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Texto enviado ao JurisWay em 09/07/2013.
Última edição/atualização em 11/07/2013.
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Júlio César Prado de Oliveira – Advogado – Pós-Graduado Especialista em Ciências Penais pela UNISUL, Direito Ambiental e Urbanístico com formação para o magistério superior pela UNIDERP, Direito Constitucional com formação para o magistério superior pela UNIDERP. Curso de extensão em Direito Penal e Processual Penal pelo Instituto Brasiliense de Direito Público, em Direito Eleitoral pela Escola Superior de Advocacia, Ética e Administração pelo Instituto Legislativo Brasileiro e Escola Nacional de Administração, Doutrina Políticas Novas Esquerdas pelo Instituto Legislativo Brasileiro e Lei 8.112 aplicada pela Escola Nacional de Administração. Pós-Graduando em Direito Civil, Processual Civil e do Consumidor pelo Instituto Toledo de Ensino.
A Constituição Federal trouxe em seu bojo a necessidade de criar-se uma política nacional eficaz de defesa do consumidor, nos termos dos artigos 5º, inciso XXXII; 24, inciso VIII; 150, §5º; art. 170, inciso V da Constituição Federal (CF).
A previsão constitucional de uma política nacional de proteção de defesa do consumidor, nas palavras de Uadi Lammêgo Bulos, atendeu as revindicações da sociedade civil:
Diversos apelos solicitaram a inclusão da matéria no rol dos incisos que integram o art. 5º da Constituição de 1988. Alegava-se a insuficiência dos instrumentos clássicos de garantia de direitos, cujo desempenho, sedimentado numa realidade ultrapassada, não se apresentava como suficiente para a tutela dos direitos metaindividuais (coletivos e difusos) e dos individuais homogêneos.
Considerando os inúmeros reclamos, a temática integrou os direitos fundamentais, elevando os consumidores ao posto de receptores das liberdades públicas (art. 5º, inciso XXXIII), ao lado do capítulo referente aos princípios gerais da atividade econômica (art. 170, V).
(...)Realmente, a vida moderna das sociedades de massa e de consumo, nas quais o ter substitui, quase sempre, o ser, a preocupação preponderante é o lucro, a riqueza, o aumento do patrimônio. Nisso, afloram com maior frequência os problemas econômicos, que repercutem nas relações de consumo.[1]
O Ato de Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) da CF determinou em seu artigo 48 a elaboração de um Código de Defesa do Consumidor (CDC), que veio a ser contemplado pela Lei 8.078 de 11 de setembro de 1990. Consolidou-se, assim, um moderno sistema de defesa do consumidor e proteção das relações de consumo.
José Geraldo de Britto Filomeno, um do autores do anteprojeto do CDC, bem traduziu escopo do diploma normativo: Trata ainda o Código de uma “política nacional de relações de consumo” (...) no sentido que se trata em última análise de uma “filosofia de ação”, exatamente porque não se trata tão-somente do consumidor, senão da almejada harmonia das sobreditas “relações de consumo”.[2]
A Política Nacional das Relações de Consumo compreende um conjunto de medidas normativas, políticas, sociais, que objetivam atender as necessidades dos consumidores garantindo o respeito à sua dignidade, à saúde e segurança, a proteção de sues interesses econômicos e a melhoria da sua qualidade de vida. Prima por uma relação de transparência e harmonia, reequilibrando a natural vulnerabilidade do consumidor no mercado através de ações governamentais que propugnem a lealdade dos participantes na relação de consumo, difusão das informações quanto aos direitos e deveres e a criação de eficientes meios de controle de qualidade e segurança de produtos e serviços, evitando abusos praticados no mercado de consumo.
A Política Nacional de Relações de Consumo institui um conjunto de contramedidas à voracidade do mercado capitalista, tão só preocupado com o lucro, e que nos inseriu em uma sociedade de risco, como bem alertou Ulrich Beck.
É Beck quem alerta:
Contra as ameaças da natureza externa, aprendemos a construir cabanas e a acumular conhecimentos. Diante das ameaças da segunda natureza, absorvida pelo sistema industrial, vemo-nos praticamente indefesos. Perigos vêm a reboque do consumo cotidiano. Eles viajam com o vento e a água, escondem-se por toda a parte e, junto com o que há de mais indispensável à vida – o ar, a comida, a roupa, os objetos domésticos - atravessam todas as barreiras altamente controladas de proteção da modernidade.[3]
A mercantilização da sociedade contemporânea atinge todos os aspectos das relações humanas.[4]
O consumidor é o elo mais fraco da relação econômica, aquele que não dispõe de controle sobre os mecanismos de produção, tendo que se submeter ao que lhe é ofertado.
O controle Estatal através de medidas como a imposição de responsabilidade objetiva, a inversão do ônus da prova, mecanismos de controle de qualidade, combate a publicidade abusiva e enganosa, protege o consumidor, presa fácil aos poucos escrúpulos do mercado.
Nem mesmo os meios protetivos do consumidor conseguem evitar mazelas cotidianas como venda de alimentos deteriorados, adulteração de leite por formol, omissão de efeitos adversos identificados em produtos inseridos no mercado, indução do consumidor a crer em efeitos benéficos do produto adquiridos que não se concretizam conforme anunciados. Por isso as medidas que compõe a Política Nacional das Relações de Consumo não podem ser concebidas como atos exauridos em si, e sim de implementação contínua e progressiva, em perene aperfeiçoamento.
