemento contratual.
Ressalta, ainda, que o direito pátrio vem sofrendo importantes alterações no princípio da autonomia da vontade, como p. ex., com o advento das leis 8078/90 - a qual dispõe sobre a proteção do consumidor - e da lei 10406/02 que institui o Código Civil; passando o contrato a subordinar-se a uma função social, sobressaindo-se o interesse público sobre o interesse privado.
Com todo o exposto, importante se faz a exegese do art. 421 do Código Civil de 2002, o qual trata expressamente da liberdade de contratar, ressaltando a função social do contrato, e que assim, dispõe: "Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato."
A norma em comento é caracterizada doutrinariamente como um comando de ordem pública e de interesse social, constituindo como uma cláusula fronteiriça da autonomia privada quando da realização de contratos. Por sua natureza cogente, o magistrado deverá aplicá-la de ofício a qualquer tempo ou instância, uma vez que não está sujeita aos efeitos da preclusão.
Corroborando a análise do citado dispositivo da lei civil, é importante frisar por conta de sua aceitação e recorrência doutrinária a Jornada I do STJ n. 23, cuja síntese:
A função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, não elimina o princípio da autonomia contratual, mas atenua ou reduz o alcance desse princípio, quando presentes interesses metaindividuais ou interesse individual relativo à dignidade da pessoa humana. (grifo nosso)
A função social ao ser expressamente enunciado no artigo, o transmuta em uma cláusula geral, cabendo ao juiz preencher as propositais lacunas, analisando o caso concreto com base nos valores jurídicos, sociais, econômicos, éticos e morais, norteadores da sociedade contemporânea.
A teoria da imprevisão ou onerosidade excessiva é produto da intervenção estatal nas relações contratuais, mediante a aplicação de normas de ordem pública, as quais possibilitaram a adoção, no ordenamento jurídico brasileiro, da revisão judicial dos contratos, fundando-se nos princípios de boa fé e da supremacia do interesse coletivo.
Em consonância com a lei e os interesses da coletividade, é possível, em casos graves, que os contratos sejam judicialmente revisados, quando a superveniência de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, os quais tornem excessivamente onerosa a relação contratual. E assim, gerando dificuldades ou impossibilidade de adimplemento por uma das partes da obrigação pactuada.
Maria Helena Diniz ao tratar do tema, assim dispõe:
È, portanto, imprescindível uma radical, violenta e inesperada modificação da situação econômica e social, para que se fixem indenizações, se reduzam equitativamente as prestações ou se tenha revisão de contrato, que se inspira na equidade e no princípio do justo equilíbrio entre os contratantes e no da socialidade. Imprescindível será a justiça contratual e o princípio da equivalência objetiva da prestação e da contraprestação.
A partir da revisão judicial dos contratos é possível que os mesmos sejam alterados, estabelecidas novas condições de execução, ou mesmo a exoneração da parte lesada, sempre que ocorra uma situação extremada – acontecimentos extraordinários e imprevisíveis – que não pudesse ser previstas pelas partes no momento da concepção do contrato.
Em relação aos diplomas legais autorizadores da revisão contratual por onerosidade excessiva, inicialmente, antes do CC/2002, havia diplomas legais específicos, tais como, art. 65, II, “d” da Lei de Licitações (Lei 8.666/93), bem como no art. 6, V do Código de Proteção e Defesa do Consumidor.
A teoria da imprevisão ganhou mais força com a inclusão da cláusula rebus sic stantibus no Código Civil Brasileiro, está é uma cláusula geral, que reflete e consolida a jurisprudência acerca do tema.
Nesse sentido, o art. 317 e 478 do supracitado diploma legal, tratam, respectivamente, da revisão contratual com base na imprevisão e da resolução contratual com fulcro na onerosidade excessiva, in verbis:
Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.
(...)
Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.
Existindo, ainda, a possibilidade de revisão contratual esculpida no art. 413 do Código Civil, o qual dispõe sobre a cláusula penal e permite ao juiz reduzir equitativamente a penalidade caso a obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da penalidade representar-se manifestadamente excessivo, quando comparado à natureza e a finalidade do negócio.
