Resumo:
O presente artigo trata sobre a Lei de Protecao a Vítimas, Testemunhas e Réus Colaboradores - Lei 9807/1999 e suas peculiaridades.
Texto enviado ao JurisWay em 10/11/2014.
Última edição/atualização em 12/11/2014.
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LEI DE PROTEÇÃO A VÍTIMAS, TESTEMUNHAS E RÉUS COLABORADORES
LEI Nº. 9807/1999
(“VICTIMS, WITNESSES AND COLLABORATORS DEFENDANTS PROTECTION ACT”)
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO. 2. HISTÓRICO E EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL.3. TESTEMUNHA. 4. VÍTIMA. 5. LEGISLAÇÃO ESPECIAL 6. DELAÇÃO PREMIADA 7. ATUAÇÃO MINISTERIAL 8. CRÍTICAS 9. CONCLUSÃO.
RESUMO
O presente estudo tem por objetivo abordar os institutos, conceitos, funcionamento e peculiaridades da Lei de Proteção a Vítimas, Testemunhas e Réus Colaboradores – Lei 9807/99. Tal legislação pretende proporcionar a estes sujeitos uma tutela diferenciada, protegendo-os das ameaças que possam ocorrer pelo fato destes colaborarem em ações penais e inquéritos policiais, contribuindo no combate ao crime. A lei tem o objetivo de, além de proteger as vítimas, testemunhas e réus colaboradores, incentivar a denúncia de crimes, culminando no objetivo final de combater a criminalidade e reduzir os índices de violência no país.
Palavras chave: Proteção, Vítimas, Testemunhas, Réus, Lei 9807/1999.
ABSTRACT
The main objective of this article is asses the institutes of thevictims, witnesses and collaborators defendants protection act. This legislation intends to provide a differentiated protection to these subjects, protecting them of many threats that may occur because of their collaboration on process or police investigation. Moreover, the law has aimed to stimulate the fight against organized crime, creating a fair and pacific society. .
Keywords: Protection, Victims, Witnesses, Defendants, Act 9807/1999.
1. INTRODUÇÃO
O tema acerca dos direitos de proteção às vítimas, testemunhas e réus colabores em inquéritos e ações penais merece a análise aprofundada a ser realizada por este trabalho de pesquisa, pois o assunto é importante no certame atual, tempos em que os sujeitos protegidos pela Lei nº. 9.807/99 – Lei de Proteção a Vítimas, Testemunhas e Réus Colaboradores - são peça chave para a solução de crimes e desmantelamento de quadrilhas, e, portanto, merecem a total tutela e proteção estatal.
Além do estudo dos conceitos, institutos e funções da referida Lei, também será realizada a análise crítica a respeito de sua aplicabilidade. Conforme será exposto no trabalho, verificar-se-á que, apesar de a legislação ser vigente desde o final do século passado, ainda não temos a plena consagração desta, seja pela falta de investimentos públicos, pelo desinteresse político existente acerca da questão, ou até mesmo por ignorância da Legislação.
A promulgação da Lei de Proteção a Vítimas, Testemunhas e Réus Colaboradores foi uma resposta do Estado Brasileiro ao crime, especialmente organizado, o qual através de seu poder e influência coage e ameaça testemunhas, vítimas e réus que possam cooperar com a investigação criminal.
Antes da promulgação desta Lei existiam alguns diplomas legais que tratam sobre o instituto da delação premiada, porém a efetiva proteção a estes sujeitos extremamente hipossuficientes na relação processual só tomou forma mais concreta com o advento do diploma legal a ser tratado. Devido à falta de proteção, diversos crimes deixavam de ser solucionados por insuficiência de provas, contribuindo para o aumento da sensação de impunidade e a desconfiança da população perante o Estado.
A Lei 9807/99 criou um sistema nacional de proteção, o qual integra os Estados, Municípios, Ministério Público, Judiciário e ainda a comunidade, que participa em ações voluntárias. Tal rede de proteção tem braços por todo o país, podendo o individuo protegido em um estado da federação ser enviado a qualquer outra localidade.
A cooperação entre todos os entes envolvidos nesta rede de proteção visa somente um objetivo: a criação de um país mais seguro através da justiça, proporcionando a redução dos índices de criminalidade e impunidade, cada vez mais alarmantes em nosso território.
2. HISTÓRICO E EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL
O objetivo é analisar os conceitos e institutos da Lei de Proteção de Vítimas e Testemunhas – Lei 9807/99, a qual inaugurou no Brasil o rol de proteção e zelo às vitimas, testemunhas e também aos réus colaboradores, ameaçados por cooperar em ações ou inquéritos penais. Mas para que tal pretensão protetora seja contextualizada, é necessária a recomposição de fatos anteriores, os quais inspiraram a legislação brasileira.
Como era de se esperar, a dificuldade de encontrar réus ou testemunhas dispostas a colaborar com a elucidação de crimes era imensa, visto que estes sujeitos, capazes de cooperar, eram coagidos de inúmeras formas, muitas vezes sofrendo diversos tipos de violência, tanto física como psicológica. Portanto, por não existir qualquer tipo de proteção por parte do Estado, depoimentos extremamente importantes deixavam de ser prestados, pelo medo de represálias por parte dos denunciados.
A tutela prestada pelo Estado começou a se tornar efetiva com a criação de mecanismos que garantiam a integridade e segurança dos depoentes. A primeira dessas formas de proteção consistia na delação premiada, instituto no qual o réu que prestasse informações relevantes sobre o crime e suas peculiaridades, como por exemplo, o funcionamento interno de uma organização criminosa, teria sua pena reduzida ou até mesmo seria perdoado judicialmente, com consequente extinção da punibilidade.
Um dos primeiros países a ter em seu corpo legislativo uma proteção às testemunhas foram os Estados Unidos da América. Alguns países europeus, como por exemplo, a Itália, o Reino Unido e a França tiveram experiências no instituto da delação premiada, principalmente no combate ao terrorismo político e às máfias. Todos estes países inspiraram o legislador brasileiro na elaboração da Lei de Proteção a Vítimas, Testemunhas e Réus Colaboradores.
3. TESTEMUNHA
3.1 CONCEITO
Para que seja possível a total ambientação no tema, é trazido o conceito de testemunha, definido através das palavras de Bentham, o qual afirma:
As testemunhas são os olhos e os ouvidos da justiça. Desde que os homens existem e desde que têm a pretensão de fazer justiça hão valido das testemunhas como o mais fácil e comum meio de prova; sua importância no campo criminal é considerável; frequentemente é a única base da acusações. (ARANHA, 1999)
No trecho acima nota-se a importância da prova testemunhal para o processo penal, sendo a mais comum das provas. Em sentido estrito, testemunha consiste na pessoa que comparece judicialmente para prestar declarações sobre um fato.
