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Resumo:
O presente artigo discorrerá sobre o conceito de vítima, termo este que pode ser definido sob um contexto histórico, geral ou sob contextos específicos. A seguir, será tratada suas várias classificações de acordo com os estudiosos da Vitimologia
Texto enviado ao JurisWay em 15/06/2009.
Última edição/atualização em 20/06/2009.
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Conceito
A palavra vítima, de um modo generalizado, segundo Bittencourt, “serve hoje para designar a pessoa que sucumbe, ou que sofre as conseqüências de um ato, de um fato ou de um acidente.” [1]
Porém, ao ser conceituada de forma mais específica, a vítima será definida sob vários sentidos. Seu sentido originário ou histórico é o que denomina a pessoa ou animal que são oferecidos à divindade, ato este que era considerado comum nos primórdios da humanidade, quando se tinha uma idéia da existência de deuses tiranos e que para acalmá-los, ofereciam-lhes as vítimas. O sentido geral se relaciona ao ser humano que sofre as conseqüências de seus próprios atos, dos praticados por terceiros
ou ocorridos por força do acaso. O sentido jurídico-geral designa o indivíduo que é prejudicado de forma direta em decorrência da ofensa ou ameaça ao bem tutelado pelo Direito. Já no sentido jurídico-penal-restrito trata-se da pessoa que diretamente é vítima da violação da norma penal. Por último, existe o sentido jurídico-penal-amplo que inclui tanto a pessoa como a comunidade que sofreram de forma direta as conseqüências do delito.[2]
Classificação das vítimas
Através do estudo detalhado das várias classificações das vítimas, poderá haver a obtenção de várias contribuições em relação à investigação do crime, à aferição da culpa e a dosimetria da pena.
Especialistas do mundo todo contribuíram de forma importante ao formularem as múltiplas classificações de vítimas. Desse modo, serão relacionadas abaixo, algumas dessas várias classificações que muito podem contribuir para a diminuição da criminalidade, pois com um minucioso análise dessas diferentes classificações, haverá, com certeza, grandes avanços na prevenção de crimes e na conseqüente diminuição da violência..
De acordo com Benjamin Mendelsohn as vítimas podem ser classificadas da seguinte maneira:
1. Vítima completamente inocente ou vítima ideal. Trata-se da vítima completamente estranha à ação do criminoso, não provocando nem colaborando de alguma forma para a realização do delito. Exemplo: uma senhora que tem sua bolsa arrancada pelo bandido na rua.
2. Vítima de culpabilidade menor ou por ignorância. Ocorre quando há um impulso não voluntário ao delito, mas de certa forma existe um grau de culpa que leva essa pessoa à vitimização. Exemplo: um casal de namorados que mantém relação sexual na varanda do vizinho e lá são atacados por ele, por não aceitar esta falta de pudor.
3. Vítima voluntária ou tão culpada quanto o infrator. Ambos podem ser o criminoso ou a vítima. Exemplo: Roleta Russa (um só projétil no tambor do revólver e os contendores giram o tambor até um se matar).
4. Vítima mais culpada que o infrator. Enquadram-se nessa hipótese as vítimas provocadoras, que incitam o autor do crime; as vítimas por imprudência, que ocasionam o acidente por não se controlarem, ainda que haja uma parcela de culpa do autor.
5. Vítima unicamente culpada. Dentro dessa modalidade, as vítimas são classificadas em: a) Vítima infratora, ou seja, a pessoa comete um delito e no fim se torna vítima, como ocorre no caso do homicídio por legítima defesa; b) Vítima Simuladora, que através de uma premeditação irresponsável induz um indivíduo a ser acusado de um delito, gerando, dessa forma, um erro judiciário; c) Vítima imaginária, que trata-se de uma pessoa portadora de um grave transtorno mental que, em decorrência de tal distúrbio leva o judiciário à erro, podendo se passar por vítima de um crime, acusando uma pessoa de ser o autor, sendo que tal delito nunca existiu, ou seja, esse fato não passa de uma imaginação da vítima.[3]
Edmundo de Oliveira ao estudar os diversos tipos de vítimas chega à seguinte classificação:
1. Vítima programadora. Trata-se da vítima que planeja a situação da qual nascerá um ato criminoso, exercendo nessa situação um evidente papel de autor, agindo diversas vezes de forma extraordinariamente complexa para que haja a ocorrência do delito programado por si mesma. Neste caso, a vítima serve de munição para que se configure com culpabilidade, dolosa ou culposa, a ação do indivíduo que será acusado como autor do delito.
2. Vítima precipitadora. Enquadra-se nessa qualificação a vítima que, de algum modo, contribui de forma dolosa ou culposa para que haja a ação ou omissão do autor no procedimento de execução ou consumação do delito. Neste caso a vítima despertará o apetite do delinqüente, ou seja, ela se torna a isca do autor do delito.
