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Resumo:
O Estado existe para cumprir sua função social. As indenizações, desde o início da história humana, são utilizadas como forma de controle social. Este trabalho tem por finalidade demonstrar que a majoração dos valores indenizatórios é viável no Brasi
Texto enviado ao JurisWay em 04/01/2010.
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Ao estudarmos a evolução humana podemos perceber que o desenvolvimento social sempre ocorreu após algum tipo de opressão significativa.
O Estado só existe pela permissão de seus habitantes, onde a própria concepção de Estado já determina que este só existe em sua forma democrática, não sendo democrático, não é Estado.
A democracia determina a força das necessidades igualitárias de uma sociedade inteira.
Assim, o Estado moderno surgiu com o objetivo, único, de servir à sociedade, portanto, sua função é social, é coletiva.
Sendo social, o Estado deveria, sempre, primar por organizar a sociedade objetivando a coletividade, não permitindo, jamais, que os interesses de uma minoria suplantassem as necessidades da maioria.
Rousseau define muito bem este pensamento e, também, a função social do Estado:
Encontrar uma forma de associação que defenda e proteja a pessoa e os bens de cada associado com toda a força comum, e pela qual cada um, unindo-se a todos, só obedece, contudo, a si mesmo, permanecendo assim tão livre quanto antes (ROUSSEAU, 2004, p. 24)
A sociedade, então, buscou se organizar em um formato onde um ente, o Estado, pudesse proteger os direitos individuais, assim como garantir a individualidade de seus componentes.
Podemos concluir, portanto, que função social configura-se quando uma sociedade busca objetivar suas ações levando em consideração que as necessidades individuais estarão sempre em equilíbrio com as coletivas.
Uma vez que a essência do Estado é a Função Social, então, o Estado deve sempre ser governado pelo povo, mesmo quando da existência de uma monarquia ainda que absoluta.[1]
O Estado deve refletir, sempre, os anseios de sua população, assim como colherá os frutos desta.
O sistema eleitoral através do sufrágio existe justamente para que o povo possa ser representado e o eleito, espelhar as vontades de quem o elegeu.
Com o desenvolvimento do sistema republicano, o poder do Estado, que é uno, foi separado em três funções criando o ente Legislativo, que cria as leis que vão determinar os rumos sociais; o Executivo que vai administrar o Estado dentro dos preceitos criados pelo Legislativo e, por fim, o Judiciário que vai fiscalizar o cumprimento dos preceitos legais pelo Estado e pela sociedade civil.
Este modelo, que separa as funções do Estado em Judicial, Executiva e Deliberativa, demonstra claramente que o poder não deve ser concentrado e sim compartilhado, diluído de tal forma que não possa, jamais, ser utilizado como ferramenta de opressão ou injustiça.
Este modelo prossegue nos séculos seguintes, até o presente, passando por revisões e ganhando acréscimos de filósofos como Montesquieu, Hobbes e Rousseau, demonstrando ser, até o momento, a melhor concepção de Estado, por permitir, ao cidadão, a livre iniciativa, o desenvolvimento pessoal, a propriedade e o controle do próprio Estado.
Podemos dizer que, primordialmente, nenhum Estado nasceu democrático, sendo este regime, invariavelmente, conquistado. Em alguns momentos à força, em outros pela insistência.
Observamos que na história do Brasil, tendo a Coroa Portuguesa enviado para o Monte Pascoal indivíduos que não eram bem quistos pela Corte, Sérgio Buarque de Holanda, em Raízes do Brasil, denomina este tipo de indivíduo como Aventureiro Ibérico, e discorre sobre o tipo:
Com relação a esta teoria, o aventureiro seria caracterizado por um desejo de novas sensações, e de consideração publica, enquanto que o trabalhador seria animado pelo desejo de segurança e pelo de correspondência.(HOLANDA, 2003, p. 2)
Ou seja, segundo Buarque de Holanda, veio para o Brasil, àquela época, aquele sujeito sedento por ser reconhecido, admirado por sua coragem, mas que, ao mesmo tempo, não tinha outro tipo de necessidade ou responsabilidade a não ser para consigo:
O aventureiro é o homem do espaço e seus valores, como a audácia, a imprevisão, a irresponsabilidade, a instabilidade e a vagabundagem correspondem a uma concepção espacial do mundo. Pelo contrário, tudo aquilo que nutre os valores do trabalhador, como a estabilidade, a paz, a segurança pessoal, o esforço sem perspectiva de proveito material imediato, permanece como que incompreensível ao aventureiro, pois advém de uma concepção temporal do mundo. Em outros termos, o aventureiro ibérico não saberia compreender, e ainda menos partilhar, o comportamento social e o comportamento econômico do trabalhador do norte (HOLANDA, 2003, p. 7).
Eduardo Bueno, em A Viagem do Descobrimento (s/d) afirma que o objetivo de Cabral era chegar as Índias, pois estava em busca de pimenta e outras especiarias, produtos muito valiosos àquela época. Uma vez que a Corte Portuguesa era relativamente pobre, a viagem foi financiada por banqueiros de Gênova e Florença.
Após o descobrimento, a Corte Portuguesa, então, buscando certa independência financeira dos banqueiros, convidou a classe burguesa a financiar as viagens de exploração disponibilizando, para isso, criminosos, de menor potencial ofensivo, condenados e pessoas que não tinham emprego fixo, bêbados e andarilhos.
Os burgueses eram responsáveis pelo aluguel das caravelas, pela compra dos víveres e, por isso, tinha direito aos frutos do extrativismo, devendo enviar para a Coroa apenas um percentual de cada produto explorado.
Não tinham nenhum outro apoio da Coroa e, em sua maioria, por estarem contra sua vontade, se viam no direito de fazer o cálculo dos percentuais a serem repartidos da forma que lhes conviesse, prática essa que era compartilhada pelos funcionários.
O Brasil se desenvolveu, como nação, com a base moral de que uma vez que estavam sendo explorados pela Coroa Portuguesa, nada mais justo em ser recompensado por isso, mesmo que para tal, fossem usados ardis, conluios, subornos e corrupção.
Historicamente se observa, então, que o compromisso de praticamente todos os que no Brasil desembarcavam, era apenas o de extrair o máximo de riqueza possível e retornar à civilização européia.
Como já observado, neste trabalho, uma sociedade é reflexo de seus criadores e, a partir desse pensamento, é possível concluir que a realidade brasileira é, ainda, apenas um reflexo de quem nos colonizou, séculos atrás.
Mesmo que grande parte da população brasileira, à época, tinha por objetivo retornar para a Europa, o Brasil se desenvolveu como nação, necessitando, portanto, de bases legais estruturadas que refletissem a realidade local.
Uma vez que, então, a sociedade já tinha se desenvolvido em algo muito parecido com uma corte monárquica, tendo suas definições de nobreza e servidão, onde os burgueses ricos faziam as vezes de Nobres e os empregados se passavam pelos servos, ao terem início as necessidades de ordenamento social, com a formação das cidades, a criação do sistema jurídico e judicial, vieram à tona as necessidades de cada grupo social e, não podendo ser diferente, o grupo mais forte economicamente conseguiu comprar quem foi preciso para que este novo ordenamento fosse, o máximo possível, benéfico a si.
Isso explica todo um pensamento jurídico de proteção aos mais abastados, proibindo e coibindo uma série de mecanismos que foram desenvolvidos em nações de origem semelhante, ou seja, colonizadas por europeus, como Estados Unidos da América, Austrália e Nova Zelândia, para evitar injustiças tão comuns no próprio continente Europeu.
Estes países, de forma adversa ao Brasil, foram colonizados com outros propósitos, estes colonizadores, a quem Buarque de Holanda (2003) chama de “trabalhadores do norte”, no momento histórico onde se fez necessário o ordenamento social, jurídico e judicial, evitaram que este ordenamento repetisse eras de desigualdade social, onde os homens foram diferenciados pela estirpe e pela riqueza.
Os Direitos Sociais se originam nos Direitos Fundamentais do Homem, sendo aceitos como a Segunda Dimensão desses onde os Direitos Civis e Políticos são a Primeira Dimensão, os Direitos Coletivos e Difusos a Terceira Dimensão.