Apesar de ser corriqueira, a prova testemunhal é a mais falha das provas, pois quando a testemunha presta seu depoimento, quatro fatores a influenciam, tanto positiva quanto negativamente. São eles: o modo como viu o fato que deverá narrar; sua opinião pessoal sobre o fato e os envolvidos; a maneira pela qual é feita a pergunta; e estado emocional quando prestará seu depoimento.(ARANHA, 1999)
Chiovenda conceitua a testemunha mais restritamente, levando em conta o aspecto jurídico desta: “A testemunha é uma pessoa, diversa dos sujeitos processuais, chamada a expor ao juiz as próprias observações sobre ocorridos que interessam à causa”.
Portanto, depreende-se que a testemunha tem de ser pessoa humana, visto que através dos sentidos reproduz narrativamente fato que presenciou. A pessoa jurídica presta provas documentais, pois não é capaz de narrar acontecimentos. Além de ser sujeito humano, a testemunha tem de ser alheia ao processo, não tendo qualquer relação com a causa ou com as partes, não mantendo qualquer tipo de amizade ou parentesco que a tornem impedida ou suspeita de depor. A testemunha também não pode emitir qualquer opinião pessoal sobre o fato narrado, somente deve contar o que presenciou e como se desenrolou o acontecimento. Por fim, deve se restringir ao evento sobre o qual foi inquirida, não devendo se referir a fatos não relacionados com o litígio.
São quatro deveres impostos ao sujeito que irá testemunhar: de comparecer, de identificar-se, de prestar seu depoimento, e de dizer a verdade.
O dever de comparecimento é a primeira obrigação imposta à testemunha, devendo esta estar presente na data, hora e local determinados. Caso esta não respeite tal dever legal poderá sofrer as sanções previstas no artigo 218 do Código de Processo Penal.
Quanto ao segundo dever, a testemunha deverá, no inicio de seu depoimento, identificar-se, indicando seu nome, idade, estado civil, residência, profissão e se há relação de parentesco com as partes processuais ou não.
O dever de prestar o depoimento consiste na obrigação da testemunha em colaborar com a elucidação dos fatos, sendo que, conforme o artigo 342 do Código Penal, o silencio pode consistir em falso testemunho.
Finalmente, a testemunha tem o dever de dizer a verdade, sendo que falsas declarações poderão incidir em falso testemunho.
3.2. CLASSIFICAÇÃO DA PROVA TESTEMUNHAL
Sobre a classificação, a prova testemunhal pode ser diferenciada em: modo, conteúdo e objeto.
Quanto ao modo, esta pode ser instrumental ou judicial: A testemunha chamada ao processo para esclarecer fatos é a judicial, já aquela que apenas participa de certo ato processual, visando dar-lhe veracidade, é a instrumental.
Sobre o conteúdo, o testemunho pode ser direto ou indireto. A testemunha direta presta seu depoimento sobre fato que presenciou, já a indireta se pronuncia sobre fato que soube de terceiros.
Por fim, com relação ao objeto temos a testemunha própria e a impropria. A primeira versará sobre o fato considerado como criminoso ou seu autor, enquanto a segunda dirá sobre um ato cuja regularidade é o objetivo da atestação.
No aspecto penal, a prova testemunhal tem como características: a oralidade, a objetividade, a retrospectividade, a imediação e a individualidade.
Como se sabe, a oralidade é principio do próprio processo penal, portanto, nada mais justo que a prova testemunhal seja colhida oralmente, na presença do magistrado, sendo somente transcrita fielmente aos autos. A oralidade do procedimento permite aos envolvidos no processo obter um grau maior de informação, pois as expressões da testemunhas enriquecem o depoimento.
A objetividade consiste no dever da testemunha de prestar seu depoimento apenas sobre fatos que presenciou, não podendo emitir qualquer opinião pessoal ou juízo de valor (art. 213 CPP) sobre as partes ou acontecimentos.
A retrospectividade incide sobre o fato de a testemunha falar sobre acontecimento ocorrido no pretérito, fato que esta presenciou.
Já a imediação consiste no fato de que a testemunha deve dizer aquilo que captou através dos sentidos.
Por fim, a individualidade prega que cada testemunha preste seu depoimento individualmente.
A vítima pode ser conceituada, juridicamente, como o sujeito que sofre as consequências da violação da norma penal. Porém, a Declaração Universal dos Direitos da Vítima ainda inclui nesse rol os familiares, as pessoas que têm relação direta com a vítima ou aquelas que vêm sofrendo ameaças por serem testemunhas de um crime.
O Direito Penal e as instituições públicas, entre elas o Judiciário, sempre focaram suas atenções na figura do réu, deixando a vítima em segundo plano. Mas, com o passar dos tempos, a vítima vem tendo sua importância reconhecida, visto que também é parte processual e merece proteção, tanto quanto o réu ou acusado.
Versa Antônio Fernandes Scarrrance (1995) sobre a proteção à vítima:
Importa salientar como o réu não pode ser considerado objeto do processo e sim um sujeito dotado de direitos, também a vítima deve ser vista no processo não apenas abstratamente como sujeito passivo do delito, mas alguém concretamente dotado de direito.
A lei de Proteção a Vítimas e Testemunhas tem grande papel nesse estágio de valorização da vítima, reconhecendo sua importância diante do processo e a necessidade de protegê-la, visto esta ser o elo mais fraco cadeia processual.
Sobre os direitos fundamentais da vítima, a Declaração dos Princípios Básicos de Justiça para as Vítimas de Delitos e Abuso de Poder, expõe:
• O direito a ser tratado com respeito e reconhecimento;
• O direito a uma assistência apropriada durante todo o processo judicial;
• O direito de receber informações acerca do andamento do processo;
• O direito à proteção de sua segurança física e sua privacidade, garantindo sua segurança bem como a de suas famílias e das testemunhas;
• O direito de ser ouvida em seus pontos de vista e de que as preocupações das vítimas sejam apresentadas e consideradas nos estágios apropriados dos processos em que seus interesses pessoais forem afetados, sem preconceito em relação ao acusado e dentro do sistema nacional de justiça criminal pertinente;
• O direito aos serviços de apoio apropriados;
• O direito a receber indenizações procedentes, tanto do delinquente como do Estado.
Conforme elencado acima, a vítima tem diversas prerrogativas para que sua segurança e integridade sejam preservadas, tanto durante o processo quanto após o termino deste.