3. Vítima de caso fortuito. Denomina-se vítima de caso fortuito a pessoa que vem a ser atingida por um fenômeno da natureza ou por uma fatalidade do acaso. Esses casos se caracterizam pela ocorrência de fatos que fogem do alcance da cautela do indivíduo e das possibilidades de prever tais acontecimentos. Um exemplo típico de vítima de caso fortuito é o do indivíduo que ao caminhar por uma avenida é atingido por um raio e acaba falecendo.
4. Vítima por força maior. Será considerada vítima por força maior o indivíduo que não tendo condições de opor resistência, acaba realizando atos que não são da sua vontade, às vezes até atos contrários ao senso moral. Tal coação vem privar a pessoa de sua liberdade física ou psíquica, deixando de agir com sua livre e própria vontade. Um caso de vítima por força maior pode ser exemplificado no caso do sonambulismo[4].
Hans Von Henting conclui a classificação das vítimas da seguinte forma:
1. Vítima isolada. A vítima neste caso vive na solidão, não se relacionando com outras pessoas. Em decorrência desse meio de vida ela se coloca em situações de risco.
2. Vítima por proximidade. Este grupo de vítimas subdivide-se em: a) Vítima por proximidade espacial, que se torna vítima pelo fato de estar em proximidade excessiva do autor do delito em um determinado local, como ocorre nos casos de furto no interior de um ônibus; b) Vítima por proximidade familiar, a qual ocorre no núcleo familiar, como pode ser visto no caso do parricídio, em que o filho mata seu próprio genitor; c) Vítima por proximidade profissional, que geralmente ocorre no caso de atividades profissionais que requerem um estreitamento maior no relacionamento profissional, como no caso do Médico.
3. Vítima com ânimo de lucro. São taxadas dessa forma as vítimas que pela cobiça, pelo anseio de se enriquecer de maneira rápida ou fácil, acaba sendo ludibriada pelos estelionatários ou vigaristas.
4. Vítima com ânsia de viver. Ocorre com o indivíduo que, com o fundamento de não ter aproveitado sua vida até o presente momento de uma forma mais eficaz, passa a experimentar situações de aventuras até então não vividas que o colocam em situações de risco ou perigo.
5. Vítima agressiva. Neste caso a vítima se torna agressiva em decorrência da agressão que sofre do autor da violência, pois chega um momento que por não suportar mais a agressão sofrida, ela irá rebater tal ato de modo hostil.
6. Vítima sem valor. Trata-se da vítima que em decorrência de seus atos não recomendáveis praticados perante a sociedade, acaba sendo indesejada ou repudiada no meio social em que vive. Por praticar certos atos não aceitos pela sociedade, este indivíduo vem a sofrer agressões físicas, verbais, ou até mesmo podendo ser morto. Um exemplo clássico desse tipo de vítima é o caso do estuprador ou assassino que é morto pela sociedade, pela polícia, ou por sua própria vítima.
7. Vítima pelo estado emocional. Essas vítimas são qualificadas desta forma em decorrência de seus sentimentos de obcecação, medo, ódio ou vingança que vem a sentir por outras pessoas.
8. Vítima por mudança da fase de existência. O indivíduo passa por várias fases em sua vida, sendo que ao mudar para certa fase de sua existência, poderá se tornar vítima em conseqüência de alguma mudança comportamental relacionada com alguma das fases.
9. Vítima perversa. Enquadram-se nesta modalidade de vítimas os psicopatas, pessoas que não possuem limite algum de respeito em relação às outras, tratando-as de um modo como se fossem objetos que podem ser manipulados.
10. Vítima alcoólatra. O uso de bebidas alcoólicas é um dos fatores que mais levam as pessoas a se tornarem vítimas, sendo que na maioria dos casos acabam resultando em homicídios.
11. Vítima Depressiva. Ao atingir um determinado nível, a depressão poderá ocasionar a vitimização do indivíduo, pois poderá levar a pessoa à sua autodestruição.
12. Vítima voluntária. São as pessoas que por não oporem resistência à violência sofrida, acabam permitindo que o autor do delito o realize sem qualquer tipo de obstáculo. Casos que exemplificam esse tipo de vítima são os crimes sexuais ocorridos sem a utilização de violência.
13. Vítima indefesa. Denominam-se vítimas indefesas as que, sob o pretexto de que a persecução judicial lhes causaria maiores danos do que o próprio sofrimento resultante da ação criminosa, acabam deixando de processar o autor do delito. São vistos tais comportamentos geralmente nos roubos ocorridos nas ruas, nos crimes sexuais e nas chantagens.
14. Vítima falsa. São taxadas de falsas vítimas as pessoas que, por sua livre e espontânea vontade se autovitimam para que possam se valer de benefícios.