Os parâmetros da onerosidade excessiva serão delimitados pelo julgador, mediante a análise do caso concreto, uma vez que, não estão presentes nos diplomas legais critérios rígidos e absolutos. No entanto, na avaliação do contrato sub judice é imprescindível que o binômio econômico-financeiro inicial do contrato e os objetivos comuns sejam analisados sob a ótica das condições econômicas à época de realização do pacto.
Partindo-se de tal análise, caberá ao magistrado mensurar se as alterações do panorama contratual foram tamanhas, bem como as quais mercados e conjuntura econômica pertencem o contrato em análise judicial. E ademais, se as alterações foram extraordinárias e imprevisíveis, a ponto de autorizem à revisão das cláusulas contratuais ou até mesmo a cabal resolução do contrato.
Repisa-se: diante do cabal desequilíbrio econômico-financeiro do contrato que onere excessivamente um dos contratantes para o cumprimento da obrigação pactuada, o juiz, com fulcro no princípio da razoabilidade, poderá por termo ao contrato, ou seja, a resolução do contrato.
Nesse sentido, SYDNEY SANCHES[9] apud Carlos Roberto Gonçalves, desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo, que:
Não exige a lei, como foi dito, que haja hipótese de impossibilidade absoluta. Segundo dispõe o artigo 478 do Código Civil, o contrato pode ser resolvido ‘se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários ou imprevisíveis.’ Mesmo, portanto, que circunstâncias supervenientes não impeçam, de modo absoluto, o adimplemento da prestação, pode-se considerar que elas o tornaram excessivamente oneroso se fossem exigidos da parte prejudicada ‘atividade e meios não razoavelmente compatíveis com aquele tipo de relação contratual em termos de a transformar numa prestação substancialmente diversa da acordada, como preleciona ENZZO ROPPO.
Recorrentes em nossa jurisprudência são os julgados que versam sobre revisão judicial do contrato, por conta do desajuste do contrato com sua função social e também com o princípio da boa fé objetiva. Por ser o art. 421 do CC uma cláusula geral, o juiz pode revisar e modificar cláusulas contratuais que coloquem as partes em veemente desequilíbrio, conforme ementas:
APELAÇÃO CÍVEL. SEGURO DE VIDA COLETIVO. NÃO-RENOVAÇÃO PELA SEGURADORA APÓS LONGO PERÍODO DE CONTRATAÇÃO. CONFIGURADO CONTRATO CATIVO. ABUSIVIDADE DA CLÁUSULA QUE PREVÊ A POSSIBILIDADE DE NÃO-RENOVAÇÃO. UNILATERALIDADE. APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO E DA BOA-FÉ. SEGURADO IDOSO. MANUTENÇÃO DO CONTRATO. A não-renovação do contrato da autora, que se afigura contrato cativo, é abusiva, nos termos do art. 51, IV e XI, do CDC, uma vez que desprovida de qualquer justificativa plausível, quebrando a expectativa legítima da segurada de dar continuidade a uma relação da qual se espera um mínimo de segurança. Aplicabilidade do CDC à espécie sub judice. Apelação desprovida. (Apelação Cível Nº 70022564363, Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Artur Arnildo Ludwig, Julgado em 09/04/2009). (grifo nosso)
REINTEGRAÇÃO DE POSSE - ARRENDAMENTO MERCANTIL -VALOR RESIDUAL GARANTIDO - COBRANÇA ANTECIPADA, CONCOMITANTE ÀS PRESTAÇÕES LOCATÍCIAS - DESCARACTERIZAÇÃO DO CONTRATO PARA COMPRA E VENDA A PRAZO - RECONHECIMENTO DE OFÍCIO - PUBLICIZAÇÃO DO CONTRATO - DESCABIMENTO DO INTERDITO POSSESSÓRIO - CARÊNCIA DE AÇÃO - AUSÊNCIA DO INTERESSE DE AGIR NA MODALIDADE ADEQUAÇÃO - EXTINÇÃO DO PROCESSO - A cobrança antecipada do VRG desfigura o contratode leasing, transmudando-o em uma compra e venda a prazo, uma vez que, ao arrendatário, não resta alternativa ao final do contrato senão a aquisição do bem. A descaracterização do contrato de arrendamento mercantil pode ser feita de ofício pelo órgão julgador, consoante a teoria da função social do contrato, proclamada pela doutrina e jurisprudência modernas, permitindo ao Estado a intervenção naquele para assegurar a ordem pública através da igualdade entre os contratantes. Uma vez reconhecido o desvirtuamento do contrato de leasing para uma compra e venda a prazo, inadequado é o ajuizamento da ação de reintegração de posse pelo arrendante para reaver o bem. Faltando-lhe a posse da coisa, ausente está um dos requisitos para o manejo do interdito, impondo-se a extinção do feito sem julgamento do mérito, com fulcro no art. 267, VI, do CPC, por falta de interesse de agir na modalidade adequação. (TJSC - AC 96.007266-7 - 4ª C.Cív. - Rel. Des. Alcides Aguiar - J. 08.02.2001).
