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LEI GERAL DAS TELECOMUNICAÇÕES: Aparente divergência entre os arts. 86 e 207, § 3º


Autoria:

Amaury Cunha Carvalho


Administrador, Bacharel em Direito, aluno da Pós-Graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie em "Direito Digital e das Telecomunicações".

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Resumo:

Este artigo desenvolve crítica e analisa, parcialmente, a aparente divergência entre o artigo 86 e o artigo 207, § 3º, da Lei Geral das Telecomunicações (LGT), trazendo breve histórico da evolução da regulamentação das telecomunicações.

Texto enviado ao JurisWay em 19/06/2009.



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LEI GERAL DAS TELECOMUNICAÇÕES

Aparente divergência entre os arts. 86 e 207, § 3º

 

Amaury Cunha Carvalho

Administrador, Bacharel em Direito, aluno da Pós-Graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie em “Direito Digital e das Telecomunicações”.

accarvalho777@gmail.com

 

 

 

Resumo:

Este artigo desenvolve crítica e analisa, parcialmente, a aparente divergência entre o artigo 86 e o artigo 207, § 3º, da Lei Geral das Telecomunicações (LGT), trazendo breve histórico da evolução da regulamentação das telecomunicações, identificando o serviço exclusivo (de Telecomunicações), o de Valor Adicionado e visualizando a divergência sob a ótica da técnica de elaboração das leis, ponto de vista jurídico e econômico, concluindo existir a divergência e registrando uma forma – dentre outras possíveis – para a resolução da situação de fato, acarretada pela utilização da divergência de forma paternalista pelo órgão regulador.

 

 

Palavras chaves:

Lei Geral das Telecomunicações, Concessão, Autorização, Telefonia, Internet.

 

 

Introdução

 

            Certamente a maior parte da população brasileira, de alguma forma, faz uso dos serviços de comunicações. Desde o mais ativo usuário, aquele que além de linha telefônica fixa faz uso de celulares, internet em casa, no trabalho e também no celular, até aquele nos rincões menos desenvolvidos que, para se comunicar com os familiares distantes, faz uso de posto telefônico distante duas horas de caminhada da sua tapera.

 

            O que poucos sabem é que usuários tão distintos estão interligados, através de redes, sistemas e do pagamento pelos serviços que utilizam, sendo beneficiados e pagando a conta para uma grande Concessionária dos serviços de telecomunicações, devidamente credenciada e beneficiada com a concessão/autorização dos serviços, mas, em contrapartida, com metas estabelecidas para cumprir, sob a fiscalização da ANATEL.

 

            Essas Comunicações, ou Telecomunicações, seguem regulamentação especial que, no Estado Brasileiro seguiu uma evolução conforme o desenvolvimento das tecnologias. A regulamentação para os serviços de Telecomunicações foi pontuada por momentos marcantemente históricos e deu-se da seguinte forma:

        1962 – Através da Lei 4.117 e pelo art. 67 do Decreto nº 52.026, foi atribuída a EMBRATEL a tarefa de explorar industrialmente os troncos que formam o Sistema Nacional de Transporte de Telecomunicações pública (RTT).

        1972 – Apesar de ter sido transformada em empresa de economia mista e subsidiária da Telebrás, a EMBRATEL continuou na condição de operadora exclusiva da RTT, sendo que, com a Portaria 301/75 do Minicom, as redes do serviço de comunicação de dados também foram integradas à RTT pública e, com isso, passou a transportar – dentre outros – os sinais das redes Transdata (1979), RENPAC (1986) e Internet (1995).

        1974 – A Telebrás torna-se concessionária geral dos serviços de Telecom.

        1995 – A Emenda Constitucional nº 8, de 15 agosto, extinguiu o monopólio estatal nas telecomunicações  e abriu o setor para a participação de capitais privados (nacionais e estrangeiros)

        1996 – Lei Mínima.