De acordo com Benjamim Mendelsonh (BITTENCOURT, 1998), o fundador da vitimologia, existem diversas espécies de vítimas, quais sejam:
1. Vítima inocente ou ideal: é aquela que não teve nenhuma participação na produção do fato delituoso;
2. Vítima provocadora, imprudente, voluntária e ignorante: é aquela que tem como característica a flagrante participação dos perseguidos pelo autor;
3. Vítima agressora, simuladora e imaginária: considerada suposta vítima; considerada co-autora do fato lesivo ou do resultado perseguido pelo autor.
Em outras palavras, a vítima inocente ou ideal, consiste naquela que não causou qualquer ímpeto no autor do delito para que o crime ocorresse. Como por exemplo, uma senhora que caminha tranquilamente pela rua e tem sua bolsa arrancada por um bandido.
Já a vítima provocadora tem participação no delito cometido, seja porque deixou de usar de prudência ou até mesmo provocou a reação do autor. Um exemplo de vítima imprudente é aquela que deixa seu veículo totalmente aberto e com chave no contato.
Por fim, a vítima agressora chega até mesmo a ser confundida com o autor do crime, tendo em vista seu alto grau de participação para que ocorresse o delito. A vítima é considerada simuladora ou imaginária, atraindo para si toda culpa do ato ilícito cometido.
Portanto, depreende-se que entre os vários tipos de vítimas, existem desde aquela que não contribuiu para o cometimento do crime, até aquela que teve grande participação no ocorrido, sendo inclusive responsável pelo ilícito.
A lei 9807/99 – Lei de Proteção a Vítimas e Testemunhas e Réus Colaboradores - é composta por um total de vinte e um artigos, divididos em dois capítulos e disposições gerais. Do artigo primeiro ao décimo segundo, são tratados os institutos protetivos referentes às vitimas e testemunhas ameaçadas. A proteção aos réus colaboradores se encontra a partir do artigo décimo terceiro, através da denominada delação premiada. Com base nesta lei, foi instituído o Sistema de Proteção a Vitimas e Testemunhas, o qual tem a gerência da GAVTA – Gerência de Assistência a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas, cujo principal objetivo é implementar a criação de programas de proteção em âmbito estadual, através de convênio com a Secretaria de Direitos Humanos e do Ministério da Justiça.
A lei é complementada pelo Decreto nº. 3.518/2000, o qual versa sobre a execução do sistema protetivo voltado para os depoentes, e sobre quais são os papéis e responsabilidades de cada órgão envolvido.
O primeiro estado da federação a instituir o programa de proteção foi Pernambuco, através do sistema PROVITA, o qual visa à reinserção social do protegido em outras comunidades. Sobre o projeto pernambucano, versa Antônio Milton de Barros (2006):
[...] programa de proteção a vítimas e testemunhas baseado na ideia de reinserção social de pessoas em situação em novos espaços comunitários, de forma sigilosa e contando com a efetiva participação da sociedade civil na construção de uma rede solidária de proteção.
Após Pernambuco, diversos outros Estados da Federação aderiram ao programa, formando o Sistema Nacional de Assistência a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas, composto pelo Programa Federal de Assistência a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas, regulamentado pelo Decreto no. 3518/2000 e gerenciado pela Secretaria de Estado dos Direitos Humanos, e pelos programas estaduais de proteção. Em 2005, todos os Estados já mantinham algum tipo de convênio com o governo federal.
O conjunto de artigos deste diploma legal pretende garantir que testemunhas, vítimas e até mesmo os réus colaboradores possam efetivamente prestar seus depoimentos de forma imparcial, verdadeira, isenta e honesta, sem que haja qualquer tipo de ameaça, violência ou coação por parte do investigado no inquérito policial ou acusado na ação penal. Neste momento é constatada a participação Estatal, seja ela judicial ou administrativa, sendo possível até mesmo a participação social, visto o possível envolvimento da comunidade nos programas de proteção. Essa cooperação mútua entre os entes é observada no art. 1o, paragrafo 1o. da Lei 9807/1999 (BRASIL, 1999):
§ 1o A União, os Estados e o Distrito Federal poderão celebrar convênios, acordos, ajustes ou termos de parceria entre si ou com entidades não governamentais objetivando a realização dos programas.
O intuito dessa colaboração é assegurar que, com a participação de todos os entes, o dever do Estado de prestar garantias constitucionais à população, como a segurança, a dignidade da pessoa humana e a justiça, seja concreto e pleno. Para a construção de um país justo e seguro é necessário que os depoentes sejam protegidos, pois estes são peças chave para a solução de crimes, cometidos muitas vezes por organizações criminosas e causadores de grande comoção social. Portanto, o combate à insegurança e impunidade certamente está intimamente ligado à proteção conferida por esta lei, visto seu objetivo de proteger aqueles que colaboram com as prisões de criminosos.
Conforme considera a Lei 9807/99, o sistema de protecional é composto por diversas estruturas, quais sejam: Conselho Deliberativo, Órgão Executor, Equipe Técnica e Rede Solidária de Proteção.
O Conselho Deliberativo é composto pela Secretaria de Justiça, Secretaria de Segurança Pública, Secretaria de Trabalho e Ação Social, Poder Judiciário, Ministério Público Federal e Estadual e Defensoria Pública, os quais são responsáveis pela direção do programa de proteção. Este conselho que determina admissões ou exclusões de indivíduos do programa, além de diversas outras decisões de gerência.
O Órgão executor é um dos integrantes do Conselho Deliberativo, o qual se torna responsável, no caso concreto, pela contratação e atuação da Equipe Técnica. A Equipe Técnica é composta por profissionais devidamente capacitados, como por exemplo, advogados, policiais, agentes, assistentes sociais e psicólogos, os quais são responsáveis de prestar a proteção necessária ao depoente, além de oferecer apoio psicológico, financeiro, de alimentação, transporte, entre muitos outros. Sobre a atuação da Equipe Técnica, Antônio Milton de Barros (2006) afirma:
À Equipe Técnica, formada por profissionais especialmente contratados e capacitados para a função, cabe à efetivação da assistência social, jurídica e psicológica, necessária tanto para a análise da necessidade da proteção e da adequação dos casos ao Programa, quanto para o constante acompanhamento dos beneficiários.
Finalmente, a Rede Solidária de Proteção consiste na reunião de associações e entidades civis, diversas Organizações Não Governamentais, as quais tem por objetivo proporcionar aos protegidos, voluntariamente, moradia, apoio psicológico, social e oportunidades de reinserção social em outra localidade, como por exemplo, a criação de oportunidade de emprego ao tutelado, a inserção dos filhos deste em alguma escola local, ou até mesmo a inclusão de sua família em um novo círculo social.