Norberto Bobbio (2004) já salienta a idéia do Direito à Democracia, ao Pluralismo e a Informação, como sendo os de Quarta Dimensão e Zimmermann (2002) aponta como a Quinta Dimensão os direitos à realidade virtual, haja vista o nível de desenvolvimento da internet.
Originam-se e desenvolvem-se em conjunto com a burguesia, mas o modelo atual teve início pós revolução industrial onde, a priori, houve o desemprego em massa, em função da substituição da mão de obra humana pelo maquinário industrial e logo em seguida, quando a relação de oferta e demanda se estabilizou, o êxodo rural.
A necessidade da mão de obra sadia fez com que o Estado interviesse nas relações entre as indústrias e os empregados.
Assim desenvolvem-se, até hoje, os direitos sociais, onde o Estado é obrigado a se envolver nas relações sociais.
Dentro do tema proposto, os Direitos Sociais objetivam garantir aos cidadãos, condições materiais imprescindíveis ao pleno gozo dos direitos, sendo assim, exigesse, do Estado, intervenções na ordem social segundo critérios de justiça distributiva.
Desta forma, só se concretizam por meio da atuação estatal com a finalidade de reduzir as desigualdades sociais, por isso, geralmente possuem custos elevados e realizam-se a longo prazo.
Procuramos estabelecer, neste trabalho, que a criação do Estado, e todos os seus atributos, surgiu pela necessidade de controle social.
Entendemos que, para exercer este controle, algumas ferramentas sociais foram utilizadas, algumas lograram êxito e outras não, e, destas, a indenização, junto com a prisão, é extremamente importante no controle social.
Sendo assim, precisamos definir, antes de tudo, o que vem a ser indenização para, depois, situá-la como ferramenta de controle social.
Segundo o dicionário Michaelis:
Indenizar
in.de.ni.zar
(indene+izar) vtd 1 Dar indenização ou reparação a; compensar, ressarcir.
(MICHAELIS, 2009)
Juridicamente a indenização é uma obrigação advinda da responsabilidade civil como explica Fábio Ulhoa Coelho:
Se alguém intencionalmente causa dano ao patrimônio de outrem, a convivência em sociedade pressupõe a obrigação de aquele repor a este os prejuízos causados (COELHO, 2009, p. 249)
Roberto Senise Lisboa explica que:
Inicialmente, prevalecia a vingança privada, coletiva ou não, pelo exercício da autotutela. Os conflitos entre os clãs eram comuns, e tão-somente a partir do momento em que se concebeu um poder central a regular às diferentes relações sociais é que se vislumbrou a mediação e a supressão da anarquia na solução do conflito (LISBOA, 2009, p. 205)
A legislação e doutrina atuais estipulam a existência de alguns elementos para que seja reconhecido o direito à indenização: a conduta culposa do agente; o dano patrimonial ou extrapatrimonial infligido à vítima; o nexo de causalidade.
Rui Stoco especifica o conceito quando afirma:
Mas essa obrigação deve ter como antecedente os pressupostos fundamentais da responsabilidade civil, ou seja, os elementos formadores daquela obrigação: um comportamento (ação ou omissão) do agente, o elemento subjetivo (dolo ou culpa), o nexo de causalidade entre a conduta e o resultado e a ocorrência de um dano efetivo, seja de ordem patrimonial ou extrapatrimonial (moral).
Apenas nas hipóteses de responsabilidade objetiva é que se pode prescindir do elemento subjetivo. (STOCO, 2004, p. 164)
Fábio Ulhoa Coelho expõe que:
Responsabilidade civil é a obrigação em que o sujeito ativo pode exigir o pagamento de indenização do passivo por ter sofrido prejuízo imputado a este último. Constitui-se o vínculo obrigacional em decorrência de ato ilícito do devedor ou de fato jurídico que o envolva. Classifica-se como obrigação não negocial (COELHO, 2009, p. 289).
No código civil temos o artigo 186, versa sobre a conduta e o dano:
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito (BRASIL, Código Civil, 2009)
Já o artigo 927, versa, também, sobre o nexo de causalidade:
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. (BRASIL, Código Civil, 2009)
No quesito culpa, Rui Stoco versa que:
No Campo da culpabilidade, se o ato for praticado com a intenção deliberada de prejudicar, de causar dano ou de obter vantagem ilícita – ainda que para isso possa o terceiro ser prejudicado – ressuma claro que a obrigação de responder por este ato mostra-se evidente.
(STOCO, 2004, p. 127)
Roberto Senise Lisboa complementa dizendo:
Na sociedade pós-moderna, o instituto da responsabilidade civil possui papel fundamental para a resolução dos conflitos intersubjetivos e transindividuais, permitindo-se uma melhor compreensão da proteção do direito individual, coletivo e difuso (LISBOA, 2009, p. 210)
Estes elementos reafirmam a essência do dever de reparação, previsto ao longo do desenvolvimento humano, como bem explica Rui Stoco:
Essa imposição estabelecida pelo meio social regrado, através dos integrantes da sociedade humana, de impor a todos o dever de responder por seus atos, traduz a própria noção de Justiça existente no grupo social estratificado.
Revela-se, pois, como algo inarredável da natureza humana.
(STOCO, 2004, p.118)
Percebe-se, portanto, que o termo indenização determina que a ação tem por objetivo a reparação de um erro ou injustiça, ou seja, a possibilidade de retornar à condição anterior, e, quando não for possível este retorno, que nova situação seja estabelecida para quem sofreu o dano, novamente com ensinamento expressivo de Rui Stoco:
Esse comportamento gera, para o autor, a responsabilidade civil, que traz, como conseqüência, a imputação do resultado à sua consciência, traduzindo-se, na prática, pela reparação do dano ocasionado, conseguida, normalmente, pela sujeição do patrimônio do agente, salvo quando possível a execução específica. Por outras palavras, é o ilícito figurando como fonte geradora de responsabilidade.
Na história humana, a indenização é reconhecida, pela primeira vez, na Lei de Talião, encontrada escrita no Código de Hamurabi, “Olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé por pé.”
Esse princípio não é nada mais que uma indenização compensatória.
Ao analisarmos os 282 artigos do Código de Hamurabi, percebemos que, basicamente, só existem quatro tipos de sanção:
Prisão;
Morte;
Mutilação;
Indenização.
Alguns exemplos:
6º - Se alguém roubar a propriedade de um templo ou corte, ele deve ser condenado à morte, e também aquele que receber o produto do roubo do ladrão deve ser igualmente condenado à morte.
8º - Se alguém roubar gado ou ovelhas, ou uma cabra, ou asno, ou porco, se este animal pertencer a um deus ou à corte, o ladrão deverá pagar trinta vezes o valor do furto; se tais bens pertencerem a um homem libertado que serve ao rei, este alguém deverá pagar 10 vezes o valor do furto, e se o ladrão não tiver com o que pagar seu furto, então ele deverá ser condenado à morte.
23º - Se p salteador não é preso, o roubado deverá diante de Deus reclamar tudo que lhe foi roubado; então a aldeia e o governador, em cuja terra e circunscrição o roubo teve lugar, devem indenizar-lhe os bens roubados por quanto foi perdido.
35º - Se alguém comprar o gado ou ovelhas que o rei fez por bem dar aos seus capitães, este alguém perderá seu dinheiro.
37º - Se comprar o campo, o jardim e a casa do capitão, ou deste homem, a tábua de contrato deve ser quebrada (declarada inválida) e a pessoa perderá dinheiro. O campo, jardim e casa devem retornar a seus donos.
56º - Se alguém deixar entrar água, e a água alagar a plantação do vizinho, ele deverá pagar 10 gur de cereais por cada 10 gan de terra.
57º - Se um pastor, sem a permissão do dono do campo, e sem o conhecimento do dono do rebanho, deixar as ovelhas entrarem neste campo para pastar, então o dono do campo deverá fazer a colheita de seus grãos, e o pastor que deixou pastar ali seu rebanho sem permissão deverá pagar ao proprietário do campo 20 gur de cereais cada 10 gan.