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ORDINÁRIA. CLÁUSULA DE EXCLUSIVIDADE PÓS-CONTRATO. INVALIDADE. EFEITOS DO CONTRATO. ABUSIVIDADE. DESRESPEITO A PRINCÍPIOS CONTRATUAIS. MULTA POR DESCUMPRIMENTO. AFASTAMENTO. A cláusula que prevê que uma das partes está proibida, por seis meses após a extinção do contrato, a contratar com qualquer empresa concorrente é inválida, tendo em vista que os efeitos do contrato só perduram durante sua vigência e não após sua cessação. Tal cláusula, também, é abusiva, haja vista afrontar os princípios da manutenção do equilíbrio econômico do contrato, da boa-fé objetiva e da função social do contrato, na medida em que estabelece obrigações desproporcionais, privilegiando uma das partes em detrimento da outra. Assim, sendo inválida e abusiva a cláusula em que se baseia o pedido inicial de aplicação de multa, por seu descumprimento, resta afastada tal pretensão pecuniária. (TJMG - Apel. Cível 1.0024.06.124055-2/001 - Rel. Des. Luciano Pinto - J.10.04.08).
Diante de todo o exposto, as teorias da imprevisão e da onerosidade excessiva buscam equilibrar relações contratuais que por conta de acontecimentos externos, imprevistos, os quais tiveram o condão de alterar as condições iniciais do contrato, passando a onerar excessivamente uma das partes. São modernos institutos de direito civil que evidenciam a nova onda de intervenção estatal ou dirigismo contratual, a qual visa tanto coibir abusos entre os contratantes, bem como para proteger e garantir os direitos coletivos.
O princípio da obrigatoriedade da convenção rege-se pelo brocardo jurídico pacta sunt servanda, o qual significa que o contrato, desde que preencha os requisitos legais, ou seja, seja válido, faz lei entre as partes contratantes.
De tal instituto jurídico se infere que as estipulações ou cláusulas, constantes do contrato devem ser fielmente adimplidas, uma vez que os contratos possuem força vinculante entre as partes, sob pena do patrimônio do inadimplente responder pelo não cumprimento das avenças.
O conceito de contrato admitido pela moderna doutrina, sem desprezo ao princípio da função social e ao dirigismo contratual, tem como uma de suas bases a intangibilidade e imutabilidade contratual. Havendo, por bem destacar que às partes é lícito rescindir voluntariamente o contrato ou haja as excludentes de responsabilidade: caso fortuito ou força maior.
Com a válida celebração do contrato, o conteúdo, suas disposições, avenças, cláusulas, fazem “lei entre as partes”, ou seja, após os termos estarem ajustados não são passíveis de alteração seja por qualquer argumento de uma das partes. Além do que, em caso de inadimplemento, o patrimônio do devedor responderá até a extensão dos danos causados ao credor pelo não cumprimento da obrigação, desde que não tenha ocorrido nenhuma das hipóteses excludentes de responsabilidade civil.