Sobre a importância da participação da rede solidaria no programa de proteção, ensina o professor Paulo Martini (2000):
É inegável que seu vero propósito foi impedir que a lei também não se torne letra morta pela escassez de recursos. Com a participação conjunta do Estado e dos entes privados, os recursos não ficarão apenas e tão-somente na dependência e limitados aos ditames das dotações orçamentárias.
Portanto, em uma análise ampla e conjunta dos órgãos participantes do Sistema de Proteção, temos: o Conselho Deliberativo considera sobre a necessidade, ou não, da inclusão de certo indivíduo na rede de proteção, sempre com a participação do Ministério Publico, do Judiciário e da Equipe Técnica. Após, caso entenda que haja a necessidade de proteção, o Conselho Deliberativo nomeia e instituí o Órgão Executor, o qual, em parceria com a Equipe Técnica e a Rede Solidaria de Proteção, realiza as providencias necessárias para a acomodação, amparo e proteção ao sujeito.
As medidas protetoras podem consistir, entre diversas outras, em escoltas ou equipes de proteção, rondas, patrulhas, vigilância domiciliar, realocação temporal fora da zona de perigo, ou internação em local seguro.
Caso seja a vítima ou testemunha que requeiram a proteção, e esta seja indeferida pelos órgãos responsáveis, é possível a impetração de mandado de segurança. Assim entende o juiz Alexandre Miguel (2000):
As medidas de proteção, conforme disciplina a Lei, serão concedidas por uma das pessoas jurídicas de direito público (União, Estado ou Distrito Federal), no âmbito de suas competências. São atos administrativos em geral, portanto, passíveis de revisão ou correição judicial. E, na espécie, a revisão se dará não só em sua forma, como em seu conteúdo. Significa dizer que a via judicial pode rever e valorar os motivos que ensejaram o indeferimento da proteção. O sistema não pretende o primado da vontado particular sobre o todo, mas apenas a vontade geral em relação ao interesse comum ou público. Editada a Lei que cria políticas de direitos humanos, com medidas protetivas às vitimas e testemunhas, seria desarrazoado que essas pessoas, tendo o direito público subjetivo à proteção, não pudessem valer-se da tutela.
O efetivo ato de proteção pode ser realizado através da escolta policial, mudança de endereço, ou até mesmo a mudança do registro civil do ameaçado, por exemplo. Existem inúmeros métodos e técnicas de garantir a integridade da testemunha, todas elas visando sempre o bem maior, a vida.
O Programa protege ainda, além de testemunhas e vítimas, também seus familiares ou conviventes habituais, concedendo apoio psicológico e financeiro a todos esses. No que diz respeito ao conceito de familiares e conviventes, Luiz Carlos Agudo (2013) ensina:
É aquele que reside sob o mesmo teto, mesmo local, ou que possuam uma convivência diária, corriqueira, frequente. Cremos que o termo deve ser entendido de forma ampla, pois, caso contrário, de nada valeria, haja visto que perderia sua finalidade, que é a proteção aos familiares ameaçados.
Como se percebe, não são apenas os familiares da vítima que são abarcados pela proteção legal, mas também os conviventes habituais, pois estes certamente também podem ser alvos de algum tipo de represália ou ameaça.
Para que o sujeito que irá testemunhar seja aprovado no programa de proteção a vitimas e testemunhas, é necessário que alguns requisitos sejam preenchidos, quais sejam:
Para fazer jus à proteção prestada pelo programa é necessário que o indivíduo esteja efetivamente ameaçado por risco atual, pelo motivo de ter se prestado a colaborar em investigação criminal, conforme versa o Art. 1o da lei 9807/99. Obviamente não há a necessidade do individuo já ter sofrido a coação, basta à existência de indícios que algo possa ser tentado contra ele.
A situação de risco em que o sujeito colaborador está exposto, seja ele vitima ou testemunha, deve decorrer do fato deste ter prestado, ou prestará depoimento em investigação criminal. Portanto, quaisquer outros motivos que causem alguma ameaça ao individuo não serão amparados pela lei em questão, devendo ser protegidos por outra legislação pertinente ao caso.
Para que ocorra a admissão do individuo no programa de proteção, é necessário que o comportamento e a conduta pessoal e social do agente sejam compatíveis com as limitações e restrições impostas pelo planejamento, de acordo com o art. 2o, §2 da Lei de Proteção a Vítimas e Testemunhas (BRASIL, 1999):
Art. 2o § 2o: Estão excluídos da proteção os indivíduos cuja personalidade ou conduta seja incompatível com as restrições de comportamento exigidas pelo programa, os condenados que estejam cumprindo pena e os indiciados ou acusados sob prisão cautelar em qualquer de suas modalidades. Tal exclusão não trará prejuízo a eventual prestação de medidas de preservação da integridade física desses indivíduos por parte dos órgãos de segurança pública.
Caso o sujeito protegido não respeite as restrições impostas pelo programa, é possível que ocorra a expulsão deste, visto que comportamentos inadequados do tutelado colocam em risco os agentes, as equipes técnicas, além de toda a rede protetora. A possibilidade de desligamento do programa encontra respaldo no art. 10, II, “b” da lei 9807/99.
Sobre as restrições impostas ao protegido, as quais ele tem de fatalmente aceitar e respeitar, sob pena de exclusão do programa de proteção, versa Paulo Martini (2000):
Ficar sob a proteção do Estado demanda determinada restrição de comportamento e inexorável limitação do direito de ir, vir e permanecer, além de drástica e incômoda quebra da rotina de vida do protegido. Se este não se porta de acordo com a forma regrada para o sistema, que tem como intento fundamental preservar sua vida, não poderá ser por ele abrangido, uma vez que gerará despesas para o Estado sem que ocorra, em contrapartida, a efetiva proteção do envolvido.
De acordo com o art. 2º, § 2º da Lei 9807/99, estão excluídas da rede de proteção as pessoas que não estiverem em pleno gozo de sua liberdade, ou seja, aquele que estiver preso, sob a guarda do Estado, não terá direito a participar do programa de proteção. Quanto à exclusão de condenados criminalmente, colaciona-se a crítica do delegado de polícia Luís Carlos Agudo (2013):
Andou mal o legislador excluindo os condenados que estejam cumprindo pena. Óbvio que dentre esses condenados muitos podem ter informações importantíssimas sobre fatos em investigação e em muito contribuiriam para a elucidação e prisão de envolvidos. Além do mais, um programa sério de proteção não pode simplesmente excluir pessoas somente por estarem condenadas.
Porém o fato de o sujeito encontrar-se preso obviamente não impede que ele seja protegido de outras formas, dentro do sistema carcerário.