59º - Se qualquer um, sem o conhecimento do dono do jardim, deixar cair uma árvore, esta pessoa deverá pagar 1/2 mina em dinheiro ao proprietário.
63º - Se ele transformar terras ruins em campos aráveis e devolver a terra a seu dono, o dono deverá pagar a ele por um ano dez gur por dez gan.
102º - Se um negociante emprestou dinheiro a um comissionário para suas empresas e ele, no lugar para onde se conduz, sofre um dano, deverá indenizar o capital ao negociante.
107º - Se o mercador enganar o agente, devolvendo ao dono o que lhe foi confiado, mas o mercador negar o recebimento do que for devolvido a ele, o agente deve condenar o mercador ante os deuses e juizes, e se ele ainda negar recebimento do que o agente lhe deu, ele deverá pagar seis vezes mais o total ao agente.
112º - Se durante uma jornada, a alguém forem confiados prata, ouro, pedras preciosas ou outra propriedade móvel de outrém, e o dono quiser reaver o que é seu: se este alguém não trouxer toda a propriedade no local apropriado e se apropriar dos bens para seu próprio uso, então esta pessoa deverá ser condenada, e terá de pagar cinco vezes o valor daquilo que foi confiado a ele.
125º - Se alguém dá em depósito os seus bens e aí por infração ou roubo os seus bens se perdem com os do proprietário da casa, o dono desta, que suporta o peso da negligência, deverá indenizar tudo que lhe foi consignado em depósito e que ele deixou perder. Mas, o dono da casa poderá procurar os seus bens perdidos e retomá-los do ladrão.
196º - Se um homem arrancar o olho de outro homem, o olho do primeiro deverá ser arrancado [Olho por olho].
197º - Se um homem quebrar o osso de outro homem, o primeiro terá também seu osso quebrado.
198º - Se ele arrancar o olho de um homem livre, ou quebrar o osso de um homem livre, ele deverá pagar uma mina em ouro.
199º - Se ele arrancar o olho do escravo de outrém, ou quebrar o osso do escravo de outrém, ele deve pagar metade do valor do escravo.
200º - Se um homem quebrar o dente de um seu igual, o dente deste homem também deverá ser quebrado [ Dente por dente];
201º - Se ele quebrar o dente de um homem livre, ele deverá pagar 1/3 de uma mina em ouro.
203º - Se um homem que nasceu livre bater no corpo de outro homem seu igual, ele deverá pagar uma mina em ouro.
204º - Se um homem livre bater no corpo de outro homem livre, ele deverá pagar 10 shekels em dinheiro.
225º - Se um cirurgião veterinário fizer uma operação importante num asno ou boi e matar o animal, ele deverá pagar ao dono 1/4 do valor do animal que morreu
226º - Se um barbeiro, sem o conhecimento de seu dono, cortar o sinal de escravo num escravo que não seja para ser vendido, as mãos deste barbeiro deverão ser decepadas.
229º - Se um construtor construir uma casa para outrem, e não a fizer bem feita, e se a casa cair e matar seu dono, então o construtor deverá ser condenado à morte.
230º - Se morrer o filho do dono da casa, o filho do construtor deverá ser condenado à morte.
247º - Se alguém contratar um boi, e este Ter seu olho arrancado, este alguém terá de pagar ao proprietário 1/3 do valor do boi.
248º - Se alguém contratar um animal, e este tiver seu chifre quebrado ou a cauda cortada ou o focinho ferido, a pessoa deverá pagar 1/4 do valor do animal para o proprietário em dinheiro.
Pós Hamurabi, Moisés que, segundo os estudiosos do Criticismo Inferior[2], transcreveu a Torá, que são as leis primárias do Judaísmo e, por conseqüência, são, também, do Cristianismo e podemos encontrar, na Bíblia, a determinação, explícita, do dever de indenizar:
Êxodo 22:1-9
1 - Se alguém furtar boi ou ovelha, e o degolar ou vender, por um boi pagará cinco bois, e pela ovelha quatro ovelhas.
2 - Se o ladrão for achado roubando, e for ferido, e morrer, o que o feriu não será culpado do sangue.
3 - Se o sol houver saído sobre ele, o agressor será culpado do sangue; o ladrão fará restituição total; e se não tiver com que pagar, será vendido por seu furto.
4 - Se o furto for achado vivo na sua mão, seja boi, ou jumento, ou ovelha, pagará o dobro.
5 - Se alguém fizer pastar o seu animal num campo ou numa vinha, e largá-lo para comer no campo de outro, o melhor do seu próprio campo e o melhor da sua própria vinha restituirá.
6 - Se irromper um fogo, e pegar nos espinhos, e queimar a meda de trigo, ou a seara, ou o campo, aquele que acendeu o fogo totalmente pagará o queimado.
7 - Se alguém der ao seu próximo dinheiro, ou bens, a guardar, e isso for furtado da casa daquele homem, o ladrão, se for achado, pagará o dobro.
8 - Se o ladrão não for achado, então o dono da casa será levado diante dos juízes, a ver se não pôs a sua mão nos bens do seu próximo.
9 - Sobre todo o negócio fraudulento, sobre boi, sobre jumento, sobre gado miúdo, sobre roupa, sobre toda a coisa perdida, de que alguém disser que é sua, a causa de ambos será levada perante os juízes; aquele a quem condenarem os juízes pagará em dobro ao seu próximo (BÍBLIA, 1995, p. 151).
Desde o início da organização humana por meio de algum tipo de lei ou norma, a indenização sempre teve por objetivo, também, cumprir uma função social, no caso, o controle difuso da coletividade.
Não é suficiente apenas restituir; o dano deve ser evitado e, para tal, a indenização passa a existir como meio de coação, trazendo prejuízo determinante a quem provocar o dano, com o objetivo de tentar evitar que o mesmo se repita.
A Lei das XII Tábuas do Direito Romano contém, também, a previsão legal da indenização como função social, ou seja, com a determinação de reparação além do dano:
Tábua VIII – De delictis[3]
III- Pela fratura de um osso de um homem livre, pena de trezentos "as"; de um escravo, pena de cinquenta "as".
IV- Pela injúria feita a outrem, pena de vinte e cinco "as".
V- Se o prejuízo é causado por acidente, que seja reparado.
VII- Cabe ação de dano contra aquele que faz pastar o seu rebanho no campo de outrem
IX- Aquele que causa, à noite, furtivamente, destruição, ou apascenta o seu rebanho sobre colheitas, seja votado a Ceres e punido de morte; sendo impúbere, será vergastado ao critério do magistrado e condenado a reparar o dano em duplos.
X- Aquele que causa incêndio num edifício, ou num moinho de trigo próximo de uma casa, se o faz conscientemente, seja amarrado, flagelado e morto pelo fogo; se o faz por negligência, será condenado a reparar o dano; se for muito pobre, fará a indenização parceladamente.
XI- Contra aquele que corta injustamente as árvores de outrem, aplique-se a pena de vinte e cinco "as" sobre cada árvore cortada.
XIV- O ladrão confesso (preso em flagrante) sendo homem livre, será vergastado por aquele a quem roubou; se é um escravo, será vergastado e precipitado da Rocha Tapéia; mas sendo impúbere, será apenas vergastado ao critério do magistrado e condenado a reparar o dano.
XVI- No caso de um furto manifesto, que a pena contra o ladrão seja do duplo do objeto furtado. (VIEIRA, 1994)
Roberto Senise Lisboa explica literalmente como funcionavam as indenizações no Direito Romano:
As sanções previstas na lei das XII Tábuas eram ordinariamente fixadas no dobro (duplum), porém podiam chegar ao triplo (triplum) ou ao quádruplo (quadruplum) (LISBOA, 2009, p. 206)
João Casillo explica que, desde épocas remotas, o conceito da indenização vai, também, além da reparação, tendo, também, o controle social como função:
Não só Moisés, mas também Maomé, milênios depois, “manteve a forma de Talião (kisas) ou resgate de pena (dijah), que considerou eficaz pelo pânico que inspira, garantindo a ordem social” (CASILLO, 1987, p. 16).
Mesmo tendo sofrido alterações em sua forma e alcance, a indenização jamais deixou de integrar o sistema jurídico da sociedade.