15. Vítima imune. São consideradas dessa forma as pessoas que, em decorrência de seu cargo, função, ou algum tipo de prestígio na sociedade em que vive acham que não estão sujeitas a qualquer tipo de ação delituosa que possa transformá-las
16. Vítima reincidente. Neste caso a pessoa já foi vítima de um determinado delito, mas mesmo após ter passado por tal episódio, não passa a tomar qualquer tipo de precaução para que não volte a ser vitimizada.
17. Vítima que se converte
18. Vítima propensa. Ocorre com as pessoas que possuem uma tendência natural de se tornarem vítimas. Isso pode decorrer da personalidade deprimida, desenfreada, libertina ou aflita da pessoa, sendo que esses tipos de personalidade podem de algum modo contribuir com o criminoso.
19. Vítima resistente. Por não aceitar ser agredida pelo autor, a vítima reage e passa a agredi-lo da mesma forma, sempre em sua defesa ou em defesa de outrem, ou também no caso de cumprimento do dever. Neste caso há sempre a disposição da vítima em lutar com o autor.
20. Vítima da natureza. São pessoas que se tornam vítimas em decorrência de fenômenos da natureza, como no caso de uma enchente, um terremoto etc[5].
Guaracy Moreira Filho, através do exercício da sua profissão de Delegado de Polícia chegou à conclusão de que as vítimas devem ser classificadas do seguinte modo:
1. Vítimas inocentes. São as pessoas que não contribuem de nenhuma forma para a ocorrência do delito, ou seja, não há nenhuma participação da vítima na consumação da ação criminosa.
2. Vítimas natas. Tratam-se das vítimas que contribuem de alguma forma para a eclosão de um crime, seja por seu comportamento agressivo ou por sua personalidade insuportável.
3. Vítimas omissas. Neste grupo encontram-se as pessoas que não vivem em integração com o meio social, pois não participam da sociedade, nem sequer para reclamar de uma violência ou arbitrariedade sofridas.
4. Vítimas inconformadas ou atuantes. Ao contrário do que ocorre com as vítimas omissas, que não buscam relatar às autoridades competentes seus direitos violados, estas cumprem de forma ativa seus papéis de cidadãos, pois sempre que são violadas em seus direitos, buscam a efetiva reparação judicial.[6]
Por fim, o jurista argentino Walter Raul Sempertegui da uma sugestão de classificação das vítimas de estelionato na seguinte ordem:
1. Vítimas incapazes. Neste grupo encontram-se as pessoas definidas pela lei como incapazes, ou seja, os menores, que são aqueles que não tenham atingido ainda a maioridade legal, os alienados mentais, que são os indivíduos que são portadores de alguma enfermidade que dificultem seu entendimento ou vontade e os débeis mentais, que são os retardados, oligofrênicos e os imbecis.
2. Vítimas culpáveis. No entendimento do citado jurista a humanidade inteira pode estar enquadrada neste grupo, pois relata que a vítima de alguma forma sempre será culpável, em maior ou menor nível, por ser imprudente, negligente, vaidosa ou por haver ostentação por sua parte.
3. Vítimas delinqüentes. Tratam-se das pessoas que não realizam uma função meramente passiva, mas suas atitudes exigem uma capacidade menor de enganar.[7]
Portanto, se torna incontestável que em inúmeras ocasiões, se não houvesse a efetiva participação da vítima de alguma forma, não ocorreria o delito, pois como fora demonstrado acima, através das várias classificações das vítimas, elas contribuem em vários casos para que se verifique a eclosão de um crime.
Em vista disso, não há mais a admissibilidade de haver um pensamento adstrito à única e exclusiva culpa do delinqüente na ocorrência da ação criminosa, pois não se pode afirmar que em todos os casos a vítima é totalmente inocente, haja vista que em inúmeras ocasiões ela contribui de maneira eficaz para a consumação do ato ao ultrapassar seu limite de sujeito passivo da relação, atraindo de alguma maneira o agressor para que ocorra a sua própria vitimização.
[2] BITTENCOURT, op. cit., p. 79.
[3] OLIVEIRA,op. cit., p. 194-195.
[4] OLIVEIRA, op. cit., p. 207-209.
[5] OLIVEIRA, op. cit., p. 195-198.
[6] MOREIRA FILHO, op. cit., p. 163-169.
[7] BITTENCOURT, op. cit., p. 221.
[1] BITTENCOURT, op. cit., p. 79.
Comentários e Opiniões
1) Udson Dias (18/06/2009 às 13:50:28) Uma visão diferenciada e bastante critica sobre a vitimologia, parabéns ao autor Dr. Jesus Nagib Beschizza, e que continue a nos previligiar com seu textos sempre muito construtivos. | |
2) Talita (30/09/2009 às 18:44:41) Excelente discussão. | |
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