5.2.5. CONCORDÂNCIA DO PROTEGIDO COM AS REGRAS DO PROGRAMA
Para garantir a participação, o sujeito tem de assinar termos de compromisso, atestando estar totalmente de acordo com as regras e limitações impostas pela rede protecional. A pessoa protegida sempre tem de demonstrar ciência e concordância com os termos, sendo a participação totalmente facultativa. É necessária a total colaboração do tutelado, pois a efetividade da proteção depende tanto do Estado, o protetor, quanto do protegido, a testemunha.
As medidas de proteção ao tutelado são elencadas no art. 7º. da Lei 9807/99, conforme segue:
Art. 7º.: Os programas compreendem, dentre outras, as seguintes medidas, aplicáveis isolada ou cumulativamente em benefício da pessoa protegida, segundo a gravidade e as circunstâncias de cada caso:
I - segurança na residência, incluindo o controle de telecomunicações;
II - escolta e segurança nos deslocamentos da residência, inclusive para fins de trabalho ou para a prestação de depoimentos;
III - transferência de residência ou acomodação provisória em local compatível com a proteção;
IV - preservação da identidade, imagem e dados pessoais;
V - ajuda financeira mensal para prover as despesas necessárias à subsistência individual ou familiar, no caso de a pessoa protegida estar impossibilitada de desenvolver trabalho regular ou de inexistência de qualquer fonte de renda;
VI - suspensão temporária das atividades funcionais, sem prejuízo dos respectivos vencimentos ou vantagens, quando servidor público ou militar;
VII - apoio e assistência social, médica e psicológica;
VIII - sigilo em relação aos atos praticados em virtude da proteção concedida;
IX - apoio do órgão executor do programa para o cumprimento de obrigações civis e administrativas que exijam o comparecimento pessoal.
Parágrafo único. A ajuda financeira mensal terá um teto fixado pelo conselho deliberativo no início de cada exercício financeiro.
No art. 9º. encontra-se uma medida extremamente radical: a mudança de nome do protegido. Tal alteração é feita por ação judicial, devendo a sentença proferida pelo magistrado ser averbada perante o Registro Civil. Caso cesse a ameaça, é facultado ao indivíduo a possibilidade de voltar a usar seu nome anterior.
De acordo com art. 10 da Lei 9807/99, a proteção ao amparado perdurará por dois anos, mas pode ser prorrogada em casos excepcionais, caso seja comprovada que a ameaça ainda existe. Porém o programa de proteção pode ser interrompido a qualquer tempo, caso: o próprio interessado requeira sua exclusão; ou o conselho deliberativo decida por sua exclusão. A exclusão será deliberada caso o Conselho entenda que a coação tenha terminado, ou a conduta do protegido seja incompatível com o programa de proteção.
O primeiro capítulo da Lei 9807/99 trata especificamente sobre a proteção a vítimas e testemunhas ameaçadas por colaborar na investigação dos crimes que presenciaram.
O depoimento destes sujeitos, protegidos pela lei em questão, é de extrema importância, pois grande carga probatória no Processo Penal é realizada por meio da prova testemunhal, sempre visando à obtenção da verdade real dos acontecimentos. Conforme doutrina o professor Antônio Scarance Fernandes (2008):
[...] testemunha é pessoa que presta declarações a respeito de um fato de que tem conhecimento, ou, ainda, sobre aspectos ligados à determinada pessoa. E arremata o autor: Por meio dela, produz-se prova relevante no processo penal, pois, na maioria das vezes, a verificação do crime e da autoria depende de depoimentos testemunhais.
Tem-se acima o conceito de testemunha, mas é necessário ainda conceituar o termo vítima. Nesse ponto, a Lei nº 10.354/99 (Lei de Proteção a Vítimas de Violência no Estado de São Paulo) conceitua vítima como:
I) a pessoa que tenha sofrido dano de qualquer natureza, lesões físicas ou mentais, sofrimento psicológico, prejuízo financeiro ou substancial detrimento de seus direitos e garantias fundamentais, como consequência de ações ou omissões previstas na legislação penal vigente como delitos penais;
II) o cônjuge, companheiro ou companheira, bem como o ascendente e descendente em qualquer grau, ou colateral até o terceiro grau, por consangüinidade ou afinidade, que possuam relação de dependência econômica com a pessoa designada no inciso anterior;
III) a pessoa que tenha sofrido algum dano ou prejuízo, ao intervir para socorrer a outrem que houver sofrido violência ou estiver em grave perigo de sofrê-la; e
IV) a testemunha que sofrer ameaça por haver presenciado ou indiretamente tomado conhecimento de atos criminosos e detenha informações necessárias à investigação e apuração dos fatos pelas autoridades competentes.
Além de se especificar o significado do termo vítima, se faz necessário que comentemos a definição da palavra coação, pois se trata do motivo pelo qual o tutelado adere ao programa de proteção:
É o fato de compelir alguém a pratica, de certo modo, de determinado ato jurídico. A violência pode ser física (absoluta), ou moral (compulsiva). Neste ultimo caso, tratar-se-ia de ameaça grave de praticar uma violência física. A parte ofendida tinha, como ação penal, uma actio quod metus causa contra o autor da violência, seja ela a outra parte da relação jurídica decorrente do ato jurídico coagido, seja terceiro. (MARKY, 1992)
Já o art. 1o. da Lei 9807/99 trata sobre a proteção prestada a estes sujeitos extremamente vulneráveis nesta delicada relação processual, delegando as responsabilidades pela execução do programa de proteção à União, aos Estados e Distrito Federal:
Art. 1º.: As medidas de proteção requeridas por vítimas ou por testemunhas de crimes que estejam coagidas ou expostas a grave ameaça em razão de colaborarem com a investigação ou processo criminal serão prestadas pela União, pelos Estados e pelo Distrito Federal, no âmbito das respectivas competências, na forma de programas especiais organizados com base nas disposições desta Lei.
A proteção ao indivíduo não é somente física, mas também psicológica. É de extrema importância que o depoente esteja seguro, amparado e ciente de que fará parte importantíssima de um processo, e seu testemunho tem valor inestimável para a justiça. Sobre a importância da sanidade do sujeito a prestar o depoimento, tem-se um trecho interessante escrito por Bruno Cesar da Luz Pontes (1999):
A preocupação com a integridade psicológica é correta, uma vez que é esta a integridade que deve estar estável para que a vítima ou testemunha diga ao juiz criminal tudo que sabe, e os criminosos podem, por ameaça às mesmas ou aos seus parentes, desequilibrá-las emocionalmente para omitir informações importantes ou, se não omitir, chegar mesmo a mentir por um estado de necessidade provocado pelo criminoso.
Isto posto, é evidente que a sanidade mental e psicológica do depoente é importante para que este preste um testemunho coeso e útil para a justiça, colaborando com o processo.