        1997 – A RTT apresenta um patrimônio público avaliado em muitos milhões de reais (forma de bens reversíveis à União). Em 16 de julho o Congresso aprovou a Lei Geral de Telecomunicações (LGT), que possibilitou a privatização das empresas do Sistema Telebrás e criou a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), órgão regulador do setor.

        1998 – Privatização do Sistema.

 

            O Brasil, como os países desenvolvidos e aqueles em desenvolvimento, não poderia deixar de regulamentar tais serviços, por serem de necessidade e utilidade pública e, portanto, sujeitos a situações previstas em lei, como UNIVERSALIZAÇÃO e CONTINUIDADE, assim, em 16 de julho de 1997 foi publicada a Lei nº 9.472, a LEI GERAL DE TELECOMUNICAÇÕES, conhecida como LGT, que dispõe sobre a “organização dos serviços de telecomunicações, a criação e funcionamento de um órgão regulador e outros aspectos institucionais, nos termos da Emenda Constitucional nº 8, de 1995”.

 

 

O Serviço de Telecomunicações e o Serviço de Valor Adicionado:

           

            O art. 60 da LGT define Serviço de Telecomunicações como o conjunto de atividades que possibilita a oferta de capacidade de transmissão, emissão ou recepção, por fio, radioeletricidade, meios ópticos ou qualquer outro processo eletromagnético, de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza. O Serviço de Telecomunicação, segundo o art. 86 da LGT, é concedido mediante CONCESSÃO a empresas criadas para explorar EXCLUSIVAMENTE os serviços de telecomunicações (objeto da concessão).

 

            Temos, na LGT, a seguinte definição para Serviços de Valor Adicionado:

Art. 61. Serviço de valor adicionado é a atividade que acrescenta, a um serviço de telecomunicações que lhe dá suporte e com o qual não se confunde, novas utilidades relacionadas ao acesso, armazenamento, apresentação, movimentação ou recuperação de informações.

 

Por sua vez, o provimento de Serviço de Conexão à Internet (SCI), que é um SERVIÇO DE VALOR ADICIONADO (SVA), independente dos meios e tecnologias utilizados (sejam acesso discado, ADSL, radiofreqüência, cabo, etc.), DEVERÁ estar associado a um Serviço de Telecomunicações devidamente regulamentado pela ANATEL[1]. Assim, para prover tais meios de acesso à internet, a empresa deverá obter a AUTORIZAÇÃO para explorar os Serviços de Comunicação Multimídia (SCM), que possibilita a oferta de tráfego de informações multimídia a assinantes dentro de uma área de prestação de serviço.

 

            Assim, ao se contratar um serviço de acesso à internet, há necessidade de contratar (além do provedor de SCI) um prestador de serviços de telecomunicações que lhe dê suporte. Segundo a ANATEL, no seu Portal, temos que:

O usuário do serviço de telecomunicações tem a opção de contratar o provedor de serviço de conexão à internet da própria prestadora ou outro que seja por ela habilitado.

 

Empresas que oferecem serviço de banda larga somente podem fazê-lo mediante autorização expedida pela ANATEL para explorar serviço de telecomunicações que irá suportar a conexão, tal como o Serviço de Comunicação Multimídia.

 

A LGT estabelece que Serviço de Valor Adicionado (SVA) “não se confunde com Serviço de Telecomunicações”, visto que são serviços distintos, tanto no custo quanto na natureza tributária. Ilustra-se tal conceito ao se observar que enquanto sobre os Serviços de Telecomunicações incide o ICMS, sobre o Serviço de Valor Adicionado não incide ICMS, sendo pacificado tal entendimento através da Súmula 334[2] do STJ:

O ICMS não incide no serviço dos provedores de acesso à Internet.

 

            Fato este descrito, mais abrangente, no Recurso Especial Nº 628.046-MG, cuja Ementa define:

TRIBUTÁRIO. ICMS. PROVEDORES DE INTERNET. CONEXÃO POR MEIO DE SISTEMA DE TELECOMUNICAÇÃO PREEXISTENTE. SERVIÇO DE VALOR ADICIONADO. ART. 61, § 1º DA LEI N.º 9.472/97. NÃO INCIDÊNCIA.