Se em determinado momento histórico o alcance pendeu mais para a minoria dominante, atualmente está, gradativamente, retomando sua função original de ferramenta de controle cumprindo sua função social.
O ordenamento Jurídico brasileiro absorve e determina a obrigação de indenizar, até mesmo de forma independente do dolo eventual, utilizando a prerrogativa da responsabilidade objetiva.
Na Constituição temos o Art. 5º:
[...]
V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;
X - São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
[...] (BRASIL, Constituição, 1988).
No Código Civil temos o Art. 927:
Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. (BRASIL. Código Civil 2009)
Neste sentido é farta doutrina apoiando a legislação brasileira no que tange à indenização e responsabilização, como bem fundamenta a professora Giselda Hironaka:
[...] se dirá da responsabilidade objetiva que a presença do elemento culpa, sua análise e prova são absolutamente desnecessárias para o efeito de imputar-se a alguém a responsabilidade de reparar o dano causado à vítima. A responsabilização satisfaz-se apenas com a relação “dano e nexo de causalidade” (HIRONAKA, 2000, p. 269).
Fábio Ulhoa Coelho nos ensina que a indenização é um vínculo obrigacional entre as partes imposto pelo ente estatal:
Obrigação é o vínculo entre duas partes juridicamente qualificado no sentido de uma delas (o sujeito ou sujeitos ativos) titularizar o direito de receber da outra (o sujeito ou sujeitos ativos) uma prestação (COELHO, 2009, p. 5)
Rui Stoco complementa, com grifo nosso:
Isso significa que, em suas interações na sociedade, ao alcançar direito de terceiro, ou ferir valores básicos da coletividade, o agente deve arcar com as conseqüências, sem o que impossível seria a própria vida em sociedade. (STOCO, 2004, p. 128)
É possível concluir que o Brasil tem, favoravelmente, todos os instrumentos legais para efetivar as indenizações em seu mais amplo espectro.
É necessário uma quebra de paradigma na aplicação teleológica da legislação para que o processo indenizatório cumpra sua função social, utilizando-se de casos pontuais cujo resultado possa atingir a sociedade como um todo.
Acompanhando, diariamente, as notícias econômicas, podemos perceber que o Brasil hoje, assim como o mundo ocidental moderno, vive um momento de transição social extremamente interessante, onde se reconhece a importância das empresas privadas na sociedade, assim como a importância, precípua, da sociedade para a existência dessas mesmas empresas, com o Estado permeando e guardando as relações entre a sociedade e empresas, empresas e Estado e sociedade e Estado.
Retroagindo em apenas algumas décadas, as empresas, assim como o Estado agiam de tal forma com a sociedade que a demonstração era clara de que era esta sociedade quem não poderia viver sem as empresas e sem o Estado.
A evolução dos chamados Direitos Sociais de segunda dimensão garantiu que a sociedade recuperasse as rédeas de suas necessidades e, hoje, demonstra, para empresas e Estado, que aquela realmente detém o poder sobre sua realidade e seu futuro.
Segundo Ricardo Borges Ranzolin:
[...] essa nova cultura, que marca o próprio surgimento e desenvolvimento da instituição do direito propriamente dito, que antes não existia, foi fruto de um processo de seleção. Os homens se adaptaram a tais regras, por implicar no o (sic) sistema mais apto de garantia de sobrevivência. Um verdadeiro ‘darwinismo institucional (RANZOLIN, s/d, p. 8).
Baseados nesta afirmação, podemos determinar, então, que dentro desta regra de evolução ‘darwiniana’, no Brasil a sociedade, empresas e Estado se adaptaram ao modelo institucional vigente, ou seja, aproveitaram-se de todos os caminhos e brechas permitidas. Sejam essas legais ou morais.
Dentro de seu pragmatismo peculiar, Nietzsche afirma:
No comércio dos homens é muitas vezes necessário recorrer a uma dissimulação benevolente, como se não conseguíssemos penetrar nos motivos de sua conduta (NIETZSCHE, 2007, p. 205)
Ocorre que, 123 anos após a reflexão Nietzscheana, a evolução da sociedade, tanto de forma tecnológica quanto social, permite penetrar justamente nestes motivos, ainda que mascarados pela dissimulação benevolente que ainda persiste.
A informação, hoje, está ao alcance das massas, o conhecimento técnico se espalhou, em função, inclusive, da necessidade das empresas e do Estado, e a sociedade conseguiu, assim, compreender que o objeto social, tanto de empresas quanto do Estado, não estava sendo alcançado.
Desta forma, podemos dizer que estamos vivendo um momento extremamente interessante do ponto de vista jurídico pois é premente a necessidade do Estado, também, cumprir, perante à sociedade e às empresas, sua função social através do Poder Judiciário.
Hobbes, em Leviatã (2003), explica-nos que por mais que alguns homens possam ser mais fortes ou mais inteligentes do que outros, nenhum desses, jamais, vai conseguir ser mais forte do que a coletividade, ou seja, o raciocínio de Rousseau, em Do Contrato Social (2004), finaliza este pensamento determinando, então, a criação de um Estado, a ser gerido, igualmente, por todos os homens.
Dito isso, observasse que em nenhum outro momento histórico o homem indivíduo teve tanto poder quanto atualmente.
A ignorância, ou seja, a ausência do saber, a cada dia é menor em função do avanço tecnológico que a informação atingiu; isso reduz a distância entre os homens dando oportunidades mais próximas do ideal e, portanto, beneficia a igualdade almejada.
A sociedade está em constante transformação e o Judiciário precisa, também, se transformar com a mesma rapidez sob a pena de jamais alcançar os anseios sociais objetivados pela coletividade.
Ao ser concluído o raciocínio sobre o que é função social e, também, o que é a indenização, assim como todo o contexto histórico de como se desenvolveram, damos início à abordagem sobre o principal objetivo desta monografia que é demonstrar a função social das indenizações e os motivos pelos quais acreditamos que deva existir.
Consideramos ser essencial que nossa interpretação filosófica e social seja alicerçada na Constituição Federal, e para tanto começamos a partir da interpretação sobre as doutrinas e jurisprudências.
Doutrinas são interpretações do ordenamento jurídico e são escritas, e aceitas, em épocas e realidades específicas e distintas entre si, assim como as jurisprudências, que refletem o entendimento momentâneo dos Tribunais julgadores.
A aceitação dessas doutrinas e jurisprudências é determinada por necessidades sociais e essas, per si, podem mudar de acordo com elementos diversos relacionados à realidade de cada sociedade, como nos explica Norberto Bobbio, com grifo nosso:
A hipótese de que parte do contratualismo moderno é o Estado de natureza, um Estado no qual existem apenas indivíduos isolados mas tendentes a se unir em sociedade para salvar a própria vida e a própria liberdade. Partindo desta hipótese, a sociedade política torna-se um artifício, um projeto a ser construído e reconstruído continuamente, um projeto jamais definitivo, a ser submetido à contínua revisão (BOBBIO, 1997, p. 126)
Hoje, no Brasil, a maioria das decisões Judiciais que são efetivadas, aquelas onde as sentenças transitam em julgado e são executadas, entendem que é mais importante o resultado obtido pelo indivíduo indenizável do que o resultado social que pode ser atingido punindo o agente que deu causa a indenização.
Se a Constituição (2009) determina, no art. 5º, caput, “todos são iguais perante a lei”, a doutrina e a jurisprudência tentam, e em muitos casos, conseguem distorcer o sentido do texto Constitucional, deturpando ensinamentos como os de Ruy Barbosa, que, nos idos de 1920, em discurso aos formandos da Faculdade de Direito de São Paulo, proferiu pensamento semelhante em Oração aos Moços:
A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade. O mais são desvarios da inveja, do orgulho, ou da loucura. Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real (BARBOSA, 2003, p. 26).
Pensamento este que, atualmente, foi reduzido à expressão tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida em que eles se desigualam.
O alcance pretendido por Ruy Barbosa, jamais teve por objetivo a discriminação, a exclusão ou a desigualdade entre os homens; ao contrário, buscou-se a igualdade plena entre os capazes e incapazes, entre os abastados e os empobrecidos.