Cerca de uma década após a inauguração do instituto da delação premiada no ordenamento jurídico brasileiro, com a promulgação da Lei 8072/90 e diversos outros diplomas legais, mas que infelizmente não se preocuparam com a efetivação da proteção aos delatores, surge a Lei 9807/99, a qual, finalmente, teve por objetivo a criação de possibilidades reais para que a proteção realmente ocorra.
Conforme versa Alberto Silva Franco (2011), a Lei 9807/99:
não estruturou novos tipos incriminadores sobre determinada matéria de proibição ou reformulou tipos pré-existentes, tendo apenas o duplo objetivo de estabelecer normas para a organização e manutenção dos programas especiais de proteção a vitimas e testemunhas ameaçadas e de dispor sobre a proteção de acusados ou condenados que tenham voluntariamente à investigação criminal e ao processo criminal. Em segundo lugar, porque o texto dos artigos 13 e 14 da Lei 9807/99 cria as hipóteses de perdão judicial, e de causa redutora de pena, com ampla abrangência e sem nenhuma vinculação a determinado tipo legal.
A delação premiada consiste, conforme ensina Adalberto José Aranha (1999), na afirmativa feita por um acusado, ao ser interrogado em juízo ou ouvido pela polícia, e pela qual, além de confessar a autoria de um fato criminoso, igualmente atribui a um terceiro a participação como seu comparsa.
Ainda sobre o conceito da delação premiada, afirma Walter Barbosa Bittar (2011), que se trata “de um instituto do Direito Penal que garante ao investigado, indiciado, acusado ou condenado, um prêmio, redução podendo chegar até a liberação da pena, pela sua confissão e ajuda nos procedimentos persecutórios, prestada de forma voluntária”.
Como já observado, além de proteger as testemunhas e vítimas, a lei também visa garantir a segurança dos possíveis acusados ou réus colaboradores na elucidação do caso, conforme revela o art. 15, presente no segundo capitulo da Lei 9807/99:
Art. 15. Serão aplicadas em benefício do colaborador, na prisão ou fora dela, medidas especiais de segurança e proteção a sua integridade física, considerando ameaça ou coação eventual ou efetiva.
Portanto, a delação premiada visa garantir integridade e segurança do acusado que se prestou a colaborar na elucidação do caso.
Aquele que está sob acusação, mas colabora com a investigação, pode receber uma serie de benefícios, desde a redução de até dois terços da pena a ser cumprida (art. 14), até mesmo o perdão judicial (art. 13). Sobre a proteção concedida aos réus colaboradores na investigação, e os benefícios que podem ser concedidos, versa Antônio Milton dos Barros (2006):
Embora o programas se destine a vítimas e testemunhas, a lei protege também os corréus ou partícipes, que se disponham a colaborar. O Art. 13 da lei prevê perdão judicial e, consequentemente, a extinção da punibilidade ao acusado que, sendo primário, tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e o processo criminal, desde que tal colaboração resulte: 1 – na identificação dos demais coautores ou partícipes da ação criminosa; 2 – na localização da vítima com a sua integridade física preservada; 3 – na recuperação total ou parcial do produto do crime.
No trecho acima, embasado no art. 13 da Lei 9807/99, o autor cita as condições para que o perdão judicial seja concedido ao depoente especial, quais sejam:
a primariedade do réu;
a voluntariedade deste, ou seja, sua colaboração no processo tem de ser livre e espontânea;
a colaboração por ele prestada tenha sido efetiva, tendo trazido resultados significativos na resolução do crime, como consta nos incisos do artigo em questão:
Art. 13. Poderá o juiz, de ofício ou a requerimento das partes, conceder o perdão judicial e a conseqüente extinção da punibilidade ao acusado que, sendo primário, tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e o processo criminal, desde que dessa colaboração tenha resultado:
I – a identificação dos demais co-autores ou partícipes da ação criminosas;
II – a localização da vítima com sua integridade física preservada;
III – a recuperação total ou parcial do produto do crime.
Há ainda alguns requisitos subjetivos para que o magistrado conceda o perdão judicial ao réu, conforme versa o parágrafo único do art. 13: “A concessão do perdão judicial levará em conta a personalidade do beneficiado e a natureza, circunstâncias, gravidade e repercussão social do fato criminoso.” Portanto, não basta que os requisitos objetivos estejam presentes para a concessão do perdão judicial, mas também é necessário o convencimento do magistrado sobre o merecimento da concessão deste perdão em favor do réu, levando em consideração elementos extremamente subjetivos, como as características próprias do crime em questão e do acusado, sobre seu caráter e conduta social.
Sobre a definição do que seria o perdão judicial, ensina Júlio Fabrini Mirabette (2000):
Perdão Judicial é o instituto através do qual o juiz, embora reconhecendo a coexistência dos elementos objetivos e subjetivos que constituem o delito, deixa de aplicar a pena desde que apresente determinadas circunstâncias excepcionais previstas em lei e que tornam desnecessária a imposição de sanção. Trata-se de uma faculdade do magistrado, que pode concedê-lo ou não, segundo seu critério, e não direito do réu.
Há uma corrente doutrinária que acredita que a concessão do perdão judicial seja uma faculdade do Juiz de Direito, conforme é possível observar no trecho acima colacionado. Porém existem autores, como Paulo Martini (2000), os quais entendem que não se trata de faculdade do magistrado, mas sim dever deste, caso estejam preenchidos os requisitos legais para a concessão do perdão judicial:
Apesar de estar consignado no texto legal o verbo “poderá” (futuro do presente), por se tratar de um direito penal público subjetivo de liberdade, uma vez preenchidas as circunstâncias, o juiz não pode, segundo seu puro arbítrio, deixar de aplica-lo. O magistrado só agirá com discricionariedade na apreciação das circunstancias judiciais, uma vez que presentes, devem autorizar a concessão do perdão.
Além desta já citada divergência doutrinária, há outra discussão sobre o tema do perdão judicial: Se existem ou não efeitos condenatórios secundários, como por exemplo, acerca da reincidência do réu perdoado judicialmente.
Alguns autores, como por exemplo, o autor Damásio de Jesus (2002), acreditam que apesar da sentença proferida pelo juiz perdoar judicialmente o réu, ainda assim persistem os efeitos secundários da condenação:
Segundo nosso entendimento, é condenatória a sentença que concede o perdão judicial, que apenas exclui a aplicação de seus efeitos principais (aplicação das penas e medidas de segurança), subsistindo as suas consequências reflexas ou secundárias, entre as quais se incluem as responsabilidades pelas custas, o lançamento do nome do réu no rol dos culpados etc. Para nós, o perdão judicial constitui causa extintiva de punibilidade a ser declarada na própria sentença condenatória.