1. Não incide o ICMS sobre o serviço prestado pelos provedores de acesso à internet . A atividade por eles desenvolvida consubstancia mero serviço de valor adicionado, uma vez que se utiliza da rede de telecomunicações, por meio de linha telefônica, para viabilizar o acesso do usuário final à internet . Precedentes das Turmas de Direito Público e da Primeira Seção.

2. Recurso especial provido.

 

            Nisto, “Serviço de Telecomunicações versus Serviço de Valor Adicionado”, se resume e se confunde a questão, posto que se entende, a priori, que a distinção entre os serviços exigiria empresas distintas para a contraprestação dos serviços, o que não ocorre de fato.

 

 

A LGT e as Concessões:

 

            Ocorre que a LGT, criada para a regulamentação do setor, considerando o seu art. 86, proíbe que concessionárias de serviços públicos de Telecom explorem qualquer outra modalidade de serviço, senão aquela que foi objeto da concessão, no caso concreto apenas às operações da RTT. Atualmente o único serviço de telecomunicações prestado em regime público é o Serviço de  Telefonia Fixa Comutada (STFC), surgindo, assim, a necessidade de criação de concessionárias específicas para a exploração dos serviços de comunicação de dados.

 

Porém, utilizando-se da abertura concedida pelo art. 207, § 3º, da mesma lei, o que ocorreu foi emissão de diversas autorizações para que as concessionárias do serviço STFC prestassem, também, outros serviços como o Serviço de Comunicação Multimídia (SCM), gerando aparente divergência entre os citados artigos.

 

 

 

Os ARTIGOS 86 e 207º:

ARTIGO 86

ARTIGO 207

 

LIVRO III - A Organização dos Serviços de Telecomunicações

TÍTULO I - Disposições Gerais

Capítulo I - Das Definições

 

 

Disposições Finais e Transitórias

 

 

A concessão somente poderá ser outorgada a empresa constituída segundo as leis brasileiras, com sede e administração no País, criada para explorar exclusivamente os serviços de telecomunicações objeto da concessão.

 

Parágrafo único. A participação, na licitação para outorga, de quem não atenda ao disposto neste artigo, será condicionada ao compromisso de, antes da celebração do contrato, adaptar-se ou constituir empresa com as características adequadas.

 

No prazo máximo de sessenta dias a contar da publicação desta Lei, as atuais prestadoras do serviço telefônico fixo comutado destinado ao uso do público em geral, inclusive as referidas no art. 187 desta Lei, bem como do serviço dos troncos e suas conexões internacionais, deverão pleitear a celebração de contrato de concessão, que será efetivada em até vinte e quatro meses a contar da publicação desta Lei.

§ 3° Em relação aos demais serviços prestados pelas entidades a que se refere o caput, serão expedidas as respectivas autorizações ou, se for o caso, concessões, observado o disposto neste artigo, no que couber, e no art. 208 desta Lei.

 

 

Análise quanto a TÉCNICA DE ELABORAÇÃO DA LEI:

 

            A primeira coisa a se observar está relacionada a própria elaboração da LGT e a sua construção sob o prisma da LEI COMPLEMENTAR Nº 95, DE 26 DE FEVEREIRO DE 1998, que dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis, conforme determina o parágrafo único do art. 59 da Constituição Federal, e estabelece normas para a consolidação dos atos normativos que menciona.

 

            Temos, no art. 3º da Lei Complementar nº 95 que:

        A lei será estruturada em três partes básicas:

        I - parte preliminar, compreendendo a epígrafe, a ementa, o preâmbulo, o enunciado do objeto e a indicação do âmbito de aplicação das disposições normativas;

        II - parte normativa, compreendendo o texto das normas de conteúdo substantivo relacionadas com a matéria regulada;

        III - parte final, compreendendo as disposições pertinentes às medidas necessárias à implementação das normas de conteúdo substantivo, às disposições transitórias, se for o caso, a cláusula de vigência e a cláusula de revogação, quando couber.