A profundidade desse pensamentos busca o nivelamento dos homens para cima, jamais para baixo.
Tratar igualmente os iguais pressupõe tratamento igualitário entre todos. Aos que são capazes de forma igual, aos que não são, que sejam criados instrumentos para que o sejam.
Em desacordo, um abastado e um empobrecido, pressupõe-se que a sociedade e a Justiça trate a ambos da mesma forma, com os mesmos valores, pois a condição patrimonial não os faz diferentes perante a lei; mas sendo ambos desiguais, caso esteja errado o empobrecido, que então seja tratado de forma desigual, dentro de sua desigualdade, ou seja, a pena, para este, será na proporção de sua desigualdade e suas posses. Ao abastado, o mesmo tratamento.
Aos deficientes, que sejam tratados em sua integridade moral da mesma forma que aos capazes e, de forma desigual em sua deficiência, sempre objetivando a igualdade deste com os capazes e nunca o contrário.
Algumas doutrinas, como a de Franklin Alves Felipe, além de confrontar diretamente o pensamento de Ruy Barbosa, afrontam dispositivos Constitucionais, como o art. 170 caput, “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social,[...]”,e pregam que “há de se verificar a condição social e econômica da parte lesada”:
No caso de uma ofensa à honra, por exemplo, quanto maior for a necessidade da vítima de preservar o seu nome, maior deverá ser a indenização. Todos têm direito a honra, não há dúvidas, mas uma imputação feita, por exemplo, a um magistrado que se paute pela conduta honrada e honesta, há que ter uma retribuição mais elevada do que se a ofensa é feita a uma pessoa cuja função não exija tanta seriedade e honestidade no meio social e que nem tanto se preze; (FELIPE, 2000, p. 81-82)
Este é um exemplo de pensamento afasta a presunção de equidade e justiça entre os homens, determinando que uns, em sua condição ou função, são prediletos a outros.
Se a Constituição (2009) nos orienta, no art. 5º inciso XXIII, que “a propriedade atenderá a sua função social” eis que vem a jurisprudência afirmando que “não pode haver enriquecimento ilícito por parte da parte lesada”, com grifo nosso:
STJ - REsp 334827 / SP
RECURSO ESPECIAL2001/0089760-5
CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. DANO MORAL. PUBLICAÇÃO EM REVISTA SEMANAL DE CIRCULAÇÃO NACIONAL DE INFORMAÇÃO QUE ATINGE A IMAGEM DE EMPRESA COMERCIAL. DANO AFERIDO NA ORIGEM A PARTIR DOS ELEMENTOS FÁTICO-PROBATÓRIOS CARREADOS NOS AUTOS. IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO. SÚMULA 07/STJ. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 165, 458 E 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA. QUANTUM DA INDENIZAÇÃO. VALOR EXORBITANTE. REDUÇÃO. POSSIBILIDADE.
1. Não se verificam violações aos arts. 165, 458 e 535 do CPC quando o acórdão impugnado examina e decide, fundamentadamente e de forma objetiva, as questões relevantes para o desate da lide.
2. Nos termos da jurisprudência consolidada desta Corte Superior, bem como do Pretório Excelso, o prazo decadencial e a responsabilidade tarifada, previstos na Lei de Imprensa, não foram recepcionados pela Constituição de 1988. (Precedentes: RE n.º 447.584/RJ, Rel. Min. Cezar Peluzo, Segunda Turma, DJU de 16/03/2007; REsp n.º 579.157/MT, Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, Quarta Turma, DJU de 11/02/2008; e REsp 625.023/PE, Rel. Min. Massami Uyeda, Quarta Turma, DJU de 26/02/2007).
3. O critério que vem sendo utilizado por essa Corte Superior na fixação do valor da indenização por danos morais, considera as condições pessoais e econômicas das partes, devendo o arbitramento operar-se com moderação e razoabilidade, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso, de forma a não haver o enriquecimento indevido do ofendido, bem como que sirva para desestimular o ofensor a repetir o ato ilícito.
4. Estando assentada pelas instâncias de cognição a existência do dano à imagem da empresa ora recorrida, oriundo do ato praticado pela ora recorrente, revela-se indiferente ter ou não a Corte de origem fundamentado a indenizabilidade pela ofensa no dispositivo legal mais apropriado para tanto, máxime porque inarredável a aplicação à hipótese do art. 159 do Código Civil de 1916.
5. Resultando as conclusões da Corte a quo, acerca da ocorrência do dano moral, do conjunto fático probatório carreado nos autos, sua revisão se revela tarefa interditada à esta Corte Superior, na via especial, nos termos do verbete sumular n.º 07/STJ.
6. Todavia, cabe a alteração do quantum indenizatório quando este se revelar como valor exorbitante ou ínfimo, consoante iterativa jurisprudência desta Corte Superior de Justiça.
7. In casu, o Tribunal de Origem condenou a ré ao pagamento de “720 dias-multa, calculado o dia-multa à base de dez vezes o valor do salário mínimo vigente no mês de dezembro de 1995 devidamente corrigido até a data do efetivo pagamento” (fl.421), o que considerando os critérios utilizados por este STJ, ainda se revela
extremamente excessivo.
8. Dessa forma, considerando-se as peculiaridades deste caso, os princípios jurisprudenciais desta eg. Corte Superior na fixação do quantum indenizatório a título de danos morais, rejeita-se o critério adotado pelo eg. Tribunal de Origem por analogia ao Direito Penal e se fixa o valor do dano moral na quantia de R$ 46.000,00-(quarenta e seis mil reais), corrigidos monetariamente a partir desta decisão, acrescido dos juros legais nos termos da Súmula 54 deste Superior Tribunal de Justiça.
9. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido.
TJ – Goiás – RECURSO - 128839-0/188 - APELACAO CIVEL
Apelacao civel. Devolucao de cheque. Conta encerrada. Credito suficiente em conta. Indenizacao por danos morais. I - basta a afericao do ato ilicito praticado pelo fornecedor de servico (instituicao financeira) e o dano causado ao consumidor, para ensejar a obrigacao de indenizar. Ii - ocorre ma prestacao de servicos, por parte da instituicao financeira, quando encerra conta corrente sem comunicar ao cliente antecipadamente mesmo havendo credito na conta corrente, razao por que impende seja obrigado a compensar os danos morais consequentes. Iii - o dano moral deve ser fixado considerando a necessidade de punir o ofensor e evitar que repita seu comportamento, devendo se levar em conta o carater punitivo da medida, a condicao social e economica do lesado e a repercussao do dano. Apelacao conhecida e improvida.
TJ – Goiás – RECURSO - 117284-0/188 - APELACAO CIVEL
Apelacao civel. Acao de indenizacao por dano moral. Extravio de bagagem. Cerceamento de defesa. Inocorrencia. Dano moral configurado. 'Quantum' arbitrado. Correcao monetaria. 1 - se a prova testemunhal nenhuma influencia tera no desfecho do julgamento, dado que os fatos ja estao satisfatoriamente esclarecidos pela prova existente nos autos, o indeferimento daquele meio de prova nao configura cerceamento de defesa. 2 - o extravio de bagagem, cuja entrega e confiada ao transportador, da ensejo a condenacao por dano moral, pois nao ha como negar que essa perda traz ao passageiro serios dissabores e intenso desconforto. 3 - o valor da indenizacao nao deve ser alterado quando o juiz, ao fixa-lo, ja levou em contra a condicao economica dos envolvidos e a repercussao na vida socio-afetiva da vitima, restando, assim, bem aplicados os principios da razoabilidade e da proporcionalidade. 4 - na indenizacao por dano moral, a correcao monetaria incide a partir da data em que foi arbitrado o 'quantum' reparatorio.
Tal orientação esconde o princípio básico de uma indenização que é a repercussão do dano.
Sem o dano, não existe a indenização, eis que, observando uma lógica simples, percebemos que eventual “enriquecimento” jamais será ilícito, ou sem causa, uma vez que o dano, efetivamente, existiu e lhe deu causa.
Encontramos apoio doutrinário em Gagliano e Pamplona Filho para a aplicação literal do art. 944 do Código Civil (2009): A indenização mede-se pela extensão do dano.