Mesmo com a moderna limitação de tal princípio, o que fora acordado no momento da concepção do contrato permanece imutável. Ressalta-se que a intangibilidade perecerá diante dos pressupostos oriundos da teoria da imprevisão ou mesmo da onerosidade excessiva para uma das partes, uma vez que a imutabilidade do contrato reside tão-somente se as circunstancias originais de sua criação se mantiverem no tempo de sua execução, caso contrário, o contrato será passível de revisão judicial, e até mesmo, de resolução.
Consoante nossos argumentos, Maria Helena Diniz[10] precisamente transcreve o Enunciado n. 176 do Conselho da Justiça Federal, aprovado na III Jornada de Direito Civil, a saber:”Em atenção ao princípio da conservação dos negócios jurídicos, o art. 478 do Código Civil de 2002 deverá conduzir,sempre que possível, à revisão judicial dos contratos e não à resolução contratual”.
Em magistral voto no TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS na Apelação Cível sob nº 2004.01.1.047098-4, a Desembargadora VERA LÚCIA ANDRIGHI, citando o professor Washington de Barros Monteiro, sintetiza elucidativamente o princípio da obrigatoriedade da convenção da seguinte forma:
Ora, constitui princípio fundamental do direito contratual o princípio da obrigatoriedade da convenção, em virtude do qual, aquilo que as partes, de comum acordo, estipularam e o aceitaram deverá ser fielmente cumprido (pacta sunt servanda). O princípio da intangibilidade ou da imutabilidade contratual há de ser mantido e a derrogação a essa regra é a escusa por caso fortuito ou força maior (Cód. Civil, art. 1058). (Washington de Barros Monteiro, in “Curso de Direito Civil – Direito das Obrigações” – 2ª parte – 23ª ed. –1989 – págs. 9/10).
Insta observar que a cláusula rebus sic stantibus é uma ressalva ao princípio da obrigatoriedade da convenção, devendo, deste modo, ter sua aplicação restrita e de forma excepcional.
E em grande maioria esse é o entendimento dos tribunais pátrios, conforme os julgados:
CIVIL. LOCAÇÃO. DEVOLUÇÃO. IMÓVEL. ANTERIORIDADE. PRAZO. INCIDÊNCIA. MULTA. PACTA SUNT SERVANDA. Segundo o princípio fundamental da obrigatoriedade da convenção (pacta sunt servanda), os contratos lícitos devem ser fielmente cumpridos. Se no contrato de locação firmado entre as partes, há expressa previsão de incidência de multa, em caso de devolução do imóvel em prazo anterior ao inicialmente estipulado, não há como elidir a responsabilidade do locatário ao pagamento do referido encargo, mormente se inexistente qualquer violação ao art. 9º da Lei nº 8.245/91. (TJDF - Apelação Cível 2004.01.1.047098-4, Rel. Des. Getúlio Moraes Oliveira. Data do Julgamento: 08.11.2005).(grifo nosso)
APELAÇÃO CÍVEL. PROPRIEDADE INDUSTRIAL. AÇÃO DE DANOS MORAIS E LUCROS CESSANTES. PATENTE INDUSTRIAL. CONTRAFAÇÃO. CESSÃO DE DIREITOS. ILEGITIMIDADE ATIVA. LIMITES DO CONTRATO. VEDAÇÃO AO COMPORTAMENTO CONTRADITÓRIO.
1- Respeito aos termos do Contrato de Cessão de direitos: a operatividade das disposições contratuais guarda relação com sua literalidade, em virtude da observância continente aos pilares da teoria contratual: ‘pacta sunt servanda’, liberdade de contratar, consensualismo e efeitos relativos do contrato. No caso em apreço, a redação da avença traduz a indesmentível cessão de direitos atinentes à proteção sobre a Patente frente a concorrência. Ademais, a avença é expressa ao afirmar que compete à cessionária, durante a vigência do contrato, empreender medidas administrativas e judiciais, também perante a concorrência, no afã de repelir expedientes que desafiem a idoneidade do equipamento patenteado no mercado.