 

            Ora, o texto é claro e não deixa dúvidas quanto a uma “hierarquia” do art. 86 (“disposições gerais”) da LGT sobre o art. 207 (“disposições finais”) da mesma lei, visto que o primeiro encontra-se na PARTE NORMATIVA, com NORMAS DE CONTEÚDO SUBSTANTIVO e relacionadas com A MATÉRIA REGULADA. O art. 207, por sua vez, deveria estar associado – exclusivamente – às MEDIDAS NECESSÁRIAS À IMPLEMENTAÇÃO DAS NORMAS DE CONTEÚDO SUBSTANTIVO, ou seja, a do art. 86, por exemplo.

 

            Temos, ainda, na Lei Complementar nº 95:

        Art. 11. As disposições normativas serão redigidas com clareza, precisão e ordem lógica, observadas, para esse propósito, as seguintes normas:

        III - para a obtenção de ordem lógica:

        b) restringir o conteúdo de cada artigo da lei a um único assunto ou princípio;

 

            O que se observa, porém, é que a norma do art. 207, especificamente  do seu § 3º, foi utilizada de forma desassociada de todo o contexto, como conteúdo substantivo, “per si”, e não como deveria ser: Medida de implementação das normas.

 

            O art. 207, § 3º, assim, foi utilizado – erroneamente – como norma para a AUTORIZAÇÃO de serviços (no caso SCM) para CONCESSIONÁRIAS que se enquadram especifica e exclusivamente no art. 86: Empresas constituídas segundo as leis brasileiras e CRIADAS PARA EXPLORAR EXCLUSIVAMENTE os serviços de telecomunicações objeto da concessão.

 

 

Análise quanto ao PONTO DE VISTA JURÍDICO:

 

A análise e leitura do art. 86 e de seu parágrafo único, da LGT, não deixa dúvidas de que o preceito de exigência de exploração exclusiva dos serviços de telecomunicações objeto da concessão seria aplicável às concessões do setor. Este artigo, por si, constitui-se como “bloqueio” para a Agência outorgar – como CONCESSÃO ou AUTORIZAÇÃO – qualquer outro tipo de serviço àquelas Concessionárias existentes ou criadas para explorar o objeto da concessão primeira (serviço de telecomunicações – regime público).

 

            Porém, sob outro ponto de vista, a prestação do Serviço de Comunicação Multimídia (SCM), pelas concessionárias de STFC, ESTÁ AMPARADA pela Lei Geral das Telecomunicações (LGT), posto que, no seu art. 207, § 3º, estabelece que “em relação aos demais serviços prestados [...] serão expedidas as respectivas autorizações”. Ocorre que, na forma aprovada da Lei, concretamente, foram expedidas AUTORIZAÇÕES para a exploração do SRTT e, posteriormente, tal serviço foi sucedido pelo SCM, em conjunto com outros serviços.

 

Segundo a Análise nº 368/2008[3], de 07/10/2008, da ANATEL, constituindo proposta de revisão do Plano Geral de Outorgas (PGO), temos que:

Os contratos de concessão também deixaram claro que a Concessionária poderia explorar exclusivamente o STFC, excetuados os serviços dispostos nos termos do § 3º, do artigo 207, da LGT, como pode ser observado na Cláusula 18.1.

 

Assim, nos termos dos próprios Contratos de Concessão, da ANATEL, legalmente as Concessionárias obtiveram o direito à exploração do SCM, sob regime de “autorização”.          

 

Além da própria questão contratual, também se defende a tese que, tendo recebido autorização e prestado tais serviços a partir do investimento necessário para tal, as Concessionárias teriam obtido DIREITO ADQUIRIDO, como assinala o Conselheiro Diretor da ANATEL, Pedro Ziller de Araújo, na citada análise[4], que:

Poder-se-ia argumentar que a determinação da separação

empresarial às atuais Concessionárias caracteriza-se como uma ofensa ao direito adquirido, cuja proteção é de alçada constitucional (CF, art. 5.º, XXXVI).