Por isso mesmo, a regra básica para a fixação da indenização não poderia ser outra, senão a constante no caput do art. 944 do CC-02, qual seja, a de que a “indenização mede-se pela extensão do dano (GAGLIANO E PAMPLONA FILHO, 2005, p. 389).
Giselda Hironaka também nos ensina:
[...] o estabelecimento do montante pecuniário da indenização a ser paga não variará conforme seja maior ou menor a culpa do agente causador do dano, mas, ao contrário, corresponderá exatamente à extensão, ou proporção, material deste dano (HIRONAKA, 2000, p. 268).
Por “extensão do dano”, podemos compreender que esse possa extrapolar o agente que sofreu o dano de forma direta.
Este raciocínio é a base do direito social: Onde um determinado fato pode alcançar a coletividade, instrumentos são criados para evitar que o mesmo ocorra.
Além do fato de que não existe orientação legal determinando considerar as condições da vítima, a doutrina e a jurisprudência, hoje dominantes, eliminam toda a igualdade pretendida pelo legislador brasileiro uma vez que conseguiram, inclusive, suprimir do texto original do Código Civil, o que seria um importante avanço na legislação, como explicam Gagliano e Pamplona Filho:
[...] será acrescentado um segundo parágrafo ao art. 944 do código civil (convertendo-se o atual parágrafo único em § 1º), dispondo que a “reparação do dano moral deve constituir-se em compensação ao lesado e desestímulo ao lesante”. Com essa parte final, talvez sejam abertas as portas para a consagração da teoria da indenização do dano moral com caráter punitivo no Brasil (GAGLIANO E PAMPLONA FILHO, 2005, p. 413).
O Projeto de Lei, nº 6960 de 2002, para a alteração do art. 944 do Código Civil (2009), cujo relator da Comissão de Constituição e Justiça, Deputado. Vicente Arruda, deu parecer contrário, arquivando o projeto:
A doutrina define dano moral de várias formas. Todas as definições, entretanto, são coincidentes no que diz respeito a ser referente ao dano de bens não-patrimoniais ou não-econômicos do lesado. Em nenhum lugar a indenização por dano moral é relacionada à pena. É justamente esse caráter de pena que ora se pretende dar quando o PL diz: “adequado desestímulo ao lesante”. Além do mais confere-se ao Juiz um arbítrio perigoso porque não delimita a fronteira entre o dano efetivo e o adequado desestímulo ao cometimento de futuros atos ilícitos. Cria também um duplo critério de avaliação da indenização. O critério para cálculo do valor da indenização do dano, tanto para o material quanto para o moral, deve ser o da sua extensão. Pela rejeição”.
A concepção do projeto de lei supracitado nos aproximaria do conceito punitive damages, aplicado nos EUA, que versa sobre uma pena aplicada ao agente, de forma proporcional à sua condição patrimonial, objetivando, justamente, desestimular conduta semelhante ou até mesmo, em casos muito específicos, a extinção desse agente por via patrimonial.
O parâmetro de desestimular o agente é, inclusive, apregoado pelo STJ mas, infelizmente, não refletido em seus próprios acórdãos uma vez que os valores determinados estão aquém da capacidade de coação.
A jurisprudência e doutrina, hoje dominantes, ajudam a explicar os motivos pelos quais, no Brasil, a indenização não consegue cumprir sua função social de, também, organizar a sociedade fazendo cumprir as Leis e auxiliando na organização e desenvolvimento do país, como determina a Constituição:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.
Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:
I - independência nacional;
II - prevalência dos direitos humanos;
III - autodeterminação dos povos;
V - igualdade entre os Estados;
VII - solução pacífica dos conflitos;
VIII - repúdio ao terrorismo e ao racismo;
IX - cooperação entre os povos para o progresso da humanidade;
X - concessão de asilo político.
Parágrafo único. A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações.
O Judiciário tem as mesmas obrigações que o Executivo e o Legislativo, no cumprimento de suas funções.
De acordo com as prerrogativas legais, sociais e filosóficas, o processo indenizatório pode, e deve, ser ferramenta para promover a justiça de forma individual e, também, com alcance social.
Mas o cumprimento de sua função social só se fará possível com a majoração nos valores arbitrados pelo Judiciário.
Vivemos em uma sociedade capitalista, cujas regras comerciais são claras e o objetivo das empresas privadas é o lucro, assim como o objetivo do Estado é a melhor administração da máquina estatal para que esta preste um melhor serviço à sociedade.
Como o Estado também é movido através dos impostos recolhidos, está inserido dentro desta sociedade capitalista pois sua arrecadação é afetada pelo desempenho das empresas privadas e da máquina estatal como um todo.
Uma vez, então, que toda a sociedade é dependente do vil metal, sendo incapaz de sobreviver sem ele, é justo presumir que seja ele, ou através dele, um dos instrumentos adequados para se fazer cumprir a função social.
A Constituição determina no art. 5º, inciso XXXV, A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;
O resultado prático deste artigo diz que todos, pessoas físicas e empresas, que se sentirem lesados ou virem seus direitos ameaçados de alguma forma poderão buscar a tutela do Judiciário.
Sendo assim, órgãos como a Secretaria de Direito Econômico (SDE), órgão do Ministério da Justiça; pela Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE), órgão do Ministério da Fazenda; e pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), autarquia federal vinculada ao Ministério da Justiça, que compõe o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência – SBCD, e o não menos importante, o PROCON, são, do ponto de vista prático, completamente inócuos, uma vez que suas ‘decisões’ não tem autonomia e podem ser revistas pelo Judiciário.
Criou-se uma estrutura enorme, com custos elevados para sua manutenção, sendo que, ao final, quem tem o condão para decidir é o Judiciário.
E não são apenas órgãos de proteção à livre concorrência ou ao consumidor que, em tese, são desnecessários. É toda uma burocracia estatal cujo resultado prático, positivo, poderia advir do Judiciário de forma simples, demonstrando à sociedade que o agente, uma vez agindo contra os interesses da coletividade, incorrerá em indenizações de tal forma elevadas que poderiam, inclusive, inviabilizar a existência de empresas privadas ou a manutenção, em cargos públicos, de indivíduos nocivos à sociedade.
A burocracia ficaria reduzida quase que à necessidade estritamente legal.
As empresas, finalmente, disponibilizariam serviços e produtos de maior qualidade.
As pessoas se comportariam melhor em sociedade e poderiam exercer, com mais dignidade, a liberdade e a igualdade garantidas em Lei.
Norberto Bobbio nos ensina:
Ter poder significa, em poucas palavras, ter a capacidade de premiar ou punir, isto é, de obter comportamentos desejados, ou prometendo, e estando em condições de dar, recompensas, ou ameaçando, e estando em condições de infligir, punições (BOBBIO, 1997, p.141).
A punição é uma das bases do controle social exercido pela sociedade a partir do momento em que foi reconhecida como tal.
A falta de indenizações que cumpram sua função social é tão prejudicial ao país que é uma das causas pelo elevado número da corrupção hoje existente. Outra causa é a ausência absoluta de temor pelo Judiciário por parte da população.
Um político, empresário, ou apenas cidadão comum, que lesa o erário, a sociedade ou o individuo, tem certeza de que o processo irá demorar muito para ser concluído e que o resultado prático, findo esse, não afetará o seu patrimônio. No fim, é apenas uma questão de cálculo para se demonstrar que a corrupção, ou o comportamento repreensível, no Brasil, compensa.
Esta ausência de temor ao Judiciário explica, muito, os motivos pelos quais, no Brasil, a autocomposição é pouco difundida.
Porque uma grande empresa faria um acordo com um cliente lesado se pode aplicar, no mercado financeiro, o valor a ser pago enquanto durar o processo judicial?
Para a fase de execução de sentença, o Judiciário brasileiro permite que os valores discutidos sejam atualizados sob juros legais de 12% ao ano, acrescidos de correção monetária. Ora, o departamento jurídico de um banco que lesou seu correntista tem a certeza de que a indenização aplicada pelo Judiciário será baixa e que é possível postergar o pagamento em até quatro anos, ou mais, dependendo do caso.