2- Ilegitimidade ativa e vedação ao comportamento contraditório: ao demonstrar ciência acerca dos termos do contrato – cessão, a terceiros, de direitos atinentes à defesa administrativa e judicial de proteção sobre a Patente – e, em momento posterior, subverter o que fora acordado, o apelante incorre na vedação ao comportamento contraditório, dever decantado do princípio da boa-fé objetiva, e que orquestra o comportamento das partes no ‘iter’ obrigacional.[...] (Apelação Cível Nº 70022717482, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Umberto Guaspari Sudbrack, Julgado em 30/09/2009)
Segundo esse princípio o contrato não aproveita nem prejudica terceiros estranhos a relação obrigacional, haja vista vincular exclusivamente as partes contratantes.
Imperioso notar que, como o contrato, em regra, é fruto da livre manifestação da vontade dos contratantes, é lógico que apenas a elas vincule. Ademais, ninguém se submeterá a uma relação contratual, a não ser que a lei o imponha ou a própria pessoa assim deseje.
A ocorrência dos efeitos dos contratos apenas entre as partes contratantes não é absoluta, tendo como exceções as seguintes situações: dos herdeiros universais, da estipulação em favor de terceiro e do contrato com pessoa a declarar. Nas hipóteses elencadas, as pessoas sofrerem efeitos de contratos dos quais não participou de sua criação.
Quanto à eventual incidência da repercussão dos contratos na esfera jurídica de terceiros, o professor SILVIO VENOSA[11], assim leciona:
Não deixamos de lado, contudo, a noção de que, sendo o contrato um bem tangível, tem ele repercussões reflexas, as quais, ainda que indiretamente, tocam terceiros, há outras vontades que podem ter participado da avença e não se isentam de determinados efeitos indiretos do contrato, como no caso de contrato firmado por representante. Também aquele que redige o contrato, ou aconselha a parte a firmá-lo, pode vir a ser chamado por via reflexa para os efeitos do negócio.
Diante de todo o exposto, tal princípio tem por escopo a delimitação dos efeitos dos contratos, os quais, em regra, atingem as partes contratantes.
O princípio da boa-fé[12] objetiva está intimamente ligado à interpretação do contrato, uma vez que, segundo os ensinamentos de Maria Helena Diniz[13], a linguagem não deverá prevalecer sobre a intenção inferida da declaração de vontade das partes.
Continua a autora que a segurança jurídica, interesse social relevante, deve ser preservada pelas partes na constituição do contrato, bem como em sua execução. E, para que tais objetivos sejam alcançados as partes devem agir com lealdade, honestidade, honradez, probidade e confiança recíproca que a sociedade espera do homem comum, sempre em respeito ao conteúdo das cláusulas.
Diante da premente função hermenêutica do princípio da boa-fé objetiva, isto é, o intérprete deve extrair da norma o sentido moralmente e socialmente recomendável para a consecução dos objetivos pactuados.
Em consonância com esse entendimento o professor RIZZATO NUNES[14] leciona:
Examine-se, pois, o funcionamento da boa-fé objetiva: o intérprete lança dela mão utilizando-a como um modelo, um standart (um "topos") a ser adotado na verificação do caso em si. Isto é, qualquer situação jurídica estabelecida, para ser validamente legítima, de acordo com o sistema jurídico, deve poder ser submetida à verificação da boa-fé objetiva que lhe é subjacente, de maneira que todas as partes envolvidas (quer seja credora, quer seja devedora, interveniente, ofertante, adquirente, estipulante etc.) devem-na respeitar. A boa-fé objetiva é, assim, uma espécie de pré-condição abstrata de uma relação ideal (justa), disposta como um tipo ao qual o caso concreto deve amoldar-se. Ela aponta, pois, para um comportamento fiel, leal, na atuação de cada uma das partes contratantes, a fim de garantir o respeito ao direito da outra. Ela é um modelo principiológico que visa garantir a ação e/ou conduta sem qualquer abuso ou nenhum tipo de obstrução ou, ainda, lesão à outra parte ou partes envolvidas na relação, tudo de modo a gerar uma atitude cooperativa que seja capaz de realizar o intento da relação jurídica legitimamente estabelecida.