 

Porém, temos na própria LGT o esclarecimento e a negativa para tal “direito adquirido”, como assinalado no seu art. 130, caput:

A prestadora de serviço em regime privado não terá direito adquirido à permanência das condições vigentes quando da expedição da autorização ou do início das atividades, devendo observar os novos condicionamentos impostos por lei e pela regulamentação.

 

            Há de ser considerado para o entendimento do momento da outorga de tais autorizações, ainda, o assinalado no Plano Geral de Outorgas (PGO), no seu art. 10, § 2º, onde defere as Concessionárias a

Prestação de serviços de telecomunicações em geral, objeto de novas autorizações por titular da concessão, desde que cumpridas as metas de universalização.         

 

Temos, portanto:

 

DE DIREITO: O artigo 86 deveria excluir as concessionárias dos benefícios da aplicação do artigo 207, § 3º, posto que o primeiro seja a regra, enquanto que o segundo regularia exceções.         

 

DE FATO: O artigo 207, § 3º, FOI utilizado para outorgar as autorizações a empresas que não poderiam obtê-las, constituindo-se – por não terem sido contestadas – regulamentação e entendimento de iniciativa da ANATEL, tácita, até que nova regulamentação ou jurisprudência discipline mais claramente a matéria.

 

 

Análise quanto ao PONTO DE VISTA ECONÔMICO:

 

            As Concessionárias dos Serviços de Telecomunicações, no Brasil, prestados em regime público, estão sujeitas ao cumprimento de METAS, estabelecidas pela ANATEL, compostas pelo Plano Geral de Metas de Universalização (PGMU). Ocorre que terminado o prazo para o cumprimento de tal meta, apresentados os resultados e cumprida a meta, existia capacidade ociosa estimada em mais de 10 milhões de terminais, acarretando prejuízo às próprias concessionárias.

 

             A capacidade de tráfego excedente, então, foi destinada e disponibilizada (desagregação de redes/unbundling) para a exploração de serviços de comunicação de dados (serviço do regime privado) nas redes de telefonia pública, cujos custos estão, de certa forma, subsidiados nas tarifas públicas de telefonia, constituindo-se “subsidio cruzado”, terminantemente proibido pelo art. 103, da LGT:

Compete à Agência estabelecer a estrutura tarifária para cada modalidade de serviço.

        § 1° A fixação, o reajuste e a revisão das tarifas poderão basear-se em valor que corresponda à média ponderada dos valores dos itens tarifários.

        § 2° São vedados os subsídios entre modalidades de serviços e segmentos de usuários, ressalvado o disposto no parágrafo único do art. 81 desta Lei.

        § 3° As tarifas serão fixadas no contrato de concessão, consoante edital ou proposta apresentada na licitação.

        § 4° Em caso de outorga sem licitação, as tarifas serão fixadas pela Agência e constarão do contrato de concessão.

 

            O subsidio cruzado, em tese, possibilitaria o lançamento dos custos de implantação e operação destes serviços de comunicação de dados no valor da assinatura mensal da telefonia fixa (serviço público) e dissiparia o lucro gerado pelo serviço de comunicação de dados (serviço privado) no resultado da Concessionária, impossibilitando o beneficiamento do usuário dos serviços de telefonia, na forma prevista no art. 198 da LGT:

Os mecanismos para reajuste e revisão das tarifas serão previstos nos contratos de concessão, observando-se, no que couber, a legislação específica.

        § 2° Serão compartilhados com os usuários, nos termos regulados pela Agência, os ganhos econômicos decorrentes da modernização, expansão ou racionalização dos serviços, bem como de novas receitas alternativas.