Se um banco consegue, facilmente, 36% no índice de retorno em investimentos ao ano, por qual motivo, hoje existente, seria vantagem para o banco autocompor-se com o correntista lesionado?
O mesmo raciocínio vale para inúmeras situações. As empresas e até o cidadão comum que se envolve em um acidente de trânsito.
O Judiciário brasileiro, hoje, é utilizado como escudo por empresas e, porque não, indivíduos que buscam apenas evitar, ou reduzir, o pagamento de indenizações pelos danos que provocou.
É interessante perceber que o Judiciário não leva em consideração, no momento de quantificar o dano, se o agente perpetrador do mesmo é, ou não, reincidente. Considera apenas o caso concreto individual e a quantificação, como já exposto, é calculada em função do elemento que sofreu o dano.
Em um primeiro momento, esta mudança no conceito dos valores indenizatórios vai causar um aumento expressivo na procura da tutela Judicial.
Isso vai, com certeza, causar inúmeros transtornos ao sistema e até mesmo elevar o tempo médio de duração dos processos.
É possível que esta fase transitória se postergue por, aproximadamente, vinte anos. É, presumivelmente, o tempo para que um número expressivo de processos chegue ao STF e sejam julgados procedentes.
Após este período, a sociedade, provavelmente, vai compreender a nova postura do Judiciário e a matemática do capitalismo, a exemplo do que acontece nos EUA e Europa, demonstrará que será mais compensador evitar o litígio com a mudança na forma de agir ou através da autocomposição.
A questão proposta não é simplesmente copiar o sistema estadunidense ou europeu, até porque isso não é viável uma vez que nosso sistema legal é completamente diferente.
A proposta deste trabalho é buscar um formato onde o resultado final seja parecido com o conseguido nos países citados: Uma sociedade mais justa do ponto de vista coletivo, onde o Estado cumpre sua função com um mínimo de falhas, as empresas têm mais respeito pelos clientes e o cidadão comum compreenda que seus direitos terminam onde se iniciam os do próximo.
Em 22 de Julho de 2009, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE, julgou o processo administrativo nº 08012.003805/2004-10, contra a Companhia de Bebidas das Américas – AMBEV, que teve como resultado uma multa de aproximadamente R$ 350.000.000,00 (Trezentos e cinqüenta milhões de Reais).
O argumento é que a referida empresa promovia um programa de fidelização com os clientes que não permitia a livre concorrência.
Em premissa de defesa ao consumidor o CADE órgão aplicou uma multa recorde e determinou a suspensão do referido programa de fidelização por suposto dano ao consumidor.
O autor da ação foi uma empresa concorrente, Primo Schincariol Ind. Cervejas e Refrigerantes, que, dentro da legislação vigente não possui autonomia para propor, no Judiciário, ações coletivas.
O CADE, porém, permite que qualquer parte que se sinta lesada, requeira procedimento investigatório.
O questionamento é simples: Onde está a lesão ao consumidor? Onde está a vontade do consumidor em processar a empresa que supostamente o está lesando?
O Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência é formado por três órgãos, cada um com sua estrutura própria, funcionários, diretores, verbas, mas o resultado prático simplesmente não existe, ou não é mensurado pelo consumidor a quem, supostamente, deveria ser protegido.
Esta multa milionária não foi paga, está suspensa por liminar concedida pelo Judiciário e um processo ordinário foi aberto para discutir o mérito da questão.
Pela visão proposta no tema deste trabalho, órgãos como o CADE simplesmente não existiriam, o consumidor lesado buscaria a tutela do Judiciário de forma direta e bastariam apenas, duas ou três multas com valor em um dízimo desta aplicada pelo CADE para que a empresa multada revisse seu modus operandi.
O valor dessa multa é destinado ao Fundo de Direitos Difusos que, supostamente, subsidia projetos em benefício de toda a sociedade. Na realidade nada acontece, a sociedade não vê benefício algum e as grandes empresas continuam a lesar o consumidor.
Em Julho de 2009 o Ministério da Justiça ingressou no Judiciário com ações coletivas contra a Claro e a OI/Brasil Telecom, por ambas não cumprirem as regras no atendimento ao cliente.
As ações são por danos morais no valor de R$ 300.000.000,00 (Trezentos milhões de Reais) que, em caso de êxito, será recolhido, também, ao Fundo de Direitos Difusos (FDD), que subsidia projetos em benefício de toda a sociedade.
O Ministério da Justiça se sentiu desrespeitado, uma vez que ambas as empresas já tinham recebido multas que não surtiram efeito uma vez que, provavelmente a partir de cálculo aritmético simples, constataram que o custa da multa era mais viável e que discutir judicialmente é mais vantajoso do que se adaptar às novas normas que protegem o direito do cidadão.
Mais uma vez, percebe-se que as empresas sempre buscam a proteção do Judiciário já que esse não cumpre sua Função Social já que julga o caso concreto de forma individual.
Uma maneira bastante precisa para determinar o Quantum debeatur, hoje utilizada pelo CADE, é o cálculo em função do faturamento da empresa. A multa aplicada pelo CADE à AMBEV, por exemplo, determinou em 2% sobre o faturamento bruto anual, que representou valor aproximado de trezentos milhões de Reais (R$ 300.000.000,00).
Para o Judiciário, seria um ponto de partida muito interessante no momento de estipular os valores indenizatórios.
Homo homini lúpus.[4] Hobbes expressou o que mais próximo se aproxima da natureza real, instintiva, que ainda existe dentro de todo homem e, por conseqüência, permeia a sociedade
Nietzsche, em Genealogia da Moral afirma que:
Exigir da força que não se expresse como força, que não seja um querer dominar, um querer-vencer, um querer-subjugar, uma sede de inimigos, resistências e triunfos, é tão absurdo quanto exigir da fraqueza que se expresse como força (NIETZSCHE, 1999, p. 36).
Jacob Gorender, ao analisar O Capital, de Karl Marx conclui que:
Acumulação capitalista significação do capital, o que, por sua vez, significa incremento do capital adiantado mediante produção de mais valia. Sob a compulsão da concorrência, que elimina as empresas estacionárias, os capitalistas, na condição de personificação do capital, anseiam por quantidades cada vez maiores de mais-valia[5] (MARX, 1996, p. 40).
A realidade brasileira, e de outros países cujo regime social seja o capitalismo, há de ser compreendida de forma simples, direta e cruel, pois assim o é este regime.
O que determina a existência do regime capitalista é o lucro. E para atingir a maior quantidade possível desse, os detentores do capital se utilizam, apenas, da matemática e suas ações são sempre objetivadas no lucro.
O conceito de lucro permeia a sociedade.
Mesmo aqueles que não objetivam o lucro em suas vidas, invariavelmente são obrigados a conviver com ele, a menos que sejam auto-suficientes e vivam sós, caso contrário comprarão, ou venderão, para alguém que visa o lucro.
O Judiciário, deixando de observar o conceito do lucro, acaba não refletindo os anseios da sociedade em suas decisões, distanciando-se da mesma.
Como aplicar a Justiça de forma adversa à condição de existência do agente? Seria o mesmo que tentar aplicar, em um país Cristão, as regras legais de um país Muçulmano.
Em termos práticos, a Justiça jamais cumprirá seu papel se não atingir a sociedade na mesma forma e medida de sua existência.
Uma vez que, no Brasil, vive uma sociedade capitalista, a Justiça só se cumpre, em sua razão de existir, uma vez aplicada neste mesmo formato, observando o tema proposto, através do aumento nos valores indenizatórios.
Uma vez existindo a regra que dispõe sobre a relação diretamente proporcional do capital versus poder social, esta regra deve ser obedecida e, caso o agente envolvido se faz valer do seu capital para causar dano social, nada mais justo, para a coletividade, que este agente seja eliminado.
Dentro da ótica capitalista, não existe razão para que esta eliminação seja de outra forma a não ser privando esse agente do seu capital.
Do ponto de vista individual, dentro do regime capitalista, é natural evitar um motorista que, bêbado ou não, tenha dado causa a acidentes variados possa, novamente, causar o mesmo dano; para isso, basta que a indenização por estas mortes o atinja de tal forma que ele não consiga, ao menos por algum tempo, possuir um automóvel.