Desse modo, pode-se afirmar que, na eventualidade de uma lide, sempre que o magistrado encontrar alguma dificuldade para analisar o caso concreto, na verificação de algum tipo de abuso deve levar em consideração essa condição ideal apriorística, pela qual as partes deveriam, desde logo, ter pautado suas ações e condutas, de forma adequada e justa. Ele deve, então, num esforço de construção, buscar identificar qual o modelo previsto para aquele caso concreto, qual seria o tipo ideal esperado para que aquele caso concreto pudesse estar adequado, pudesse fazer justiça às partes, e, a partir desse standart, verificar se o caso concreto nele se enquadra, para daí extrair as conseqüências jurídicas exigidas.
É um princípio, uma norma cogente, que vem enunciado nos seguintes artigos do Código Civil de 2002:
Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.
(...)
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
(...)
Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé. (grifos nossos)
Assim, tal princípio requerer dos contratantes um comportamento de lealdade e honestidade, objetivando incutir na relação obrigacional a confiança necessária e o equilíbrio das prestações.
Em patente comunicação com o princípio da função social do contrato, a boa fé dos contratantes, atende aos pressupostos de efetivação da justiça contratual, ou seja, existindo boa fé dos contratantes o pacto está a salvo de cláusulas abusivas ou desleais, que maculem os reais objetivos do contrato.
Nesse diapasão, colacionamos em julgados recentes o entendimento dos nossos tribunais acerca da temática:
APELAÇÃO CÍVEL. SEGURO. REEMBOLSO DE 100% DOS VALORES GASTOS COM MEDICAMENTOS. IMPOSSIBILIDADE. CLÁUSULA CONTRATUAL PREVENDO A RESTITUIÇÃO DE 50% DO VALOR DESPENDIDO. 1. O contrato é o acordo avençado entre as partes, com o objetivo de criar direitos, mediante a livre manifestação de vontade. Na sua formação, dois pontos são de suma importância, a proposta, que vincula o proponente aos termos do que propôs, conforme alude o art. 427 do Código Civil; e a aceitação desta, que é a concordância da parte contraente com o que foi proposto, formando-se, assim, o pacto. 2. As partes devem observar os requisitos a que aludem os artigos 421 e 422, ambos do Código Civil, quando da efetivação do pacto, ou seja, atentar aos princípios da função social do contrato e da boa fé. 3. No caso em exame, o contrato firmado entre as partes previa o reembolso de 50% dos valores gastos pelo segurado com medicamentos, o que foi devidamente cumprido pela demandada. Assim, não merece guarida a pretensão da parte autora, uma vez que a ré cumpriu com as disposições do pacto firmado entre as partes. Negado provimento ao apelo. (Apelação Cível Nº 70031470131, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Luiz Lopes do Canto, Julgado em 30/09/2009).
AÇÃO ORDINÁRIA DE RESTITUIÇÃO DOS VALORES PAGOS POR TERMINAL TELEFÔNICO NO SISTEMA DE PLANTA COMUNITÁRIA. CLÁUSULA CONTRATUAL PREVENDO A DOAÇÃO. INVALIDADE. INCIDÊNCIA DOS CÓDIGOS CIVIL E DE DEFESA DO CONSUMIDOR. A operação realizada, onde o consumidor termina por custear a construção de terminal telefônico no sistema de planta comunitária para, após, doá-lo à concessionária, mostra-se, diante do princípio da boa fé contratual, prejudicial aos contratantes, proporcionando enriquecimento sem causa. Caso em que estamos diante de uma típica relação de consumo onde uma das partes se encontra fragilizada diante da necessidade da linha telefônica, hoje um instrumento indispensável independente da classe social ou atividade desenvolvida pela pessoa. E, se a parte se obriga a financiar para obter o telefone, desaparece a liberdade contratual, ao que se agrega ser o contrato de adesão, a exigir interpretação de suas cláusulas em favor da parte que adere, nitidamente hipossuficiente. Acolhimento do pedido de devolução dos valores pagos. APELO DESPROVIDO. VOTO VENCIDO. (Apelação Cível Nº 70031979438, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Elaine Harzheim Macedo, Julgado em 24/09/2009)
Além das funções acima descritas, o princípio da boa-fé objetiva apresenta a função delimitadora de direitos subjetivos, a qual, nas palavras dos professores PABLO STOLZE GAGLIANO e RODOLFO PAMPLONA FILHO, são:
Por meio da boa-fé objetiva, visa-se a evitar o exercício abusivo dos direitos subjetivos. Aliás, no atual sistema constitucional, em que se busca o desenvolvimento socioeconômico sem desvalorização da pessoa humana, não existe mais lugar para a “tirania dos direitos”.