Contudo, há outra corrente cujo pensamento vai à direção contrária, crendo que após a sentença proferida pelo magistrado, não há mais o que se falar de sanções secundárias ao perdão judicial. Com a promulgação da Lei de Proteção a Vítimas, Testemunhas e Réus Colaboradores, foi pacificado a questão, conforme podemos observar na Súmula 18 do Superior Tribunal de Justiça: “A sentença concessiva do perdão judicial é declaratória de extinção de punibilidade, não subsistindo qualquer efeito condenatório”. (grifo nosso)
Portanto, como é possível aduzir da questão, após o magistrado proferir a sentença declaratória de perdão judicial ao réu, não subsiste qualquer efeito secundário, seja ele com relação a multas ou qualquer outra sanção.
Caso O Poder Judiciário entenda não ser o caso de perdoar judicialmente o criminoso, ainda é possível que sua colaboração espontânea, como por exemplo, a confissão e/ou a contribuição na localização da vitima ou produto do crime, resulte no beneficio da redução de pena, de um a dois terços.
Como é possível observar, não é necessário que o réu seja primário para que este possa ter sua pena reduzida. Além disso, a vitima localizada com a colaboração deste também não precisa ser encontrada em sua integridade física. Portanto, torna-se evidente que o instituto da redução da pena encontra mais facilidade de ser concedido.
É notório que o fato de o réu colaborar com a investigação criminal, delatando ex-comparsas e colaborando na prisão destes, gera grande repercussão, despertando nos criminosos sentimentos de vingança, como as famigeradas promessas de morte no mundo do crime. Portanto, é dever do Estado proteger estes delatores, seja em liberdade ou até mesmo dentro do sistema penitenciário, onde sabidamente ocorrem grande violações aos direitos humanos, seja por parte do responsável pelos presídios, ou principalmente, por parte dos detentos. Com o objetivo de prestar essa segurança aos criminosos que contribuíram com a investigação criminal, mas mesmo assim foram condenados ao cumprimento de pena de reclusão, encontramos o art. 15, principalmente em seu paragrafo terceiro:
Art. 15. Serão aplicadas em benefício do colaborador, na prisão ou fora dela, medidas especiais de segurança e proteção a sua integridade física, considerando ameaça ou coação eventual ou efetiva.
§ 1º Estando sob prisão temporária, preventiva ou em decorrência de flagrante delito, o colaborador será custodiado em dependência separada dos demais presos.
§ 2º Durante a instrução criminal, poderá o juiz competente determinar em favor do colaborador qualquer das medidas previstas no artigo 8º desta Lei.
§ 3º No caso de cumprimento da pena em regime fechado, poderá o juiz criminal determinar medidas especiais que proporcionem a segurança do colaborador em relação aos demais apenados.
Ainda sobre o artigo acima mencionado, observa-se no paragrafo segundo que, caso o magistrado entenda ser necessário, é possível aplicar os benefícios contidos no art. 8o. da Lei 9807/99 em prol do depoente colaborador, já na fase de instrução processual, consistindo na concessão de medidas cautelares direta ou indiretamente relacionadas com a eficácia da proteção.
Art. 8o Quando entender necessário, poderá o conselho deliberativo solicitar ao Ministério Público que requeira ao juiz a concessão de medidas cautelares direta ou indiretamente relacionadas com a eficácia da proteção.
O Decreto No 3.518, de 20 de Junho de 2000, que regulamenta a Lei de Proteção a Vítimas e Testemunhas, em seu art. 10, estatui o Serviço de Proteção ao Depoente Especial, o qual conceitua as situações em que o depoente especial é caracterizado:
Art. 10. Entende-se por depoente especial:
I - o réu detido ou preso, aguardando julgamento, indiciado ou acusado sob prisão cautelar em qualquer de suas modalidades, que testemunhe em inquérito ou processo judicial, se dispondo a colaborar efetiva e voluntariamente com a investigação e o processo criminal, desde que dessa colaboração possa resultar a identificação de autores, co-autores ou partícipes da ação criminosa, a localização da vítima com sua integridade física preservada ou a recuperação do produto do crime; e
II - a pessoa que, não admitida ou excluída do Programa, corra risco pessoal e colabore na produção da prova.
Saliente-se que os arts. 13 e seguintes da Lei 9807/99 tratam sobre a proteção aos depoentes do mesmo processo em que figuram os delatados, enquanto no Decreto colacionado acima, refere-se a indivíduos que estejam respondendo processo distinto. Esta forma de proteção se destina aos depoentes que não se enquadram nos requisitos da Lei 9807/1999, seja por terem sido desligados ou por incompatibilidade. (BARROS, 2006)
A proteção ao depoente especial é tão efetiva quanto à proteção as vitimas e testemunhas, podendo até mesmos envolver a proteção das famílias dos depoentes em situação especial. O responsável pela aceitação do individuo no programa de proteção ao depoente especial também é o Conselho Deliberativo, ou o Ministro da Justiça. O tempo da proteção não tem prazo pré-estipulado e suas hipóteses de extinção estão previstas no art. 13 do Decreto 3518/00. Sobre o tema, versa Antonio Milton de Barros (2006):
As medidas de proteção previstas para os depoentes especiais estão fixadas no artigo 11 e seus incisos, cuja aplicação pode ser cumulativa ou isolada, dependendo da necessidade. É executado e planejado pelo Departamento de Polícia Federal, do Ministério da Justiça, com autorização legal para a celebração de convênios, acordos, ajustes e termos de parceria com órgãos governamentais e não governamentais.
A proteção irá perdurar pelo tempo que se julgar necessário, caso não ocorra algo fato impeditivo para sua continuidade, descritos no art. 13 do Decreto 3518/00: requerimento do interessado ou de seu representante legal; decisão de autoridade policial responsável pelo Serviço de Proteção; ou decisão do Conselho Deliberativo.
O Ministério Público pode atuar de quatro formas diferentes na Lei 9807/1999, sendo elas: sendo membro do Conselho Deliberativo do programa de proteção; como parte; como órgão executor; e como fiscal da lei.
Quando membro do Conselho Deliberativo, o MP tem o dever de zelar pelo cumprimento correto das disposições legais referentes à proteção, e pela vida e dignidade da pessoa protegida, garantindo-lhe respeito e proteção. Além disso, sempre que um sujeito requeira a participação no programa de proteção, o Ministério Público tem de emitir um parecer sobre o caso, informando se concorda ou não com a admissão no novo tutelado e os motivos.