 

            Face a tal possibilidade, misturando-se a CONCESSÃO (SRTT) com a AUTORIZAÇÃO (SCM), não seria fácil obter a separação dos dados/valores para as verificações, haja vista que – ainda hoje – as Concessionárias protelam em informar o exato valor consumido por ligação telefônica ou custos outros decorrentes da telefonia fixa ou transmissão de dados.

 

Assim sendo, o recomendável para o melhor cumprimento do art. 207, § 3º, seria a CRIAÇÃO de novas empresas para as quais seriam expedidas as autorizações de exploração dos demais serviços de telecomunicação, sob fiscalização específica e legislação tributária própria.

 

            Teríamos, assim, duas empresas (distintas, de um mesmo grupo econômico, ou não): Uma empresa com CONCESSÃO STFC (voz) e outra empresa com AUTORIZAÇÃO SRTT (dados) para prestação de alguns serviços adicionais de telecomunicações, cada um destes de acordo com a legislação específica da área, cujas empresas prestam serviços completamente independentes entre si.

 

 

Considerações Finais

 

            O Serviço de Comunicação Multimídia (SCM) é um serviço fixo de telecomunicações, de INTERESSE COLETIVO, PRESTADO EM ÂMBITO NACIONAL no regime PRIVADO. O Serviço Telefônico Fixo Comutado (STFC), por sua vez, é de INTERESSE COLETIVO, PRESTADO EM ÂMBITO NACIONAL no regime PÚBLICO. Deve ser observado que, exceto pelo tipo de regime (privado x público) os dois serviços enquadram-se em categoria de importância e interesse coletivo.

 

            Temos, assim, que o SCM, ainda que considerado de “valor adicionado”, reveste-se de importância tão grande quanto o STFC, mas, ainda assim, não recebe a fiscalização e nem são cobrados resultados a serem apresentados como a este. O Regime Público – prestado mediante CONCESSÃO ou PERMISSÃO – atribui à sua prestadora OBRIGAÇÕES DE UNIVERSALIZAÇÃO e de CONTINUIDADE, ao tempo que existe o controle das tarifas. Quanto ao Regime Privado – prestado mediante AUTORIZAÇÃO (exceção ao Serviço Móvel Celular) – está sujeito a regras mais flexíveis e com menor interferência da União na sua regulação, não havendo tarifas, mas prática de preços, embora possa ser de interesse restrito ou coletivo.

 

Com a exposição de tais distinções, chegamos ao entendimento que a “má interpretação” e “má aplicação” do art. 207, § 3º, da LGT não se deu apenas ao se confrontar com o art. 86 da mesma Lei, mas, também, pela falta de maior e melhor regulação e fiscalização dos SVA, principalmente junto aquelas empresas que já dispunham de concessão para STFC, chegando-se a imaginar a possibilidade de utilização de “VENDA CASADA” no exercício das concessões.

 

Registre-se, ainda, que nem tarifas e nem preços – hoje – beneficiam o usuário final dos serviços, sendo algo para se questionar se a política adotada pela ANATEL nas outorgas foi eficaz, afinal, oficializou-se aparente “monopólio regional privado” (última milha) cujos ganhos são, sempre, pró-concessionárias. O art. 86 da LGT ao coibir, de forma clara, a verticalização da prestadora cuida do interesse público, coletivo, impedindo que possa se constituir exploração econômica indiscriminada e, também, deixar espaços para outros segmentos empresariais.

 

Pelo exposto, de forma a descaracterizar o conflito entre os artigos, deveria ser estudada a possibilidade de retorno ao status quo da intenção da LGT, planejando um projeto de separação estrutural. Além disso, temos o fato que a separação estrutural, em países da Europa[5], está em pleno desenvolvimento e com bons resultados já coletados, seja pelo grande número de linhas desagregadas, quanto pela impressionante redução tarifária, em decorrência de efetivo processo competitivo, algo ainda não testemunhado em solo pátrio. A experiência internacional demonstra que a separação funcional e contábil, combinada com outros mecanismos pró-competição, são instrumentos adotados no sentido de garantir a transparência requerida para a operação eficiente do setor.