Por isso, de uma vez por todas, não se pode mais reconhecer legitimidade ou se dar espaço às denominadas “cláusulas leoninas ou abusivas [...], quer se trate de um contrato de consumo, quer se trate de um contrato civil em geral.
Portanto, diante da análise da principiologia contratual é forçoso o reconhecimento da tendência doutrinária, legislativa e jurisprudencial da relativização de tais princípios, sempre com o escopo de trazer maior equilíbrio às relações obrigacionais. Em consonância com o instituto da função social, é possível concluir a importância de tal disposição legislativa, ressaltando-se a aplicabilidade a inúmeros casos concretos, principalmente nas relações de consumo, também regidas pelo Código de Defesa do Consumidor. Hodiernamente, o primado do Direito é a busca da tutela dos interesses sociais coletivos, portanto, não seria cabível a omissão diante das relações contratuais realizadas por particulares, as quais refletem direta ou indiretamente na esfera dos interesses gerais. Buscando uma socialização do contrato, e ainda, salvaguardar os interesses sociais, colocam-se como limites a ordem pública e a função social do contrato, as quais são princípios gerais que contribuem para regular as relações entre as partes contratantes e entre esses e terceiros estranhos à relação obrigacional.
AVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 4 ed. ver. São Paulo: Malheiros. pg. 22.
CUNHA, Sérgio Sérvulo da. Dicionário Compacto do direito. 5 ed. ver. e atual.São Paulo: Saraiva, 2007.
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. Vol. III: teoria das obrigações contratuais e extracontratuais. 25ed. reformulada. São Paulo: Saraiva, 2009.
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VENOSA, SILVIO DE SALVO. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. vol. II. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2003.
[1] GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo.
Novo Curso de Direito Civil: Contratos. Abrangendo o código civil de 1916 e o novo código civil. vol. IV. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 31.
[2] AVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 4 ed. rev. São Paulo: Malheiros. pg. 22.
[3] GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil: Contratos. Abrangendo o código civil de 1916 e o novo código civil. vol. IV. São Paulo: Saraiva, 2005.
[4]SOARES, Sávio de Aguiar. Teoria Geral dos Contratos e funcionalização no Direito Privado contemporâneo. Disponível em Acesso em 04 jul 2008.
[5]GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil: Contratos. Abrangendo o código civil de 1916 e o novo código civil. vol. IV. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 34.
[6] GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil: Contratos. Abrangendo o código civil de 1916 e o novo código civil. vol. IV. São Paulo: Saraiva, 2005. pg. 39.
[7] DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria das obrigações contratuais e extracontratuais. 25ed. reformulada. São Paulo: Saraiva, 2009. pg. 27-28.
[8] Segundo Maria Helena Diniz, o dirigismo contratual é a intervenção estatal na economia do negócio jurídico contratual.
[9] SANCHES, Sydney. Resolução de contratos por onerosidade excessiva. Disponível em:
. Acesso em 11 out. 2009.
[10] DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria das obrigações contratuais e extracontratuais. 25ed. reformulada. São Paulo: Saraiva, 2009. pg. 29.
[11] VENOSA, SILVIO DE SALVO. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. vol. II. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2003.pg. 378
[12] Boa fé é conceituada no dicionário jurídico como: ausência de dolo; convicção quanto à justiça do próprio comportamento ou direito.
[13] DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria das obrigações contratuais e extracontratuais. 25ed. reformulada. São Paulo: Saraiva, 2009. pg. 33.
[14] RIZZATO NUNES, Luiz Antonio. A boa-fé objetiva como paradigma da conduta na sociedade contemporânea. Disponível em: < http://www.saraivajur.com.br/menuEsquerdo/doutrinaArtigosDetalhe.aspx?Doutrina=1029>. Acesso em 11 out. 2009.