Se uma indenização for de tal forma alta que leve uma empresa a encerrar suas operações, em nada causará dano social uma vez que seus concorrentes diretos, com certeza, absorverão seu espólio.
Exemplificando o conceito, observemos o mercado de telefonia móvel, onde temos empresas de atuação nacional, CLARO, TIM, OI, VIVO e regional como CTBC e SERCOMTEL.
Todas trabalham, arduamente, para aumentar sua base de clientes. Fazem isso através de promoções, valores e condições diferenciadas entre si, objetivando atingir as necessidades individuais para que ocorra a migração de clientes.
Especialistas já exemplificam que, atualmente, o ideal é possuir dois aparelhos de celular para que, assim, seja possível atingir o maior número possível de promoções das operadoras, diminuindo o gasto individual.
É possível calcular, então, que se uma das empresas existentes sair do mercado por algum motivo, Judicial por exemplo, dano algum traria à sociedade, uma vez que as remanescentes estão aptas a absorver os clientes que ficarem sem fornecedor, assim como funcionários e fornecedores.
Acontecendo fato semelhante, também abriria a oportunidade para novas empresas ingressarem no mercado local como a Verizon e a Sprint, estadunidenses.
Atualmente o mercado é extremamente dinâmico e uma empresa que se retire é apenas uma oportunidade a mais para que outras três se apresentem, oxigenando a concorrência, trazendo novidades aos consumidores que só teriam a ganhar.
Ao Estado, a responsabilização direta de seus administradores, atingindo seus patrimônios pessoais, será de tal forma benéfica à sociedade que experimentaremos um novo modelo de gestão pública antes nunca visto.
Ricardo Borges Ranzolin explica, em sua Introdução ao Estudo da Função Social do Contrato:
Douglas North – prêmio Nobel de economia de 1993 – nos dá elementos para crer que os fatores culturais negativos podem ser superados de forma relativamente rápida, através de instituições virtuosas. Mas, o contrário também é verdadeiro; ou seja, a adoção de instituições menos virtuosas, ainda que em culturas que já experimentaram considerável grau de desenvolvimento, pode determinar redução dos padrões de vida.
Temos dois exemplos impactantes que reforçam a tese de North, ocorridos após a 2ª guerra mundial. É o caso das duas Alemanhas. Mesmo com culturas idênticas, a adoção de instituições distintas elevou a renda per capita da Alemanha Ocidental em várias vezes a renda per capita da Alemanha Oriental. Não só a renda per capita, mas outros indicadores de qualidade de vida separaram abissalmente as performances dos aludidos países, em menos de uma geração. O mesmo ocorreu com as Coréias do Sul e do Norte. Assim, sem prejuízo de outras iniciativas, o aperfeiçoamento institucional, entre os quais se sobressai o direito, pode influir decisivamente sobre a cultura (RANZOLIN, s/d, p. 8).
Neste ponto é possível perceber, através de simples comparação, que nos EUA, por exemplo, sendo o processo indenizatório encarado pela sociedade como uma forma de controle social e, por isso, determinante, seus valores para punir o agente agressor em face de que no Brasil, sendo o entendimento majoritário de que as indenizações assumem o caráter reparador fez com apenas se perpetuassem os agentes agressores que, confiantes no sistema de reparação somado à incapacidade de agir do Judiciário, apenas continue a agredir, sem medo ou pudor, a sociedade.
O Estado precisa regulamentar o mercado, isso é fato, porém o mercado não aceita mais uma intervenção direta, então o Estado só pode fazer isso por via Judiciária.
O presente trabalho objetivou explicar como seria benéfico o resultado que uma mudança de paradigma sobre o valor das indenizações, majorando-as, poderia trazer à sociedade brasileira.
Uma vez que o entendimento majoritário dos operadores do Direito, no Brasil, é doutrinário e jurisprudencial, subsidiou-se o presente trabalho de argumentos históricos, filosóficos, sociológicos, econômicos e jurídicos para sustentar a base do raciocínio sobre os benefícios na majoração no valor das indenizações.
É possível entender que a função social seja a justificativa do Estado para que determinados atos sejam executados objetivando o bem comum de toda a coletividade.
Hoje, o Executivo já se preocupa com atos específicos que possam atingir o maior número possível de pessoas de forma benéfica e as que, eventualmente, forem atingidas de forma maligna sejam em menor número possível.
Já o Legislativo, sendo de sua natureza primária, com base na Constituição, esforça-se a cada dia para que as leis alcancem, ao máximo possível, sua função social.
O Judiciário, buscando, talvez, se proteger, como instituição, de um aumento, inicialmente exponencial, pela tutela judiciária, age com certa timidez no momento de cumprir sua função social.
Em uma sociedade pulsante, como a moderna, é justamente do sistema Judiciário o ônus de regular as relações sociais.
Independente das ações, válidas ou não, que o Executivo e o Legislativo implementem para cumprir sua função social, é o Judiciário o efetivo guardião da justiça; é quem analisa o caso concreto e faz cumprir a lei de forma a proteger a sociedade como um todo.
Não deveria apenas proteger a relação individual levada a termo com a busca pela tutela Judiciária.
É princípio da função do Judiciário, ser a primeira voz da sociedade uma vez que um processo judicial deveria ser uma resposta muito mais rápida do que o processo Legislativo ou Executivo.
Uma vez que vivemos em uma sociedade eminentemente, e declaradamente, capitalista, onde a maioria busca, de alguma forma, a estabilidade financeira em primeiro plano e, posteriormente, a riqueza específica, não existe meio mais eficiente de regular as relações sociais que o sistema Judiciário.
Um ato do Executivo pode ser indefinidamente descumprido, assim como uma lei, mas uma decisão judicial exerce uma força de coação infinitamente maior justamente por ser individual e específica.
E por esta individualidade e especificidade que o Judiciário deveria ser a verdadeira voz do povo.
Nesta situação, abrimos um questionamento se não deveriam, também, os magistrados e membros do ministério público serem eleitos pelo voto direto, pois, assim, representariam melhor os anseios da população.
Historicamente, o processo indenizatório foi instituído para que uma determinada situação pudesse retornar à situação anterior e, como demonstrado, como forma de coação.
O princípio básico da função social, dentro do sistema Judiciário, seria evitar que um mesmo dano fosse, repetidamente, infligido a muitos.
Ocorre que esta tentativa, hoje, chega a ser pífia uma vez que os valores determinados pela justiça não conseguem atingir o objetivo social proposto uma vez que são baixos e, em uma sociedade capitalista, o agente que causou o dano simplesmente calcula a potencial extensão de outras ações do gênero e, por fim, na maioria das vezes, continua com o mesmo modus operandi pois o resultado aritmético não é suficiente para a coação.
Mesmo que existam leis específicas para coibir a atuação deste tipo de agente, no fim, é o Judiciário quem aplica estas leis, e como a preocupação atual é com o possível ganho pecuniário da vítima e não com a conduta perniciosa de quem causou o dano, os valores indenizatórios chegam a ser ínfimos em função da capacidade financeira do agente causador do dano.
O presente trabalho não propõe apenas um mimetismo do Direito Comparado e sim uma nova fronteira para o nosso país, dentro da nossa realidade e especificidade de forma.
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[1] Neste caso a história nos mostra que revoltas são inevitáveis e o povo, invariavelmente, vai sobrepujar o monarca absoluto. A Inglaterra, por exemplo, para evitar a queda da monarquia, determinou a criação da Câmara dos Comuns, eleita pelo voto direto representando quem não era Nobre ou Clérigo.
[2] Do ponto de vista judaico, a tradição passada ao largo de milhares de anos ensina que o texto foi entregue por Deus a Moisés no Monte Sinai durante a revelação ao povo hebreu, dias após a saída do Egito, o Êxodo. Esta visão é conhecida como Criticismo Inferior.
[3] Dos Delitos
[4] O homem é o lobo do homem.
[5] Mais-valia é o nome dado por Karl Marx à diferença entre o valor produzido pelo trabalho e o salário pago ao trabalhador, que seria a base do lucro no sistema capitalista
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