 

Finalmente, de forma a registrar a divergência entre os artigos, resta transcrever a conclusão do Conselheiro Diretor da ANATEL, Pedro Ziller de Araújo, na Proposta de Revisão do Plano Geral de Outorgas (07/10/2008):

Em conseqüência, torna-se fundamental a separação das empresas prestadoras destes serviços de forma a garantir a soberania da União sobre os bens reversíveis. Só assim estará garantido o patrimônio público e daí a continuidade do STFC prestado em regime público. Resta assim demonstrado ser juridicamente viável a imposição pelo Poder Executivo de que a prestação do STFC em regime público se dê por empresa distinta daquela que presta o serviço SCM.

 

 

 

Referências

 

ANATEL, Análise nº 368/2008, de 07/10/2008, pg. 43. Em: http://www.anatel.gov.br/Portal/documentos/sala_imprensa/21-10-2008--9h6min56s-An%C3%A1lisePGO-PJ.pdf

 

ANATEL. MODELO DE CONTRATO DE CONCESSÃO DO SERVIÇO TELEFÔNICO FIXO COMUTADO LOCAL

 

ANATEL. Relatório Anual 2005

 

ANATEL. Resultado da Consulta Pública nº 372.

 

ANEXO À RESOLUÇÃO N.º 272, DE 9 DE AGOSTO DE 2001;  REGULAMENTO DO SERVIÇO DE COMUNICAÇÃO MULTIMÍDIA

 

ARANHA, Márcio Iorio (Organizador); Coletânea de Normas e Julgados de Telecomunicações e Glossário Brasileiro de Direito das Telecomunicações [Atualização] / Márcio Iorio Aranha - São Paulo: Quartier Latin, 2007. (Coleção Brasileira de Direito Regulatório das Telecomunicações, v.1) ISBN: 85-7674-177-6

 

BRASIL. Constituição Federal.

 

Centro de Gestão e Estudos Estratégicos, Ciência, Tecnologia e Inovação; Possibilidade de Implementação da Separação Empresarial na Prestação do Serviço Telefônico Fixo Comutado (STFC), em Regime Público, e do Serviço de Comunicação Multimídia (SCM) - Art. 9º Proposta para Revisão do Plano Geral de Outorgas (PGO) - Nota Técnica

LEI COMPLEMENTAR Nº 95, DE 26 DE FEVEREIRO DE 1998

LEI Nº 9.472, DE 16 DE JULHO DE 1997.

Ouvidoria da ANATEL. Relatório Analítico; dezembro de 2007.

 

PASTE - PERSPECTIVAS PARA AMPLIAÇÃO E MODERNIZAÇÃO DO SETOR DE TELECOMUNICAÇÕES, ref. Ano 2000.

 

RAMOS, Murilo César. Artigo: Sobre a Anatel e sua autonomia. Em: http://www.direitoacomunicacao.org.br/novo/index.php?option=com_docman&task=doc_download&gid=430

 

STJ. RECURSO ESPECIAL Nº 628.046 – MG. Em: http://www.gds.nmi.unb.br:8080/xtf/data/pdf/TextoIntegral/JUR/stj/resp_628046.pdf

 



[1] Em: www.anatel.gov.br/portal/exibirPortalInternet.do

[2] STJ Súmula nº 334 - 13/12/2006 - DJ 14.02.2007; ICMS - Incidência - Provedores de Acesso à Internet; Em:  http://www.stj.jus.br/webstj/Processo/Jurisp/Download/verbetes.txt

[3] Em: http://www.anatel.gov.br/Portal/documentos/sala_imprensa/21-10-2008--9h6min56s-An%C3%A1lisePGO-PJ.pdf

[4] IBID

[5] Itália, Inglaterra, França e Alemanha; citado em ANATEL, Análise 368/2008-GCPJ

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Comentários e Opiniões

1) Natália Batista (09/11/2009 às 16:51:08) IP: 189.15.94.43
Parabéns Amaury! Texto muito bom!


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