O MP também poderá, de acordo com o art. 5o, inc. II, da Lei 9807/99, solicitar o ingresso de um indivíduo no programa de proteção. Para isso será necessário que a solicitação contenha a qualificação, histórico passado, e as razões para que o sujeito tenha a proteção do programa. Entende-se, apesar de não expresso na Lei, que o Ministério Público também teria legitimidade para requerer a exclusão do tutelado do programa de proteção, nos moldes do art. 10.
O legitimado para pleitear em juízo a adoção de medidas cautelares é somente o Ministério Público. Conforme versa o art. 8o:
Quando entender necessário, poderá o conselho deliberativo solicitar ao Ministério Público que requeira ao juiz a concessão de medidas cautelares direta ou indiretamente relacionadas com a eficácia da proteção.
O MP é o único legitimado, pois se trata de uma peça processual, que deve ser proposta de forma técnica, com os devidos fundamentos e pedidos.
Por fim, o Ministério Público atua quando ocorre a alteração do nome do protegido. De acordo com o art. 9o e parágrafos, ates de se dar a alteração do nome, o MP deve ser consultado, e acompanhar todo o processo de alteração da identidade civil, atuando como fiscal da lei.
Conforme se depreende dos conceitos e institutos acima expostos, a letra da lei pode ser considerada boa, apropriada para seu objetivo de proteger as vítimas, testemunhas e réus colaboradores nas ações penais e inquéritos policiais. Porém, sua aplicabilidade nas situações reais ainda é complicada, tendo em vista a existência de problemas estruturais e financeiros em toda a rede de proteção, fato que impede a aplicação do diploma legal da forma completa, como prevista na legislação.
É pacífico entre os doutrinadores que, para a completa realização dos institutos protetivos presentes na lei, é necessária a destinação estatal de mais verbas, pois ainda é precário todo o sistema protetivo. Existem diversos relatos de casos nos quais há falta de dinheiro e pessoal para a efetivação da proteção ao tutelado.
A necessidade de mobilização política e social acerca do tema é evidente, sendo necessária a conscientização coletiva sobre a importância do questão. O desenvolvimento dos Programas de Proteção deveria ser prioridade governamental, pois obviamente a tutela concedida pela lei em questão está intimamente relacionada com o problema de segurança pública, o que torna a Lei 9807/99 de extrema valia para a redução dos índices de criminalidade.
Em outro vértice, há críticas quanto ao instituto da delação premiada, alegando alguns doutrinadores que tal prática seria extremamente antiética e condenável, pois estimularia a traição. Afirma-se, ainda, que a delação premiada transforma o direito em um instrumento de anti-valores, pois, além de conceber um prêmio ao traidor, ofende o princípio da proporcionalidade da pena (GOMES, CERVINI, 2008).
Por outro lado, outra corrente defende que a delação premiada é um “mal necessário”, tendo em vista que a melhor maneira de combater a criminalidade é a partir de seu núcleo, fato que se torna possível somente com informações de ex-criminosos, agora contribuindo para justiça. Afirma Guilherme de Souza Nucci (2008) que não faz sentido taxar a delação premiada como antiética, tendo em vista que os criminosos, os quais não demonstram respeito a nenhum dos valores pregados pelo Estado, precisam ser combatidos de qualquer forma, e o instituto da delação premiada é extremamente importante neste combate.
Porém, para que os delatores possam ser tratados de forma diferenciada dentro dos presídios, o panorama atual deve mudar. Atualmente os presídios e cadeias do país são verdadeiros depósitos de detentos, sendo impossível que qualquer preso possa ser tratado de forma diferenciada. Não há qualquer possibilidade de isolamento de um condenado, caso este seja delator e tenha contribuído com a justiça. Portanto, como já citado, falta investimento público nos programas de proteção às vítimas, testemunhas e delatores, e falta investimento nos sistemas prisionais, os quais já estão completamente saturados, e ao invés de regenerar os detentos, os transforma em pessoas piores e mais perigosas.
Infelizmente ocorrências de desvio de verbas e má gestão do programa não são raras, fato que causa tristeza e descontentamento em todos aqueles que pretendem construir um país melhor e mais justo, que proteja suas vítimas e testemunhas, o que contribui para o combate ao crime e redução da violência, tão presente em nosso cotidiano.
Diante de todo o exposto, é certo que ainda faltam muitos passos para que o Programa Nacional de Proteção a Vítimas, Testemunhas e Réus Colaboradores seja correta e completamente implementado. Os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, intelectuais, doutrinadores e a sociedade têm o dever de apoiar e aprimorar tais programas, tendo em vista que a proteção destes sujeitos, geralmente os mais vulneráveis da relação processual, é primordial para o combate à criminalidade, que atinge índices cada vez mais alarmantes em nosso país, seja nas capitais ou até mesmo no interior.
Políticas públicas de valorização da vítima e da testemunha têm de ser frequentes, sempre destacando a importância destas para o processo penal e para a justiça. Ademais, há de se enfatizar a importância da lei tratada neste texto, pois certamente, se posta em prática de forma inteligente, será uma eficiente ferramenta no combate ao crime.
O objetivo dos Programas de Proteção, além da parte prática, como proporcionar segurança ao tutelado, também tem o intento de manter o núcleo familiar do protegido, assegurando sua saúde e de sua família, tanto física quanto psicológica. Ademais, é uma forma do Estado prestar assistência diretamente ao sujeito, se mostrando presente e atuante, garantindo assim sua estabilidade, bem estar e a ainda a credibilidade estatal.
Os programas de proteção tem grande valor, mas devem ser tratados de forma mais séria por nossos governantes. Atualmente, infelizmente existe muito descaso e corrupção, como falta verbas e diversas irregularidades nos repasses. Porém, obviamente existem diversos casos positivos, nos quais testemunhas e vítimas foram incluídas no programa de proteção e tiveram suas vidas preservadas. Nestes anos de vigência da lei, pessoas já foram protegidas do crime organizado, milícias, entre diversas outras ameaças, como pode ser observado nas reportagens colacionadas aos anexos.
Por fim, o presente estudo não tem o objetivo de solucionar todas as questões pendentes para que o sistema protetivo seja totalmente eficiente, mas sim incentivar o debate sobre este tema tão importante para a segurança publica de nosso país.
REFERÊNCIAS
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FERNANDES, Antonio Scarrance. O papel da vítima no processo penal. São Paulo: Malheiros, 1995,
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Marky, Thomas. Curso elementar de Direito Romano. São Paulo: Saraiva, 6ª ed., 1992
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MIRABETE, Júlio Fabrini. Processo Penal. 10ª ed. São Paulo: Atlas. 2000
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PONTES, Bruno Cezar da Luz. Alguns comentários sobre a Lei 9807/99. Jus Navigandi, Teresina, ano 4, n. 36, 1 nov. 1999 . Disponível em:
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