É necessário uma permanente intensificação dos instrumentos de promoção da Política Nacional das Relações de Consumo tais como a manutenção de assistência jurídica, integral e gratuita para o consumidor carente; instituição de Promotorias de Justiça de Defesa do Consumidor no âmbito do Ministério Público; criação de delegacias de polícia especializadas no atendimento de consumidores vítimas de infrações penais de consumo; criação de Juizados Especiais de Pequenas Causas e Varas Especializadas para a solução de litígios de consumo; concessão de estímulos à criação e desenvolvimento de Associações de Defesa do Consumidor.
Cláudia Lima Marques nos esclarece que o CDC deve ser visto como um sistema contextualmente construído, cuja codificação e organização identifica o sujeito beneficiado, o consumidor, superando o fetiche fortemente arraigado do princípio do pacta sunt servanda e do dogma da autonomia da vontade[5].
Trata-se de uma realidade que supera a força do pactuado para compreender que os indivíduos se encontram insertos em uma sociedade de massa, com diferenças brutais no poder de negociação entre os sujeitos das relações comerciais. De um lado figuram conglomerados econômicos, empresariais e financeiros, de outro, o indivíduo, cujo acesso aos bens de consumo é condicionado. O CDC estatuí uma política com nítida função social, modificando as relações jurídicas de direito privado, e intervindo de maneira imperativa nestas.
O objetivo é o atendimento das necessidades dos consumidores e o respeito à sua dignidade, saúde, segurança, proteção de seus interesses econômicos, e melhoria de sua qualidade de vida por meio da instituição de princípios como o reconhecimento de sua vulnerabilidade (art. 4º, inciso I, do CDC), o princípio da defesa do consumidor pelo Estado (art. 4º, inciso II, do CDC), princípio da boa-fé objetiva e do equilíbrio das relações entre consumidores e fornecedores (art.4º, inciso III, do CDC), princípio da informação e educação (art. 4º, inciso IV, do CDC), princípio da confiança, segurança e qualidade (art. 4º, inciso V do CDC), princípio do combate ao abuso (art. 4º, inciso VI, do CDC).
Pese ainda tenha muito que melhorar, o Código de Defesa do Consumidor foi bem recebido pela sociedade brasileira, e sua política nacional encontrou eco nas ruas. O fortalecimento dos consumidores gera constantes apelos dos setores econômicos, com indisfarçável sanha de restringir as amarras protetivas sob o pretexto de “tornar o mercado mais atrativo aos investimentos”, algo similar às intenções de “flexibilização da CLT”. Não por menos, ainda que recém completados 22 anos do CDC, já se vê lobby de setores bem específico (dos fornecedores) por um projeto de novo Código de Defesa do Consumidor.
Por isso é necessário lutar para solidificar as raízes da Política Nacional de Defesa do Consumidor, superando os ainda muitos percalços e abusos existentes[6], e tornando cada vez mais imanente os princípios tutelares consagrados no corpo normativo.
BIBLIOGRAFIA:
BECK, Ulrich. Sociedade de Risco – rumo a uma outra modernidade.tradução de Sebastião Nascimento. São Paulo: Editora 34, 2010.
BENJAMIN, Antonio Herman V.; MARQUES, Cláudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de Direito do Consumidor. 2ª edição revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.
BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal Anotada. 10ª edição revista, atualizada e reformulada até a Emenda Constitucional nº 70/2012. São Paulo: Saraiva, 2012.
GRINOVER, Ada Pellegrini; BENJAMIN, Antonio Herman V.; FINK, Daniel Roberto; FILOMENO, José Geraldo; WATANABE, Kazuo; NERY JÚNIOR, Nelson; DENARI, Zelmo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto. 9ª edição. São Pauo: Forense Universitária, 2007.
SEN, Amartya. A ideia de justiça. Tradução de Denise Bottmann e Ricardo Doninelli Mendes. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.
[1]BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal Anotada. 10ª edição revista, atualizada e reformulada até a Emenda Constitucional nº 70/2012. São Paulo: Saraiva, 2012.
[2]GRINOVER, Ada Pellegrini; BENJAMIN, Antonio Herman V.; FINK, Daniel Roberto; FILOMENO, José Geraldo; WATANABE, Kazuo; NERY JÚNIOR, Nelson; DENARI, Zelmo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto. 9ª edição. São Pauo: Forense Universitária, 2007. p. 17.
[3] BECK, Ulrich. Sociedade de Risco – rumo a uma outra modernidade.tradução de Sebastião Nascimento. São Paulo: Editora 34, 2010. p. 9.
[4] Amartya Sem nos diz que A tradição utilitarista (...) trabalha no sentido de reduzir todas as coisas valiosas a algum tipo de magnitude supostamente homogêna de “utilidade”(...).Também destaca a mercantilização do próprio homem. O homem tem sido mercantilizado...Não são mais suas vicissitudes, sua complexa gama de sentimentos e razões... são meros produtos em uma prateleira, manipuláveis por discursos vazios e etéreos em redes sociais...muçulmanos, cristãos, hindus, árabes, judeus, heterossexuais, homossexuais, evangélicos, esquerdistas, conservadores, ambientalistas, progressistas, feministas, machistas, católicos, espíritas, negros, brancos, índios...assim, se reduz sua personalidade a um rótulo, encerra-se o debate e imbeciliza-se o pensamento...
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